sábado, setembro 09, 2006

Triste fim de um atorzinho chinfrim

Quem diria que minha vida terminaria feito um dramalhão, ou um romance óbvio? Que minha última fala seria: “esses últimos minutos valeram por todo o resto”? E que meu gesto derradeiro seria dar um beijo na mulher com quem sempre mantive um relacionamento quase que puramente platônico?

Logo o metido a intelectual, a citar Nietzsche e Deleuze em qualquer discussão de bar. Aquele que lia apenas Proust, Joyce, Dostoiévski, Thomas Mann… Pois é, o combatente das telenovelas e dos filmes hollywoodianos se vê agora num desses clichês tão exaustivamente empregados na indústria do entretenimento. Tento achar graça.

Vejo o sangue escorrer por entre meus dedos. Essa mão não consegue mais estancar o buraco causado por uma bala, vinda de sei lá onde, que encontrou abrigo em meu estômago. E a mulher dos meus sonhos alisa meus cabelos, diz palavras de otimismo e não se importa com a sujeira que o sangue faz em seu belo vestido azul com estampa de florzinhas. Acho que são florzinhas. Talvez sejam apenas bolinhas brancas. Mancha de sangue é difícil de sair.

O resgate já vem. Calma que o resgate já vem. Agüenta só mais um pouco, por favor. Quanto mais eu ouço a voz daquela mulher de cabelos lisos e castanhos, olhos negros e pele morena, mais eu penso no roteiro de um filme detestável. “Esses últimos minutos valeram por todo o resto…” Tusso fundo para não me desesperar.

Será que eu realmente me declarei a ela? Será que depois de minha confissão amorosa, ela realmente me ajudou a ficar sentado por alguns instantes e colou seus lábios em minha boca salgada? Ou eu sonhei com tudo isso? Ou eu desejei que meu fim fosse “emocionante”? Acho que, no final, tudo se embaralha.

Jamais saberei as respostas exatas. A não ser que eu peça para ela me beijar. Mulher nenhuma negaria esse desejo a um pobre moribundo. Tenho vergonha. Não posso me aproveitar de uma situação como essa. Veja você, eu aqui, no asfalto, manchando o vestido da mulher que eu amo, com uma bala na barriga. É foda se valer desse subterfúgio tão baixo. Ora, logo eu irei abaixo de todas as coisas.

Deve ser chato sentirmos alguém morrendo em nossos braços. Logo me vêm milhares de cenas iguais a essa, todas vistas no cinema. Eu olhava para o lado e via alguma companheira verter lágrimas. Confesso, e agora eu posso confessar o que for, que eu também tinha vontade de chorar. Mas era contra os meus princípios. Por isso, seguro ao máximo umas lágrimas traidoras que teimam em abandonar meus olhos. Segure-se firme, seu filho da puta.

Ela acabou de resgatar minhas lágrimas com seus dedos finos. Estaria eu preso dentro de um poema do J. G. de Araújo Jorge? “Esses últimos minutos…” Poderiam ter sido muitos anos se eu tivesse acreditado. Em quê? Não sei. Sei apenas que não acreditei. E aos incrédulos restam os últimos minutos.

Eu não estou preparado espiritualmente para este momento. Isso é uma falha grave no roteiro. Meu avô, por exemplo: sempre foi comunista. Na hora agá, virou um religioso ferrenho. Ele teve a hora agá. E eu? Minutinhos agá? Um agá minúsculo? Em compensação, estou com a mulher que eu amo a me acariciar os cabelos. Bela correção, roteirista. Você pensou rápido. E está de parabéns.

Quando eu era criança, perguntei ao meu pai: em que devem pensar os condenados nos instantes anteriores ao fuzilamento? “Estou fodido”, foi a resposta do velho. Agora eu posso dizer que ele estava certo. Estou irremediavelmente fodido. Claro, em que mais pode pensar alguém que está prestes a morrer fora na própria condição de breve ex-vivo?

Estou fodido. E não sei nem rezar o Pai-Nosso. Momentos humilhantes, momentos sublimes, apenas momentos de uma vida que passa depressa. Depressa demais para seres tão egoístas quanto o Homem. Parece que um pernilongo vive apenas vinte e quatro horas. Nunca vi pernilongos chorarem, ou pedirem a Deus que lhes conceda alguns segundos a mais. E eu? Quero uns minutos a mais? Já posso escutar o barulho das sirenes. Queria dizer àquela mulher que me faz carinho que eu a amo. Há anos que eu a amo. No entanto, as palavras não conseguem escalar minha garganta. Nada sai.

O roteiro segue à risca as normas de um best-seller. Tudo está em seu devido lugar. Uma imagem precisa de tudo aquilo que eu zombei na vida. Agora, parece que o mundo zomba de mim. Não importa. Minha amada alisa os meus cabelos e eu digo que esses últimos minutos valeram por toda a vida. É a fala que me cabe no momento. Sou um ator disciplinado, que segue as falas do roteiro com precisão. Tento, também, fazer aquelas expressões que aprendi num curso vagabundo de teatro que fiz na adolescência. Será que estou conseguindo? Acho que sim. Consigo captar a imagem de uma espectadora, uma senhora que observa a cena. Seus olhos estão cheios de lágrimas. Outras pessoas apressam os homens do resgate.

Sou um excelente ator, penso. Sempre fui. Sempre. Mereço ganhar um beijo. Não consigo pedir. Os homens do resgate já me colocaram na maca e eu não vejo mais nada, não sinto mais nada. Não consigo pensar em nada além daquela noite que eu voltei para casa sozinho, embriagado, com uma enorme vontade de me atirar de cima de algum viaduto. Por quê? Porque sou um excelente ator. Odeio ser um excelente ator. Deus, eu não sou um pernilongo. Quero mais um tempo para viver.

Não tenho escolha. E não consigo pedir o beijo. Mas o beijo vem mesmo assim. Estava no roteiro. Minha amada também é uma excelente atriz. E o filme acaba. As pessoas saem eufóricas do cinema, dizendo: é desta vez que um filme nacional leva um Oscar.

sexta-feira, setembro 08, 2006

Brisa marinha

Ontem eu peguei uma gripe da moléstia dos cachorros, como diria um cabra que eu conheci, tão perdido quanto eu, no sem-graça, provinciano e preconceituoso estado de South Carolina.

Hoje, além de gripado, estou com caganeira. Acho que eu exagerei no bolo suíço que comi na casa da Vivi. Eu nunca tenho doce em casa. Não sou de doce. Mas às vezes eu acabo pisando na jaca e, depois, meu intestino é implacável. Não perdoa um deslize, o bastardo.

Eu estava aqui, trabalhando calmamente, quando a Jussara me perguntou a respeito de uma vírgula no texto de um padre. Em geral, padres não sabem pôr vírgula. Isso é fato. Quando eu me levantei pra ler o tal texto, senti que algo não ia bem no âmago do meu ser.

Meu intestino, nessas circunstâncias, costuma avisar uma vez só. E a Jussara falava sobre a vírgula, e eu me apertava, até que pedi uma licença estratégica e fui até o banheiro que, obviamente, estava ocupado. O sujeito pode morar sozinho que, numa situação dessas, pode ter certeza que o banheiro estará ocupado.

Procurei manter a pose e fiquei rondando o banheiro feito um urubu, e quase rosnando para quem ameaçasse me atravessar. Quando eu finalmente conquistei o espaço desejado, o sofrimento não parou, porque a diarréia caiu matando, acompanhada por uma maldita orquestra de sopros composta, exclusivamente, por trombones desafinados. O cheiro também não estava dos melhores, mas, para a minha sorte, havia à janela uma lata de Glade odor de brisa marinha.

Mandei ver na brisa marinha e aquilo me lembrou as férias que eu passava em Itanhaém. Depois voltei à sala e perguntei se as vírgulas do padre estavam nos conformes. Gripado e com caganeira, agora eu me pergunto o que me aguarda para o dia de amanhã.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Led Zeppelin

Teve uma época da minha vida em que eu só escutava Led Zeppelin. Era um vício. Quando eu já tinha todos os discos da banda, eu ainda sustentava a mania de fuçar na letra "L" da secão de rock internacional das lojas, só pra conferir se não havia algum trabalho que eu não tinha. E foi assim que, uma vez, estava eu dentro da Hi-Fi do lugar mais escroto de São Paulo (é claro que estou me referindo ao Shopping Iguatemi), quando encontrei um CD duplo do Led Zeppelin ao vivo chamado "Plays Pure Blues". Eu fiquei maluco, mas aquela raridade custava R$ 40,00. Eu não tinha aquele dinheiro que, se hoje não é pouco, na época era uma fortuna.

No dia seguinte eu arranjei o dinheiro e voltei lá, desesperado, suando frio mesmo, com medo de não encontrar mais aquele CD. Fui seco na letra "L" e lá estava aquela gravação ao vivo de dois shows do Led: "Live at Texas International Pop Festival, August 31st 1969" e "Live at the Paris Theatre, March 25th 1971", com um bônus de "Communication Breakdown", "I Can't Quit You Baby" e "You Shook Me", gravado em Londres, em 27 de junho de 1969.

Eu ouvi aquele CD milhares e milhares de vezes. Na faixa "What Is And What Should Never Be", eu quase ajoelhava no chão e, com raiva, olhava para o céu e perguntava: "Por que vocês levaram o John Bonham?" Aos incultos eu explico: o John Bonham era o baterista do Led. O cara era chegado numa cana forte. Um dia ia ter uma festa não sei onde, e o Bonham começou a mandar na vodca com laranja logo cedo. À noite, eles chegaram na festa e o baterista continuava bebendo vodca feito um alucinado, até que ele anunciou aos ventos que ia dar uma deitada. Ele entrou num quarto, deitou e desmaiou. Só que ele desmaiou de barriga pra cima e, no meio do sono, começou a passar mal e a vomitar loucamente. E ele tava tão imprestável que não conseguiu se mexer e, depois de agonizar por uns vinte minutos, morreu engasgado no próprio vômito. Se alguém tivesse apenas virado o corpo do Jonh Bonham pro lado, ele não teria tido nada além de uma puta ressaca no dia seguinte. Se é que ele tinha ressaca.

Isso foi, se não me engano, em 1980. Meu interesse pelo Led começou uns doze anos depois disso. Até hoje eu gosto da banda, mas confesso que é muito raro eu pegar um som deles pra ouvir. Meu gosto por música mudou radicalmente e, hoje, estou mais pra Cartola, Noel, Chico e Paulinho. Mas ainda me emociono muito ao som de Led Zeppelin, Pink Floyd, Hendrix e os blueseiros Steve Ray Vaughan, Albert Collins, Buddy Guy, Muddy Waters e outras feras.

O "Plays Pure Blues" tem na capa uma foto do Jimmy Page tocando uma guitarra vermelha de dois braços com o Robert Plant em segundo plano, com uma calça escura boca-de-sino, uma camisa cinza brilhante e um colete da mesma cor escura por cima e, ao fundo, o falecido john Bonham com aparência de caminhoneiro tocando uma bateria verde. Está aqui na minha mão, pedindo para sair do ostracismo. Acho que eu vou matar a saudade.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Esporte nacional

O Thiago, que nunca foi fã do futebol de Ronaldinho Gaúcho, me mandou um texto escrito pelo Guilherme Fiúza no site No Mínimo, espinafrando o dentucinho mais bem pago do planeta. Vocês podem imaginar o teor do artigo do sujeito pelo singelo título: "Fora, Ronaldinho Gaúcho!" Sim, o cara ataca com fúria, dizendo que o Ronaldinho não é objetivo, que só faz firula, está mais para malabarista de circo do que para jogador de futebol e que a seleção brasileira estaria bem melhor sem ele. Ainda diz que a comparação que fazem dele com jogadores como Garrincha, Pelé, Maradona e Zico é mais que absurda. Quanto a isso, eu concordo plenamente com o furioso jornalista.

Em geral, eu não concordo com o texto. Achei bem exagerado, mas devo reconhecer que é no exagero que está a graça da coisa, como quando ele escreve que o Ronaldinho Gaúcho "sacode as madeixas como um passarinho hiperativo". Mais engraçadas ainda são as reações das pessoas. Quase 200 leitores comentaram favorável e desfavoravelmente. Até o ponto em que eu tive saco pra ler, a maioria discordava do Fiúza. Entre elogios do tipo: até que enfim alguém teve coragem para falar a verdade, o Ronaldinho parece uma foca adestrada, devia estar no circo etc, os comentários iam na linha de que o Fiúza está exagerando, que ele acordou de mau humor, ou que ele deve ser um ótimo jogador de "pimbolim" (sic).

É engraçado mesmo como as pessoas se lançam furiosas em qualquer discussão. É esse o esporte preferido do brasileiro. Por exemplo, quando o Guga apareceu meio bichado pela primeira vez, iniciou-se uma discussão interminável se o tenista voltaria a jogar como antes ou se ele já era. Até hoje as pessoas querem saber quando o Guga vai se aposentar oficialmente, a ponto do cara perder tempo pra dar uma entrevista coletiva e dizer: nem penso em me aposentar, estou aqui, me tratando com o Filé. E quem quer saber de tênis? Queremos saber de exaltar os vencedores e mandar à merda os que estão por baixo. E queremos, acima de tudo, alimentar polêmicas.

Quem se dá bem com isso é a nossa querida imprensa, que fabrica pseudo-polêmicas em larga escala. Nós, consumidores de merda (nos dois sentidos que essa frase pode ser interpretada), damos corda e, forma-se um ciclo vicioso que só faz aumentar esse monte de besteiras que lemos e ouvimos por aí. E a minha dor de cabeça e insônia só fazem aumentar, na mesma proporção.

Esses malas não tem coisa mais útil com que se ocupar? Permitam-me uma sugestão tão ingênua quanto estúpida: abram um blog e carreguem na merda com vontade.

Odisséia

Eu acordei com uma vontade estranha de escrever sobre a Odisséia. Aí está:

Ulisses ficou vinte anos longe de casa. Foram dez anos pra combater o exército de Páris, que havia raptado Helena, em Tróia, e mais dez anos pra conseguir voltar a Ítaca, porque alguns deuses, especialmente Poseidão, o deus dos mares, ficaram putos com ele e não queriam deixá-lo voltar à sua amada Penélope. Os deuses do Olimpo eram meio afrescalhados e se sentiam ofendidos com qualquer merdinha. Poseidão ficou chateado com Ulisses só porque o guerreiro, em uma de suas aventuras, matou o gigante ciclope que, por um acaso, era filho do deus dos mares.

O pobre Ulisses ficou preso durante uns oito anos, coitado, na ilha de Calipso, uma semi-deusa gostosa pra caralho que se apaixonou perdidamente por ele e não o deixava escapar nem por um decreto. E o que fez o nosso herói, durante esses anos todos, enquanto a Calipso se insinuava, dançava pra ele e lhe oferecia manjares? Chorou. Chorou sem parar.

Então, a Odisséia (seria a aventura de Odisseu que, para quem não sabe, é o nome grego de Ulisses) começa com a deusa Palas Atena intercedendo por Ulisses no Olimpo. Ela diz a Zeus que acha que o guerreiro já sofrera o suficiente, e que ele merecia voltar a Ítaca. Zeus concorda e envia Hermes, o deus mensageiro (aquele que tem uma asinha nos calcanhares), à ilha de Calipso. Muito contrariada, a semi-deusa liberta o herói de suas garras.

Mas a questão não era lá muito simples. Claro, se a questão fosse simples não haveria a Odisséia. Ulisses estava perto de Ítaca, só que, àquela altura, todos por lá pensavam que ele estava morto, e já havia uma horda de pretendentes morando em sua casa, dilapidando seus víveres e maltratando a criada e o cachorro. Os pretendentes, de olho nas riquezas e, principalmente, na bela Penélope, não arredariam pé dali enquanto a moça não escolhesse um novo marido, e ela ia levando os sujeitos no bico com aquela história que todos conhecem, de tecer a mortalha durante o dia e desfazer tudo à noite, para que a bendita não ficasse pronta nunca.

O fato é que, se Ulisses voltasse pra casa assobiando, chegasse lá e gritasse: "Cheguei!", os ambiciosos pretendentes lhe cortariam a cabeça. Então a deusa Palas Atena vira protetora do guerreiro e lhe dá preciosos conselhos. Ulisses chega a Ítaca vestido de mendigo e ninguém o reconhece. Ninguém não: o cachorro, acho que seu nome era Argos, todo estrupiado e maltratado pelos pretendentes, encontra forças pra abanar o rabinho. Devia ser um pequinês, pra viver tanto tempo assim.

Chega uma hora em que a criada vai lavar o Ulisses vestido de mendigo e o reconhece, porque o guerreiro tinha uma cicatriz na altura do joelho, obra de uma presa de javali durante uma caçada nos tempos de menino. (A gente jogava bola quando moleque, os gregos antigos caçavam javalis.) A velha fica toda contente, mas Ulisses ameaça estrangulá-la caso ela lhe acuse o disfarce. Penélope, até então, nada percebe, e isso deixa o maridão meio enfezado.

Bom, para quem estiver interessado em encarar os 24 cantos que compõem a obra atribuída a um poeta cego chamado Homero (é uma atribuição simbólica, já que o poema épico era passado de geração em geração por tradição oral), sugiro que comece pela edição em prosa traduzida diretamente do grego pelo professor Jaime Bruna. Essa versão foi editada pela Cultrix, e não sei se está disponível no mercado atualmente. Eu acho meio difícil ir direto para a versão em versos, mas, cada um é cada um. Quem for mais preguiçoso pode comprar a Ilíada e a Odisséia na versão infantil feita pela Ruth Rocha, que é muito bem feita, editada pela Companhia das Letrinhas.

A quem tomar gosto pela coisa, como eu, sugiro ler o livro "O mundo de Homero", do historiador francês Pierre Vidal-Naquet (Companhia das Letras).

De qualquer forma, vale a pena ter acesso a uma das obras literárias conhecidas mais antigas da civilização ocidental, que deve ter cerca de três mil anos. Só uma curiosidade sobre aquela famosíssima passagem em que Ulisses está no barco e, para resistir ao encanto das sereias, amarra-se ao mastro da embarcação. As sereias não eram metade mulher e metade peixe. Elas tinham corpo de ave e cabeça de mulher. Claro, o que encantava era a voz, e não o corpo. Mas, num determinado momento da história da literatura, alguém achou que ficaria mais sexy substituir essa imagem por um rabo de peixe com o tronco de mulher.

terça-feira, setembro 05, 2006

Depressão Moral e Cívica

Estão dizendo por aí que eu sou meio louco. Louco e jornalista? Tô fudido. Que profissão eu fui escolher: a profissão dos que, por um furo de reportagem, vendem a mãe e entregam. Se o furo for quente mesmo - aliás, eu gostaria de dizer aos jornalistas o que eles deveriam fazer com o furo quente deles - o sujeito é capaz de ainda entregar o irmão caçula de brinde.

Quanto a ser louco, tudo bem. Tudo tranqüilo. O foda é ser louco e não ter lá muito talento. O foda é estar num escritório às quatro e meia da tarde, com um frio da porra, sem ânimo pra trabalhar. Pra piorar, estou com fome e acabou a minha água Schincariol. Pra piorar mais ainda, meu chefe é gente boa. Seria mais fácil se ele fosse um cuzão. Todo chefe deveria ser cuzão, assim a gente trabalhava mais sossegado, sem se preocupar com as merdas que podem sair caso a gente troque Jesus por Genésio.

Não sei o que estou escrevendo. Desculpe. A inspiração não vem nem fodendo. Deve estar rodando bolsinha em alguma esquina do Centro. Ou dando pra um escritor de verdade. Vadia. Vive me abandonando. E eu sou um corno manso mesmo. Sempre aceito ela de volta. Aceito as migalhas de uma inspiração de segunda.
Jornalista, louco e sem inspiração, numa tarde de terça-feira sem-graça.

E o feriado mais deprimente do ano está chegando. O dia em que os milicos tiram a farda do armário e saem por aí, desfilando e acenando para os políticos. No passado, um correu atrás do outro. Hoje eles se dão as mãos e dizem: pra que abrir os arquivos do Exército da época da ditadura? O que passou, passou...

É, o mundo dá vodcas. Bebe quem tem juízo.

A trajetória de um vencedor

Ao observar seu breve currículo, o Fábio, uma das testemunhas dos tempos de vacas magras do executivo Tomaz Gouvêa, cobrou um relato mais detalhado sobre sua brilhante trajetória. Depois de muito insistir, eu consegui derrubar aquele antro de humildade e, para a alegria de muitos, o CEO da Escrevinhadeiro Insone Comunicações me concedeu uma entrevista exclusiva.

É tempo do mundo saber como um rapaz humilde, punheteiro e cheio de espinhas na cara se transformou nesse gigante da comunicação.

Hoje o império de Tomaz Gouvêa consiste num blog que recebe mais de duas visitas diárias, um caderno com centenas de páginas pautadas, duas agendas antigas, um telefone celular pré-pago da Motorola que ainda não explodiu e um sem-número de hectares de folhas de almaço avulsas.

E como ele conseguiu tudo isso? Como aquele garoto que estudava nas cercanias do Largo da Batata, se drogava de espetinho de gato na Fepasa e detonava os tíquetes em cerveja se transformou num empresário de sucesso? O Chico Buarque não quer manchar o currículo do amigo, mas Tomaz Gouvêa confirma que o compositor carioca se inspirou nele quando criou o verso: “quem que te mandou tomar conhaque com o tíquete que te dei pro leite?”.

Conta o CEO da Escrevinhadeiro: “Eu já estava me servindo do terceiro espetinho, que eu engolia com a ajuda de goles numa batida de Jurubeba com Maguary, quando não sei bem o que me aconteceu. Parece que eu vi o espectro do Nelson Ned, e ele me dizia que essa vida não valia a pena. Então eu fui para casa e chorei copiosamente por 40 dias e 40 noites, até cair, exausto, seco e faminto. Quando eu acordei, tudo parecia diferente. O mundo parecia belo, os passarinhos cantavam, a morena do tchan rebolava na televisão e eu tive uma ereção, por assim dizer, pura. Dali em diante, eu fui à luta”.

Dali em diante, Tomaz Gouvêa só pensava em trabalhar e só se masturbava a fim de homenagear mulheres com nomes bíblicos. E foi assim que ele começou a empilhar os primeiros tijolos do que hoje é um império comparável apenas ao de Kublai Khan, que enriqueceu ao inventar o molho tártaro.

Na próxima parte da entrevista, todos saberão como Tomaz Gouvêa superou o golpe de ter sido rejeitado pela Paula Pernas-de-Vareta na sétima série. Não percam.

Bernardo Litost – redator de revistinhas corporativas, canhoto e hipocondríaco

segunda-feira, setembro 04, 2006

Vaticínio

Inspiração súbita de uma segunda-feira nublada:

- Ratos de laboratório! - grita um mendigo, em frente a um prédio espelhado da avenida Paulista - Brancos, dentuços, peludos, de olhos vermelhos e com os rabos prontos para se prender; dentro de caixas climatizadas e iluminadas com uma luz fria; cercados por engenhocas que, se bem manuseadas, rendem uma recompensa. Ou seria mais apropriado dizer: uma esmola? Caso o desempenho fique abaixo do esperado pelos gráficos, saboreiem o estímulo negativo: a punição e a privação de mãos dadas. Ratos comportados! Bem apessoados, comedores de ração, que circulam por entre cadeiras giratórias abraçadas por ternos. Querem fornicar, mas na caixa existe apenas uma fêmea: uma ratazana gorda, mal-cheirosa, enrugada e deselegante. Deselegante e indiferente ao desespero que aumenta constantemente, em compasso com a lentidão dos ponteiros. Ela sabe, e aguarda. Ela aguarda, impassível, o momento em que os ratos, coléricos, se matarão uns aos outros, engolirão os ternos, vomitarão pelos cantos, destruirão aquelas malditas engenhocas que não servem para merda nenhuma e não funcionam nas horas mais urgentes. Ratos: um dia vocês se masturbarão no esgoto, pensando numa ratazana gorda e mal-cheirosa que rebolará as ancas sobre as suas cabeças.

Depressão dominical

Graças ao funcionamento permanente do cérebro, também não se interrompem as produções de besteiras e idéias que não servem para nada. Nem aos domingos. Por isso estou aqui. É domingo e estou aqui, depois de ter acordado tarde e não ter feito nenhum esforço físico (seguindo algumas das recomendações de Bukowski).

Estou aqui, também, porque sei que o meu amigo Butantã não conseguirá dormir sem ler um texto inédito de minha autoria. E, quem sabe, minhas palavras também possam acalmar a depressão dominical que sempre acomete o Thiago Iacocca. Não só o Thiago, mas quase que a população mundial inteira fica deprimida diante da iminência de mais uma segunda-feira.

Eu não poderia abandoná-los neste momento tão difícil. Quero me solidarizar com todos aqueles que choram ao escutar a voz do Zeca Camargo que ecoa da sala; ao encarar um prato contendo quatro casquinhas de pizza e meia-dúzia de caroços de azeitona; ao receber o telefonema daquele chato de sempre que anuncia todos os resultados dos jogos de futebol (acompanhados de comentários do tipo: porra, o Corinthians precisou de um pênalti roubado para deixar a zona de rebaixamento).

Por falar em zona, domingo é um dia tão triste que a maioria delas não funciona. Mas quase tudo continua funcionando e acontecendo: os ônibus, trens e metrôs operam em escala reduzida, os jornais estão recheados de notícias (quase todas geladas), os traficantes alugam barracos para que as pessoas que não têm dinheiro para pagar um motel possam dar uma trepada, gente nasce, gente morre, gente mata, gente vomita à porta de um boteco do centro... E assim o mundo respira fundo para encarar mais uma semana desgraçada.

Respiremos fundo. Este primeiro texto desgraçado, inútil e mal escrito apenas anuncia que ainda tem muito chão pela frente.

domingo, setembro 03, 2006

Da paixão lancinante ao passatempo laxante

Meu interesse por futebol foi diminuindo ao longo dos tempos.
Mas eu ainda conservo uma prática que teve início na minha adolescência: cagar lendo a página de esporte.

Foi assim que eu acompanhei a cobertura dessa saída do Tévez do Corinthians: entre uma cagada e outra, passando uma vista diagonal nos textos, sem muita concentração.
Pelo que eu pude fixar, a crônica esportiva tendeu para duas teorias, não necessariamente excludentes: que o Tévez não foi profisional ao abandonar o clube e que o Leão tem fobia a argentinos.

A imprensa quer vender, então, alimenta essa pseudo-polêmica: o corintiano deve ter raiva ou saudade do Tévez?

O fato é que eu não agüento mais esse circo que envolve o futebol e, se as coisas continuarem pelo caminho que eu acho que vão continuar, eu não levarei mais as páginas de esporte nem ao banheiro. Porque, ou eu fiquei ranzinza antes da hora, ou as partidas de futebol estão cada vez mais insuportáveis e, a crônica esportiva, cada vez mais, sobrevive de fofoquinhas totalmente desimportantes.