sexta-feira, junho 29, 2007
Eu também não poderia deixar de falar sobre a foto da primeira página da Folha de S. Paulo. O fotógrafo Leonardo Wen foi muito feliz no clique ao pegar um gesto do Lula com o Renan Calheiros em segundo plano, de modo a aparentar que o presidente está passando a mão na cabeça do senador, como que dizendo: fica tranqüilo, meu filho, papai tá aqui.
A Folha põe a foto na primeira página e sustenta um cinismo fantástico, ao fingir que tudo foi feito na maior inocência. A legenda da foto diz: "Renan ouve Lula em cerimônia em que o presidente disse que é cuidado para não 'execrar' as pessoas antes de serem julgadas". A legenda é muito, muito cínica, porque, ao mesmo tempo, finge ignorar a composição da foto e reforça a idéia que o jornal quer passar: olha o Lula querendo salvar mais um aliado aí, gente!
Antevendo a churrascada em que vai dar essa lambança que a Comissão de Ética do Senado tem nos apresentado nos últimos dias, a Folha reforça o sentimento da classe média-alta (seus leitores), que está pronta pra 'execrar' o governo por mais esta palhaçada promovida pelos nossos políticos.
Caso as cabeças pensantes da Folha de S. Paulo não quisessem ser cínicas, o jornal teria se valido de um recurso que eles adoram, que é o de colocar um título engraçadinho em frente à legenda, algo do tipo: "Afago amigo" (não consegui pensar em nada melhor). A Folha não fez isso e não foi por falta de idéias, porque pra ter idéias eles são realmente bons. A Folha não fez isso porque estragaria a sutileza que só o mais puro cinismo exige.
Parabéns, pessoal da Folha. Vocês ainda conseguem me surpreender.
Fora do Jogo
Quem gosta de futebol, quem odeia futebol, quem adora cinema, quem só gosta de ficção científica, quem vota no Serra com vontade, quem acredita queo PT é socialista, quem acredita no Renan Calheiros, quem acredita em Papai Noel, quem é a favor do ataque de endorréia que assola o nosso idioma, quem fala empolado, quem quer matar as tremas, quem apóia o Pitanguy, quem quer que tudo se foda, quem finge que entende o Gerald Thomas, enfim, todos: todos deveriam tirar a bunda do sofá este fim de semana, ou o próximo, ou depois do próximo, enfim, pra assistir ao filme iraniano "Fora do jogo", que estreía hoje nos cinemas paulistanos.
Vivi e eu tivemos a felicidade de assistir ao "Fora de jogo" na última mostra de cinema e, o que posso dizer?, é um filme muito interessante e divertido. A história, para os desavisados e os preguiçosos que não querem ler críticas sérias (se bem que as críticas "sérias" quase nunca falam da história dos filmes), é sobre umas meninas iranianas que se disfarçam de meninos para poder entrar no estádio de futebol e assistir à decisiva partida das eliminatórias para a Copa da Alemanha, entre Irã e Bahrein.
Adianto que o filme rende boas risadas. Não sei se é tão engraçado quanto "O voto é secreto", Aldo, mas eu me diverti muito. Fica aqui a minha dica para o final de semana.
quinta-feira, junho 28, 2007
Homem-coisa
Ói eu aqui, pela 130ª vez. Não sei quem tem mais paciência: eu ou quem perde o tempo lendo este espaço. Mesmo assim, como diria Camila Morgado em brilhante interpretação de um poema do Vinicius de Moraes: "Subamos, subamos bem alto..." Pior que aquilo, só o Ricardo Blat fazendo pose de mano e cantando um rap. Ai, minha úlcera. Enfim, sigamos.
Hoje, nas minhas andanças pelo centro de São Paulo, eu fui testemunha, mais uma vez, de como a vida tá braba. Em frente a um restaurante por quilo, lá estava um sujeito que foi contratado para chamar a clientela, aos berros de: "Carne de primeira! Pode aproveitar!" Quando eu passei perto do sujeito, ele perguntou, sussurrando: "Ministério do Trabalho?" Veja você, o cara é contratado pelo quilão, mas não pode viver exclusivamente disso, então, continua angariando clientes que vão ao prédio do Ministério do Trabalho e, freqüentemente, precisam tirar cópia de algum documento ou foto. É claro que todo aquele mundaréu de homens-placa e homens-megafone vive de vários bicos. Certamente, esse sujeito que chama a clientela pro quilão e aborda pessoas que precisam tirar fotos e xerox, também veste uma placa pra comprar ouro, outra escrita: "Compro seu carro à vista" e, quem sabe?, ainda vende chocolate Suflair ou sete paçoquitas a R$ 1,00.
Toda vez que eu passo pela Barão de Itapetininga, do lado da saída do metrô República, eu escuto a mesma voz: "Olha o guia das agências". Aqui, reconheço a minha ignorância pra dizer: não sei que guia de agências é esse que ele vende. Agências de emprego? Mas o que me impressiona é ver a indústria da miséria funcionando a todo vapor, mesmo que todos esses subempregados sejam categoricamente ignorados por 99% dos transeuntes, todos os dias.
O centro de São Paulo é, sem dúvida, uma escultura michelangélica (deu pra entender, certo?)da realidade brasileira. São milhares de pessoas fazendo o possível pra tirar um troco de um consumidor arredio, apressado. São milhares de pessoas que sentem a miséria na pele, pessoas que já se acostumaram a ser vistas como uma placa, ou como um som de auto-falante. Essas pessoas aceitaram se transformar em coisas, porque é isso que elas são pra nós. Elas são apenas placas, ou megafones. Elas são apenas ruídos, sejam visuais ou sonoros. O centro de São Paulo não me deprime. Ao contrário, ele me mantém com os dois pés na realidade. A realidade é deprimente? Bem-vindo ao barco, companheiro.
terça-feira, junho 26, 2007
Tal Pai, Tal Filho
Eu havia prometido a mim mesmo que não falaria desse caso dos quatro estudantes de direito que espancaram a empregada doméstica no Rio de Janeiro. Eu havia feito essa promessa porque esse é o tipo de notícia que fala por si, além dos especialistas de plantão da imprensa já terem dito o bastante. Mas, confesso, não agüentei quando li a entrevista que o pai de um dos estudantes concedeu à Folha de S. Paulo.
A fala do sujeito traduz claramente como pensa a elite brasileira. Tão claramente como poucas vezes eu havia visto nas páginas da imprensa- ou mesmo de Veja. Quando ele diz que não está certo prender o filho dele - "uma pessoa que tem caráter" - com bandidos, ficou claro pra mim como o moleque, ao ver uma mulher com cara de povo na rua, se sente à vontade para descer do carro e surrá-la.
Um pai desses, que tem a coragem e a cara-de-pau de contestar a prisão de alguém que espanca covardemente uma pessoa, por puro sadismo, rouba-lhe o dinheiro e ainda diz, para se justificar: "Eu pensei que fosse uma prostituta"; um pai que diz pra toda a elite brasileira ouvir, que o filho dele tem caráter, ao contrário dos outros "bandidos" que estão na cadeia e, por isso, não deveria ser misturado com eles, fica muito claro que a cabeça completamente oca desse estudante e a de seus amigos é fruto de um discurso que começa em casa.
Associações do tipo: mulher pobre é puta e homem pobre é vagabundo ou ladrão (ou os dois), normalmente, começam a ser alimentadas desde cedo, quando a cabeça da criança está em formação. O pai, em casa, faz piadas racistas, diz que preto é tudo ladrão, diz que essas empregadinhas são tudo umas putas - e o filho assimila. Caráter é algo que se constrói em casa e, se o pai é um bosta desses, a chance do filho ser um bostinha é muito grande. Esse bostinha cresce achando que quem não tem dinheiro não presta e ainda é uma ameaça pra quem tem dinheiro.
Hoje, ao ler essa entrevista, eu consegui me sentir ainda pior do que quando eu soube da notícia. Quanto à imprensa, ai meu Deus, a imprensa: bem lembrou o Nelson de Sá: quando a barbaridade é feita por gente da elite, essa gente é tratada assim: "grupo de jovens agride empregada doméstica". Quando é gente pobre, fala-se: "Bandidos aterrorizam vítimas...". É claro. Quem compra jornal? Quem consome os produtos que a mídia oferece? Em sua maioria, imbecis, como o pai desse delinqüente de merda.
Salvem as Tremas - II
Esfeluntis me disse, depois de passar a noite inteira pesquisando, que o futuro da trema será decidido pela Academia Brasileira de Letras. Então é pra isso que servem aqueles velhinhos? Porra, se nós estamos nas mãos de gente como o Ivo Pitanguy pra tratar dessas questões, estamos lascados. O sujeito deve adorar uma reforma, pois ganhou a vida recauchutando a cara de pessoas endinheiradas. Isso pra não falar no imortal do Marco Maciel, que inspirou o inventor dos Simpsons na criação do senhor Burns. E o Sarney? E mais um bando de figuras de notável importância para o vernáculo...
Pobres tremas. Pobres tremas. Eu estou de fato preocupado.
Disse-me Esfeluntis que a abolição da trema - e outras mudanças - é defendida para que se encontre uma unidade normativa entre todos os países que têm o português como língua-mãe. Ora, pois, não quero saber se em Portugal não se usa mais a trema. Eles também usam uma porrada de "cc" que nós não usamos mais e ninguém tá pedindo para que eles mudem. Eles também não colocam acento em palavras como "idéia" e "bóia" - ou seria liberdade poética do Saramago? Seja como for, soy contra. Não acho que tem que buscar unidade normativa porra nenhuma. Adotemos o "Brazilian-Portuguese" sugerido pelos estadunidenses.
Sou contra a abolição das tremas e ponto, ou melhor, duplo-ponto. Sou pela segregação das normas da língua portuguesa. Sou pela expulsão do Pitanguy do clubinho dos imortais. Sou pela proibição da venda dos livros do Sarney. Sou pelo regime de engorda do Marco Maciel.
PS: Será que o Pitanguy está na ABL porque os velhinhos de lá também querem deixar os vasilhames com caras de imortais?
segunda-feira, junho 25, 2007
Salvem as Tremas
Toda vez que se fala em reforma das normas da língua portuguesa, sobra para a pobre trema. Novamente, fala-se em extirpá-la da língua, como a Folha de S. Paulo já havia feito por conta própria, um tempo atrás, para, recentemente (acho que faz uns dois anos), voltar a adotá-la. A pobre trema, pelo jeito, não tem muito lobby. Não tem quem interceda por esses simpáticos dois pontinhos que dão voz ao "u" em quatro simples casos: qüe, qüi, güe e güi. Essa simples regra da fonética, mais uma vez, corre o risco de ser extinta nos próximos dias, quando as autoridades lingüísticas (que em breve podem ser linguísticas) discutirão a próxima reforma do vernáculo.
Parece-me que, o que motivou a Folha de S. Paulo a deixar de adotar a trema, foi uma comodidade na digitação. É mais simples escrever frequência, sem precisar apertar a tecla "shift" antes do "u". À época da máquina de escrever, o uso da trema também exigia uma carimbada a mais no papel. Um atraso de vida para os datilógrafos, digitadores, taquígrafos e o cazzo a quatro.
Bom, que eu gosto de escrevinhar todos já sabem. Se eu sei, não interessa, mas eu sinto um prazer estranho em colocar em forma de letrinhas as porcarias que me passam pela cabeça. Sou, apesar de escrevinhadeiro, um péssimo digitador. Eu cato milho mesmo e aperto as teclas erradas o tempo todo. Apesar disso, eu jamais pensaria em abolir as simpáticas tremas por causa dessa minha deficiência. Se assim fosse, muitas alterações haveriam de ser feitas na nossa língua. Quero dizer, então, que eu não me importo em apertar o shift antes do "u" e que eu simpatizo muito com as tremas.
Por isso, lanço aqui uma campanha: salvem as tremas. Não deixem que esses olhos sorridentes se apaguem, meu povo. Já aviso de antemão, que na contramão da resolução da Folha de S. Paulo, este espaço não deixará de usar a trema, mesmo que assim decidirem as nossas autoridades lingüísticas - sejam elas quais forem.
Uma boa semana pra vocês.
PS: O uso de tremas não machuca e não deixa seqüelas; eu não agüentaria uma vida sem tremas; os eqüinos são todos a favor das tremas, que dão um sabor especial às lingüiças (a crase que se cuide, já que ninguém sabe usá-la).
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