quarta-feira, outubro 25, 2006

Explorador do Centro

Nunca coma um pernil à brasileira no Bar do Estadão caso você tenha o segundo tempo pela frente. Fica impraticável, a ponto do resto do dia se arrastar quase como numa segunda-feira. Fazer o quê? Cometi um erro primário, mas todos sabem que eu não tenho muita experiência com esse negócio de trabalhar. Ainda por cima, estou com um resfriado que se agrava a cada dia, por causa do ar condicionado. Tem um cara que trabalha comigo que deve ser amigo dos pingüins macaroni.

Mas como é bom o tal pernil acebolado com arroz, farofa e fritas. Devo dizer, é bom trabalhar aqui no Centro, porque tem uma puta variedade de lugares pra comer e, tudo a um preço acessível. Também tem um monte de figuras interessantes a perambular por essas ruas. Tem desde o bêbado que arruma encrenca com os homens-placa e diz: "eu vou votar no álco-em-mim!", até os vendedores de tudo que é bugiganga que a gente possa imaginar. Sem falar no impressionante táimin pro negócio que eles têm. É só aparecer uma nuvem no céu que até o engraxate arruma uns guarda-chuvas pra vender. E o cara que fica em frente ao prédio da OAB vendendo um novíssimo Código de Processo Penal? Hoje eu quase comprei um livro do Stanislaw Pontepreta numa banquinha de livros usados, mas meu dinheiro não dava. Também estou pensando em decorar minha sala com um abajur de fibra ótica e de comprar uma antena interna de televisão, só pra ganhar um brinde, que eu não sei qual é. Todo dia eu também fico tentado a comprar sete paçocas por 1 real na Praça da Sé.

Sempre sustentei uma vergonha inconfessável de não conhecer nada do Centrão. Não conheço nada mesmo. Uma vez eu tive que vir de carro pra pagar um condomínio atrasado no prédio da imobiliária, que ficava na rua Cásper Líbero, ao lado do Viaduto Santa Efigênia e, simplesmente, não consegui chegar. Eu desisti e voltei pra casa (depois de um tempão rodando até encontrar o caminho de volta). Ao ver no guia que a porra do prédio ficava do lado da estação São Bento, voltei no dia seguinte de metrô. Até pra chegar no prédio da Câmara Municipal, que é a coisa mais fácil do mundo, eu tive que consultar o Lino sobre qual estação de metrô ficaria mais perto.

O pior era ouvir todas as pessoas que conhecem bem o Centro dizerem: é muito fácil ó - e mandam ver uma descrição detalhada de todas as ruas, avenidas, praças, prédios, largos e viadutos. A verdade é que eu conheço todos esses lugares, mas, simplesmente, não sei chegar até eles. O mapa do Centro que eu tenho na cabeça é uma completa colcha de retalhos. Não consigo estabelecer conexões entre dois pontos. Mas isso vai mudar. Estou tirando meus horários de almoço pra bater perna por aí e estabelecer as sinapses perdidas, que tanto me confundem.

Porra, que paulistano é esse que não conhece o berçário da própira cidade onde nasceu? Eu sei, sou um paulistano fajuto e muito do preguiçoso. E esse maldito pernil me deu uma moleza...

terça-feira, outubro 24, 2006

Cotas nas Universidades

Amigos, quero dizer que fiquei imensamente satisfeito com a notícia que eu li hoje no Diário de S. Paulo: três caras foram presos em flagrante na madrugada de hoje colando cartazes racistas nas imediações do metrô Vila Mariana. Tudo indica que eles são ligados ao grupo Whitepower, porque tinha o endereço do site desse grupo nazi-fascista no cartaz que, basicamente, era contra a cota para negros nas universidades.

Esses três covardes, que se escondem na madrugada e passeiam pela Vila Mariana, como bem falou o estudante negro da USP que os denunciou ("Queria ver eles fazerem isso no Capão Redondo, ou no Jardim Ângela"), estão no lugar onde todos esses skinheads deveriam estar: na cadeia. Espero que eles fiquem mesmo por lá até o julgamento (já que crime de racismo é inafiançável) e que sejam condenados. Agora, no xilindró, é óbvio que esses covardes que só agem em bando estão dizendo que não são racistas e, apenas, contra a cota para negros. É foda. Eles ainda têm a coragem de insultar a nossa inteligência.

Eu já ouvi algumas pessoas dizerem que são contra as cotas porque isso não resolve e não adianta pôr o aluno na USP se ele não tem uma formação que permita que ele acompanhe o curso etc. Isso é papo-furado porque, em primeiro lugar, o ensino tá uma merda e não é só nas escolas públicas. As próprias universidades públicas, também sabemos, não estão grandes coisas, porque já faz tempo que elas estão sendo sucateadas por governos privatistas.

Ora, é óbvio que as cotas não resolvem. É óbvio que é preciso adotar uma porrada de medidas, entre elas recuperar as escolas públicas e fazer com que as crianças pobres as freqüentem em condições favoráveis: bem dispostas e bem alimentadas, sem precisar camelar durante quilômetros pra chegar numa escola com professores completamente desmotivados e que não oferece nem merenda. Isso é óbvio. E até isso tudo acontecer? Vamos aceitar que os estudantes brancos e ricos da classe média-alta continuem desfrutando do ensino universitário gratuito (pago com o dinheiro da sociedade inteira), enquanto existe uma massa que não tem a menor chance de chegar numa USP, numa Unesp, numa Unifesp, numa Unicamp? Vamos esperar que todo o sistema de ensino seja recuperado até que essa massa consiga competir nos vestibulares tradicionais?

Eu concordo que as cotas devem ser encaradas como medidas de urgência e que, paralelamente, nós exijamos dos governos que eles tomem medidas contundentes pra melhorar o sistema de ensino público, que foi destruído pela ditadura militar e pode sim ser recuperado. Eu concordo que existem, também, imperfeições nas próprias cotas. Acontecem discrepâncias, como no Rio de Janeiro, quando um estudante de classe média, visivelmente branco, se declarou negro pra aproveitar do sistema de cotas. Algumas pessoas defendem, pra resolver isso, que as cotas levem em consideração a renda do aluno, ou que, como já tem sido feito, estudantes de escolas públicas tenham algum tipo de vantagem (o ENEM começou com esse papo, mas deu errado, basicamente, por culpa dos ricos, que ficaram indignados com essa "desvantagem"). Afinal, os negros não são a única "minoria" em desvantagem no Brasil que, na verdade, e um país composto majoritariamente de minorias desfavorecidas.

Ou seja, as cotas devem ser discutidas e aperfeiçoadas, mas elas TÊM QUE EXISTIR. É inadmissível que você chegue na USP e só veja aquele bando de filhinhos-de-papai com seus carros do ano. As universidades públicas não podem continuar sendo esse celeiro de gente rica. Paralelamente, as universidades públicas também têm que ser recuperadas, URGENTEMENTE. É preciso combater o predomínio da indústria da educação que se instaurou pesado no Brasil e tem forçado a destruição do nosso ensino com a total conivência/contribuição dos governos em todas as esferas.

Se tudo isso for feito, quem sabe os nossos bisnetos viverão numa sociedade que não precisará de cota nenhuma? Por enquanto, temos que apoiar as cotas e temos que colocar na cadeia esses racistas covardes.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Segundona Braba

Odeio café e não fumo, mas já saí da sala pra fumar umas onze vezes e já virei uma garrafa térmica no gargalo. Imagino quantas pessoas, neste exato momento, às 15h42, estão com a mesma cara de merda que eu; quantas pessoas estão com um sono absurdo, pensando que, depois do expediente, ainda terão um enorme trabalho em voltar pra casa. Voltar pra casa, às vezes, beira o impossível. Por isso tanta gente não volta. Resolvem entrar num bar, se perder pelas ruas, sumir. E não adianta colocar a foto dessas pessoas nos tíquetes dos pedágios, porque elas já decidiram que não voltarão nem fudendo.

Já dizia alguém (sei lá quem): o melhor dia da semana é a segunda-feira, porque é o dia mais distante possível da próxima segunda-feira. Não adianta torcer pra que a segundona braba passe depressa, porque ela é pior que o Jason e o Sidnei Magal juntos : ela sempre volta. Uma vez eu fui ao boteco com um amigo e ele me disse que ficou muito feliz ao constatar que nasceu numa terça-feira (uma segunda a menos pra encarar). Agora ele vai torcer pra morrer num domingo, mas seria sorte demais pra uma vida só.

Era só isso. Eu só queria desejar uma boa semana a todos aqueles que sobreviverem a mais uma segundona maldita.

Pérolas da Mostra

Pois é, eu sei que esse blog anda mais frio que as geleiras da Antártida, para onde meu irmão Lino está indo em companhia do Amyr Klink e de uns senhores ricos que curtem um turismo exótico. Ele mandou um e-mail do navio hoje, dizendo que conheceu um tipo de pingüim denominado Macaroni (é isso?), porque, se eu bem entendi, o bicho tem umas sobrancelhas de espaguete. Daqui uns dois dias ele chega na porta de entrada do continente gelado, e promete mandar mais notícias. E não é que lá está Sol enquanto aqui em Sampa fica esse tempinho frio e um chove-e-molha que já está dando no saco? O que aconteceu com a boa e velha primavera?

O blog está frio, devo dizer. E não sou de inventar desculpas, porque sempre me orgulhei da minha afiada auto-crítica (por vezes afiada até demais, segundo dizem por aí). Mas é que eu arranjei um trabalhinho aí, e chego cansado, e não me ocorre nada e foda-se. Hoje, no entanto, me ocorre falar sobre duas pérolas que eu e a Vivi assistimos na mostra de cinema.

No ano passado, demos um azar do caralho. Pegamos sessões encavaladas e calhava da primeira atrasar e a segunda não (obviamente), fazendo com que perdêssemos o começo de um filme; encaramos uma roubada chamada "Caché", que os críticos diziam ser uma maravilha e nós achamos uma bosta tão grande a ponto de roncarmos em uníssono; aconteceu de irmos à Sala Uol e o projetor pifar ("calma que o técnico está chegando", e é óbvio que o técnico não chegou nunca); e, para completar, fomos ver uma série de programas sobre o Ingmar Bergman e aconteceram duas coisas fantásticas: eu briguei com uma louca varrida e a organização esqueceu de levar uma das fitas (acho que era Bergman e o teatro, sei lá). Pra completar, a Vivi teve uma queda de pressão e eu sei lá por que dei a ela Coca-Cola com sal (dizem que é bom).

A melhor coisa que conseguimos ver na mostra do ano passado foi um documentário muito engraçado chamado "Por dentro da garganta profunda", sobre a vida da atriz pornográfica Linda Lovelace, que encenou o maior clássico pornô da história do cinema mundial (pra vocês terem uma idéia, a filha da Linda recusou uma proposta pra estrelar no "Garganta Profunda-17", se não me engano)

Para compensar o desastre do ano passado, desta vez nós conseguimos uma credencial com o meu grande amigo Thiago Iacocca e sua simpatissíssima mãe, a Valquíria, que nos dá o direito de entrar de graça nos filmes, como convidados. E lá fomos ontem à Cinemateca ver um filme belíssimo de Cingapura chamado "Fica comigo". Eu sei, o nome não é atraente, mas a história é maravilhosa, o roteiro é maravilhoso, a montagem é maravilhosa e tem uma cena final que eu não vou esquecer tão cedo. Ou seja, um Puta filme, com "P" maiúsculo mesmo. O foda é que ele só passa de novo amanhã e quarta às 15h30, então, só os desocupados e os chefes (como o Japonês) podem se dar ao luxo de assistir. Se alguém puder, que invente uma dor de barriga pro chefe e vá assistir. Se não gostar, pode me xingar à vontade. Torçam pra que esse filme entre nos mais pedidos do público, ou que ele vá depois pro circuito.

Hoje nós fomos assistir ao documentário sobre o Cartola. Alguém poderia dizer: esse é difícil de estragar. Não, meus senhores. Dependendo do tratamento que se dê à história, é possível estragar qualquer coisa. Mas não é o caso desse documentário. Ao contrário, é uma aula de como se preservar de maneira poética, rica e à altura do homenageado uma importantíssima parte da história musical do nosso País que, muitas vezes, não soube guardar memórias audiovisuais ou escritas. Os caras não precisaram enfiar nenhum ator da Globo e nenhum famosinho pop interpretando as letras maravilhosas desse gênio da música popular brasileira. Conseguiram imagens de arrepiar, como o Cartola cantando e tocando violão ao lado do pai, já velhinho. Ou seja, um Puta documentário também, com o mesmo "P". Lavamos a alma. Por mim, a mostra já valeu a pena. E é óbvio que a Vivi merece todos os créditos, porque foi ela que pesquisou cuidadosamente os filmes.

E, como vocês sabem, não bebo mais, mas as promessas de boteco continuam sagradas pra mim. Prometi ao Ygor no bar sexta-feira pasada que me empenharei em "esquentar" um pouco esse blog novamente. Se não der, esperem até o ano que vem. "Sim, deve haver um perdão para mim/ Ou não sei qual será o meu fim..." Enquanto houver um Cartola, a vida sempre valerá a pena. Pensem nisso antes de se jogarem do alto de um prédio.