sexta-feira, dezembro 03, 2010

Balão de Ensaio

Eu andava incomodado com essa cobertura maniqueísta que a imprensa vem fazendo sobre o suposto combate ao narcotráfico no Rio de Janeiro. Eis que minha irmã mandou por e-mail uma matéria do jornal "Brasil de Fato" que, além de esclarecedora, ilustrou muitas coisas com as quais eu concordo plenamente. É o mesmo esquema de sempre: depois das minhas baboseiras, eu coloco o conteúdo da matéria, então, quem quiser ir direto ao que interessa, é só descer um pouco e ler a matéria.
Não sou conhecedor da geografia do Rio de Janeiro. Só conheço a cidade como turista e, mesmo quando saí do eixo central, foi pra conhecer a famosa feijoada da Vicentina, na quadra da Portela. O taxista que nos levou até lá teve bastante tempo de nos contar, afinal, Osvaldo cruz é um bocado longe, que, atualmente, não há um bairro sequer do Rio de Janeiro que não tenha favela.
É fato, portanto, que o problema social no Rio de Janeiro, assim como no Brasilzão todo, é muito sério e complexo, e não é só colocar UPPs aqui e ali e oferecer a posse definitiva dos terrenos para alguns moradores e pronto. O buraco é muito mais embaixo.
Em conversa com alguns cariocas e com amigos que moram lá, ouvi maravilhas das UPPs. São pessoas geralmente muito críticas, que não falariam bem assim do negócio se não fosse mesmo uma iniciativa louvável. Mas, confesso, esse negócio de UPP nunca me convenceu, porque nós sabemos que a polícia carioca é uma das mais corruptas e incompetentes do mundo, e não seria uma medida dessas a resolver o problema do tráfico de drogas e da violência nos morros do Rio.
A matéria do Brasil de Fato mostra, então, que a instalação das UPPs segue um critério no mínimo suspeito e, vem a dúvida: será mesmo que o governos estão combatendo pra valer o tráfico de drogas? Outra coisa que a matéria diz e que eu aplaudo: nessa história, só morre gente pobre, só morre soldadinho do tráfico (fora os civis que estão lá no meio e alguns soldados oficiais). E a grande mídia fica com essa cobertura absurda, aplaudindo essa carnificina que está ocorrendo, a ponto de um capitão do BOPE se sentir à vontade para dizer, em rede nacional, mais ou menos o seguinte: "Nós não estamos aqui pra julgar ninguém, quem vai julgar esses criminosos será Deus; nós só estamos aqui pra promover o encontro entre eles".
Pois é, quando uma suposta autoridade diz isso, eu só tenho a dizer: fodeu. Fodeu de vez. Sim, porque o buraco é muito, mas muito mais embaixo, e é fato que ninguém está combatendo os verdadeiros chefões do tráfico. Eu não sei quem eles são, mas tenho certeza que os grandes dirigentes de um dos mercados que mais movimentam dinheiro no mundo, certamente, estão bem longe das cadeias brasileiras. Se a imprensa diz que os chefes são Elias Maluco e Cia, isso só me faz suspeitar que os donos da mídia sabem muito bem quem são esses über bandidos. Os governantes sabem, porque há uma relação profundamente simbiótica entre o crime organizado, os governantes, a mídia, a elite da elite etc. etc. etc.
E fodeu de vez porque esses caras instauraram a pena de morte no Brasil faz tempo e ninguém faz nada. As milícias, esse é um dos poucos méritos do filme Tropa de Elite 2, são, sim, piores que os traficantes, porque são bandidos que usam o poder do Estado. O Estado está completamente podre e falido e, diante de uma tela de TV, eu só consigo pensar que NÃO TEM JEITO. Não tem saída. Está acima das nossas forças lutar contra o poder do crime, e o Rio de Janeiro é uma pintura clara disso. Não vejo razão pra comemorar nada. Ao contrário. É muito triste ver que nós, civis, somos reféns de uma massa estatal corrupta e dominada por criminosos. Eles têm poder pra fazer qualquer coisa, até pra fazer com que nós pensemos que as autoridades estão agindo.
Tudo isso não passa de um enorme balão de ensaio. Senão, por que o governo, há décadas, abandonou as fronteiras brasileiras? Por que os biodólares da Amazônia estão nas mãos de empresas multinacionais? Por que tem tanta droga e arma pesada entrando aqui na maior tranquilidade? Eu fico imaginando como foi que entrou aquela bazuca que a imprensa mostrou outro dia. Provavelmente, disfarçada de birimbau, meu rei.
Dá pra acreditar que alguém está combatendo alguma coisa? Claro, assim como dá pra acreditar que o governo americano, ao policiar a América Latina, está de fato tentando combater o tráfico internacional de drogas. É, claro, eu já ouvi dizer que cerca de 1/3 da cocaína consumida no mundo era nos Estados Unidos. E como será que essa droga toda circula livremente? Provavelmente, a culpa é dos cãezinhos que eles viciam em cocaína e que ficam nos aeroportos a esperar por mais droga.
Bom, chega de falar ladainha, porque eu não sou sério, eu não sei o que estou dizendo. Desculpe, também, pelo texto meio corrido e desencontrado. Segue a matéria do Brasil de Fato:
Guerra do bem contra o mal?
Um violento jogo de poder envolve facções, milícias e agentespúblicos, no qual se confundem mocinhos e bandidos
02/12/2010
Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro (RJ)
Mais de 100 veículos incendiados, granadas e tiros contra delegacias, pelo menos 52 mortos, assaltos em profusão, pequenos arrastões, tiroteios em comunidades pobres. Na penúltima semana de novembro, o Rio de Janeiro esteve entregue à barbárie. Em pânico, parte da população deixou de ir ao trabalho, de frequentar bares, de transitar livremente pelas ruas. E comunidades inteiras, especialmente na Zona Norte, ficaram reféns dos “soldados” do narcotráfico e da insanidade de setores da polícia. Como tem sido comum nesses períodos, a opinião pública assumiu posições conservadoras. Exigia-se punição dura, resultados imediatos. Para os setores sociais de espírito crítico mais desenvolvido, porém, ficou a sensação de que assistia pela TV, ou lia pelos jornais, a uma farsa.
A onda de violência começou no dia 21 de novembro. Carros e ônibus foram queimados pela cidade por jovens ligados ao Comando Vermelho(CV), aliados a setores da Amigo dos Amigos (ADA). Os narcotraficantes teriam se unido contra a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nos territórios anteriormente controlados por eles, segundo o discurso oficial. Estudiosos de Segurança Pública consideram essa uma explicação incompleta – além de oportuna ao governo estadual, por supor que a ação criminosa seria a resistência a um bom trabalho. Verdade é que a outra facção expressiva, o Terceiro Comando Puro (TCP), tem se aliado informalmente às milícias, em regiões da cidade, contra as outras duas. Até o aluguel de duas favelas aos grupos paramilitares teria ocorrido. De fato, TCP emilícias têm sido menos afetadas pelas UPPs. A pergunta não respondida, e sequer midiatizada, permanece: por que o Estado evita instalar UPPs nessas áreas?
Correu boato pela cidade, em fase de investigação, de que as ações seriam decorrentes da insatisfação com o aumento no valor da propina a policiais. Por enquanto, a explicação mais lúcida para a onda de violência é a perda de espaço do CV na geopolítica do crime. As milícias, ameaça maior, avançam território, e o setor nobre da cidade, altamente militarizado, segue protegido pelas UPPs. “Aqui no Rio há uma reconfiguração geopolítica do crime”, interpreta José Cláudio Alves, vice-reitor da UFRRJ. Ele explica que existe uma redefinição das relações de hegemonia, envolvendo disputa de território. O mapa de instalação das UPPs, somado à expansão das milícias, estaria levando à periferização do CV. A facção tende a se deslocar para as regiões da Leopoldina, da Central do Brasil e da Baixada Fluminense. “Isso leva,inclusive, à introdução veloz do crack no Rio de Janeiro. Ele é baratíssimo. A reconfiguração do crime também leva à reconfiguração do consumo da droga”, explica. Até 2009, o crack praticamente não entravana cidade.
Tráfico em decadência
Há ainda a interpretação de que o modelo de negócios que se forjou no Brasil, do narcotráfico, estaria em declínio. A milícia, por modernizar o crime, apropriando-se de serviços públicos e disputando apolítica institucional, teria tornado a economia da droga obsoleta. O ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, que se negou a atender jornalistas, divulgou artigo defendendo a tese. “O tráfico tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado,antieconômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los, mantê-los unidos e disciplinados”, diz.
As ações das facções na cidade, em geral, objetivaram sobretudo gerar pânico. Em meio aos veículos queimados, houve poucos feridos. A reação policial foi de potência inédita. Foram mobilizadas todas as polícias, oficiais de outros estados, todo o efetivo em férias e reforços da Marinha, Exército e Aeronáutica. Os blindados, emprestados pela Marinha, eram de forte poderio bélico. Um deles, o M-113, é usado pelos Estados Unidos no Iraque. Cerca de 60% dos oficiais em operação estiveram com a Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti(Minustah). O general Fernando Sardenberg declarou ao O Globo que há similaridade nas ações do Rio e do Haiti. Sandra Quintela, da Rede Jubileu Sul, que acompanha a ocupação do Haiti, considerou o dado grave. “Há muito tempo estamos avisando que isso iria acontecer. Eles treinam lá para praticar aqui”, disse.
As autoridades não explicaram por que o TCP e as milícias não perdem território com as UPPs. Desconfia-se que haja pactos tácitos. “Há o controle eleitoral dessas áreas de milícias por grupos políticos. O Estado não vai jamais debelar isso, porque ele já faz parte, e disso depende sua reprodução em termos políticos, eleitorais. Ele está mergulhado até a medula”, diz José Cláudio. As UPPs têm sido instaladas num corredor nobre do Rio de Janeiro – bairros ricos da zona sul, região do entorno do Maracanã e arredores da Barra daTijuca. Os narcotraficantes já vinham se refugiando, há tempos, na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão. “Era um tanto quanto previsível que essa barbárie pudesse acontecer”, acusa o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.
Combate seletivo
O professor Ignácio Cano, do Laboratório de Análise de Violência daUerj, também desconfia do privilégio da atuação do Estado contra o CV. “Há um tratamento seletivo da polícia, aparentemente. A milícia tende a não entrar em confronto armado com o Estado, e vice-versa”, diz. Embora veja avanços, o sociólogo se diz preocupado com a ação policial, que pode representar um recuo do Estado a posições mais recuadas do passado. O Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, afirmou em entrevista coletiva que a ADA é uma facção mais “pacífica”, mais preocupada com o comércio de drogas. O CV seria mais “ideológico”, estaria mais disposto à guerra.
Para Antônio Pedro Soares, do Projeto Legal, o modelo de Segurança Pública do governo teria ajudado a gerar esse conflito. As áreas“pacificadas” seriam planejadas de acordo com os interesses daespeculação imobiliária. “O que está acontecendo tem a ver com a política de Segurança, que precisa ser melhor discutida. Continua a lógica de uma polícia controlando uma população considerada perigosa”,afirma. Em sua maioria, os ativistas de direitos humanos não negam anecessidade de se prender os narcotraficantes. Entretanto, combatem a execução sumária, e acusam o Estado de perseguir apenas os bandidos da base da pirâmide do crime. “É uma guerra em que só morre um lado, uma cor, uma classe social. É simbólico que tenha acontecido na Semana da Consciência Negra, e dos 100 anos da Revolta da Chibata”, afirma Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Populares (CMP).Desconfia-se que o número de mortos seja muito maior do que o divulgado.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Tio Bá

Posso me considerar um paulistano privilegiado. Porque eu passei muitas e muitas férias na minha infância a me divertir na fazenda do meu tio Osmar, o querido tio Bá, perto de Dourados, no Mato Grosso do Sul (é, lá onde prefeito andou sendo preso e parece que foi solto hoje). Lá eu fazia coisas que poucos garotos da cidade grande têm a oportunidade de fazer, como beber leite sem atravessadores, diretamente da vaca; pescar, nadar e comer ingá na beira do rio; comer manga no pé, melecando a cara inteira com gosto; andar a cavalo até cansar, me sentindo um boiadeiro a tocar o gado pasto afora; carpir o mato na enxada; jogar truco e beber tereré na varanda; jogar bola na grama em frente à casa na maior chuva; consertar cerca com pé-de-cabra; até ter que limpar o rabo com o sabugo do milho eu tive que fazer em um dos meus desarranjos no meio do mato. Antes que os paulistanos maldosos pensem besteira, o sabugo é aquela palha que envolve a espiga.
É claro que esse negócio de usar enxada e pé-de-cabra era mais uma brincadeira, ainda mais para um garoto que vinha da cidade grande e não tinha muito costume de fazer trabalhos braçais. Tanto que uma vez eu fiquei com calo na mão e meu tio, orgulhoso, falou que aquilo sim era mão de macho. "Guri, macho", ele dizia. "Esse guri é macho até debaixo d'água", ele repetia, e eu ficava orgulhoso que só. Sim, o tio Bá era um cara rude, mas com um enorme coração. Eu tenho muita saudade dele. Depois de um dia inteiro de trabalho na roça, o tio Bá gostava de tirar a botina, sentar na varanda e contar suas histórias tomando tereré, ou uma boa cachacinha, é claro. E eu ficava ali, admirando, querendo ser que nem ele. Muitas vezes ele prometeu me levar para pescar no Pantanal, mas, infelizmente, essa não deu pra cumprir.
"Ê mundão velho sem porteira", ele dizia. Mas o mundão, tio, infelizmente, está cada vez mais cheio de porteiras, de lugares privativos, de "ala vip". E as pessoas, cada vez mais, a fim de se esconder da realidade, entocam-se em bolhas, em redomas, e colocam grades com cercas eletrificadas nas suas casas e muros cada vez mais altos. Não é nada daquela liberdade que nós tínhamos na fazenda. A liberdade era tanta que meu pai ficava até assustado quando me via a correr descalço pelo mato atrás de vacas fujonas. "Tomaz, aqui tem cobra", ele brigava. E eu argumentava que se aparecesse uma cobra a vaca perceberia, e daria tempo de eu fugir. Coisas de moleque.
Tenho saudade do tio Bá, da minha infância e daquela liberdade toda. Outro dia, eu encontrei o Márcio, um grande amigo do meu pai, que muitas vezes ia conosco ao Mato Grosso do Sul, e ele disse: "Nós éramos uns pais irresponsáveis. Deixávamos a criançada toda solta pela fazenda, nadando no rio, correndo pra dentro do mato. Não sei como nunca aconteceu nada". É, o máximo que aconteceu foi pisar em espinho, ralar joelho, coisa pouca. Podia ter acontecido algo pior, é claro, mas eu acho que a nossa vida aqui na cidade grande é muito mais perigosa.
Lembrei do tio Bá e do mundão velho sem porteira porque hoje eu estava a pensar nessa história da Folha de S. Paulo conseguir censurar o site do Lino e do Mário e esse mandado de prisão mais do que suspeito emitido pela Interpol contra o Julian Assange, do Wikileaks. É a tentativa de colocar porteiras no mundo virtual, porque o mundo concreto já está forrado delas. A Internet virou o novo alvo dos cerceadores de liberdade, muitas vezes travestidos de "paladinos da moralidade". É claro que deve haver um controle, porque essa liberdade toda também serve para os pedófilos, para os racistas, para os neonazistas, mas esse negócio de colocar porteira me incomoda. Sempre me incomodou.
Porque está cheio de falso moralista louco pra proibir tudo. Faz uns dias e saiu na própria Folha de S. Paulo que tem gente pensando em parar de adotar os livros do Monteiro Lobato por ter conteúdo racista. Se for assim, minha gente, vamos logo proibir toda a literatura do Século XIX pra trás. Esse negócio de proibir, definitivamente, só piora as coisas. Não dá pro sujeito chegar na Rússia, um dos países mais católicos do mundo, e proibir o culto à religião porque o Marx escreveu que a religião é o ópio do povo. Claro, os caras tentaram. A União Soviética instaurou o ateísmo como religião oficial. Sim, porque o ateísmo, paradoxalmente, virou uma religião como qualquer outra, cheia de doutrinas e proibições.
Eu sei, estou indo longe. Comecei lá no Mato Grosso do Sul e cheguei na União Soviética. Mas é assim que eu gosto. Quando eu escrevo, esqueço das porteiras e posso mandar os caras da Interpol à merda. E posso mandar o Tavinho Frias à merda e todos esses instaladores de porteiras à merda. VÃO À MERDA.
E viva o Wikileaks, e viva o fAlha de são paulo, e viva o Tio Bá. Viva a liberdade, mesmo que ela possa causar problemas e estragos mil. Eu sei que tem cobra no mato, pai, mas vale o risco.

segunda-feira, novembro 29, 2010

Manifesto Contra a Barbárie

Eu tinha um professor que falava que o desenvolvimento da sociedade acaba nos trazendo novos problemas e novos desafios. Por exemplo: um lugar pobre e sem indústrias possui problemas de desemprego, fome, miséria etc. Se chega a indústria lá, ela traz emprego e desenvolvimento, mas carrega junto consigo os sérios riscos de degradação ambiental, possibilidade de alastrar doenças respiratórias e outros problemas velhos conhecidos nossos.
Crescer, desenvolver-se, gerar emprego, reduzir as desigualdades, tudo isso acaba trazendo novos problemas ou escancarando outros que, antes, eram até "disfarçáveis". Pois é, nos últimos anos, houve uma considerável redução no índice de miseráveis no Brasil. Também, alguns programas do governo, como o Prouni, colocaram nas nossas universidades tão caras e elitistas algumas figuras que costumavam ser incomuns: negros, pobres, pessoas mais simples, que só eram encontradas nesses meios como serventes na cantina e limpadores de banheiros.
É claro que isso é ótimo. O fato é que essa mistura social imposta por medidas governamentais, e não pelo desenvolvimento "natural" da sociedade, fez cair a máscara de que no Brasil todos convivem bem, de que aqui não há racismo, não há preconceito de classes, todos convivem em harmonia.
A máscara do país do oba-oba vem caindo a cada dia, quanto mais as pessoas que antes viviam às margens de uma sociedade elitista, coronelista e, por que não dizer?, fascista (que outro nome dar a esses energúmenos que assinaram o tal manifesto "São Paulo Para os Paulistas"?) passam a dividir o mesmo espaço que nós, da classe média-alta para cima.
Estamos diante de inúmeras manifestações racistas, preconceituosas, covardes e hostis, que têm pipocado nas universidades que passaram a receber gente pobre, preta e "feia" (obviamente, no dizer dessa corja de fascistas). Estamos, enfim, diante do escancaramento de um problema gravíssimo que sempre existiu no nosso país escravocrata, um país, como bem analisou Caio Prado Júnior (que também dava as suas escorregadelas preconceituosas), em que o Estado chegou antes da própria sociedade. Sim, o Brasil foi um país formado de cima pra baixo e isso fez com que se criasse uma elite da pior espécie, uma "nobreza" que se acha acima do bem e do mal e qua ainda respira com força nas grandes cidades brasileiras, a espirrar a espuma do extintor do carro em travestis, a queimar pessoas que dormem inocentemente num ponto de ônibus, a espancar uma moça sozinha na madrugada carioca, a agredir homossexuais covardemente numa estação de metrô da Avenida Paulista e por aí vai.
Essa "nobreza" está, sim, muitíssimo incomodada com a "invasão" de gente preta e pobre a espaços que antes eram privativos de branquelos filhinhos de papai. Aqui, eu abro um parêntesis para dizer que, ao longo de toda a minha vida de estudante, mais de 20 anos, dá pra contar nos dedos de uma mão com quantos negros eu dividi uma sala de aula. Lembro-me do Matias, que era adotado, e do Itaquê, filho de professor universitário.
Quando eu falei em mistura imposta por medidas governamentais, não estou fazendo uma crítica ao governo. Ao contrário. Mas isso só reforça a velha tradição de que, no Brasil, a sociedade ainda se forma de cima para baixo. E, é fato, medidas impostas costumam ser mais frágeis. Se for depender de ações dos governos para que minorias tenham acesso às universidades (esta medida, claro que necessária, deve ser provisória, vista como algo emergencial), não só pode tudo ir por água abaixo com uma simples mudança de governo como essas minorias continuarão a ter que ouvir de branquinhos ordinários que elas só estão ali por caridade.
Enfim, estamos diante de um novo desafio, que, na verdade, é fruto de um velho problema. O desafio é enfrentar esse discurso racista, fascista, nazista, que resolveu sair da toca, e que vai agir, não só com palavras, mas com pedaços de pau, com chutes, violência e morte.
É claro que não vamos combater com pau e pedra, porque é exatamente isso que esses trogloditas querem. Temos que reagir com palavras, temos que exigir , principalmente, dos governos, da mídia e do Judiciário, que essas pessoas paguem por esses crimes. Enquanto não acabar a impunidade, continuaremos a dar murro em ponta de faca. Enquanto a mãe de um delinquente que espanca uma pessoa covardemente puder dizer com tranquilidade que "eles são só crianças", nada vai mudar. Não adianta ficar nas medidas emergenciais. E não adianta esperar que os governantes resolvam tudo.
Vamos monitorar essa gente escrota. Não podemos deixar que caia tudo no esquecimento. Façamos barulho, abaixo-assinados e, acma de tudo, denunciemos esse tipo de conduta. Não importa de onde venha. Se um filho meu espancasse uma pessoa, eu seria o primeiro a apresentá-lo às autoridades porque, mesmo sabendo que uma Febem da vida não passa de um cadeião para menores e não resolve nada (ao contrário, só piora as coisas), eu tenho a convicção de que o Brasil só será um lugar decente quando a lei valer pra todo mundo.