National Geographic
Meu irmão, não sei com que propósito, sempre gosta de lembrar que, quando eu era criança, deixei minha tartaruga fugir. Essas histórias costumam ressurgir em épocas festivas, como o Natal que se aproxima. É só começarem as conversas de jantar e os causos começam a brotar um atrás do outro. E eu fico esperando o momento em que ele vai dizer: "E o Tomaz, que deixou a tartaruga fugir?" As risadas afloram, apesar de todos ali já terem escutado essa história várias vezes. Devo confessar que é engraçado mesmo. Meu irmão tem talento pra contar histórias e eu tenho talento pra dar a ele o material necessário.
Pois é, também confesso que assumi o meu jeito lerdo de ser. Esse mérito é da Vivi. Ela fez com que eu passasse a achar graça das minhas bobeiras e dos meus defeitos. Às vezes eu ficom bravo com coisas estúpidas e ela já ri, dizendo que eu sou um "reclamildo". Como negar? Estou há um ano e meio escrevendo reclamices aqui neste espaço. Sou um resmungão. E lerdo. Às vezes até pra resmungar. É, às vezes vou resmungar de uma coisa só muito tempo depois.
Notícia velha é notícia morta, não merece comentários. Isso é o que diziam os professores no curso de jornalismo. Se um jornal deu um furo, resta aos outros duas alternativas: embarcar nas sobras daquele furo com um pouco de dignidade, dando o devido crédito ao "furão", ou simplesmente ignorar a notícia. Logo vi que estava na profissão errada. Sou lento demais. Mas sou lento demais, também, pra decidir as coisas. Deixei-me levar pelos anos e, depois de ter alguns poucos indícios de que o jornalismo não é minha praia, decidi mudar de ares. Venderei água de coco em alguma praia paradisíaca do nordeste? Venderei camisas falsificadas do Corinthians pelas cidades-satélite? Ah, são muitas as possibilidades. Aceito sugestões.
Mas eu quero falar mesmo é dos animais lentos. Que moleque nunca jogou sal sobre uma lesma a fim de vê-la derreter, como a bruxa má do leste em "O mágico de Oz" (Só um comentário nada a ver: um amigo anarquista, certa vez, me disse que "O mágico de Oz simboliza a luta contra o comunismo. Vejam vocês...)? Sempre alguém diz: "Você sabia que se jogarmos sal sobre uma lesma ela derrete?" E os outros: "Dã, cala a boca". "Duvida?" "Ah, vamos jogar bola". "Quanto você quer valer (era o jeito engraçado que nós usávamos pra dizer "apostar")?" Até que, depois de uma rápida discussão, lá vão os moleques procurar uma lesma, o que não é difícil, porque as lesmas demoram seis semanas pra percorrer dois metros e ainda deixam aquele rastro gosmento. Na minha escola, havia muitas delas "circulando" por tudo o que era canto.
Acha-se a lesma, joga-se sal sobre ela e, dá-se a "mágica", que depois a professora de Ciências explica que não é mágica (explicação esta que eu não me lembro mais), dizendo, contudo, que não é correto sair por aí derretendo lesmas. O sacrifício de animais, como dissecar um sapo ou abrir um polvo, tem que ser feito dentro da ética dos cientistas, o que significa dizer: com um propósito científico, e nunca por molecagem. Como aquela professora acha que os grandes cientistas resolveram virar cientistas? Derretendo lesmas, é claro.
Outro animal interessante é o leão-marinho. Fora da água, parece uma lesma gigante. Aquela massa gigantesca, sobre o gelo, é um caçador lastimável. Não obstante, basta que ele caia na água pra virar um voraz engolidor de peixes, pingüins, focas e o que bobear. Na água, o leão -marinho faz valer a sua fama. Ele só precisa não dar mole pros tubarões.
Aqui em Brasília está chovendo pra caralho. Daqui a pouco, seremos obrigados a sair em busca de uma Nhá Benta. Mas que o tempo está perfeito pra ficar na cama assistindo a algum desses programas do mundo animal, isso está. Eu confesso que gosto. Foi em um desses programas que eu descobri que a pulga é capaz de saltar até duzentas vezes a sua própria altura, o que deixaria qualquer Michael Jordan no chinelo. Infelizmente, depois eu me esqueço de todas essas informações sobre os mais diferentes animais. Mas não é impressionante a paciência dos produtores desses programas? Os caras têm que deixar as câmeras ajeitadas não sei quantos séculos até captar as imagens desejadas. Fora aqueles programas em que eles acompanham a vida de um lobo-guará por sete anos.
Viram? Não é que eu sou lento. Eu sou paciente, meus amigos. Sou paciente. E essa história da tartaruga é intriga da oposição. Na verdade ela foi roubada por um vizinho invejoso que eu tinha e que ficava me espreitando por trás do muro. Chega de bobagens por hoje. Chove, chove e chove.