sexta-feira, outubro 13, 2006

Ditadura Ideológica

Na sociedade do sim ou não, certo ou errado, verdadeiro ou falso, somos obrigados sempre a tomar partido. É inaceitável que você não escolha um lado e, se ficar com muita reflexão, é classificado logo como "em cima do muro".

Experimente responder "não sei" para perguntas do tipo: Você acredita em Deus?, e, Qual é a sua posição política? Eu sei lá se Deus existe. Vou me preocupar (ou não) com isso, quando (se) chegar a hora apropriada. Deixe-me em paz. Sobre a minha posição política, você está mesmo interesado em ouvir? Acredito que não. A pessoa quer saber se eu sou de esquerda ou de direita, se eu sou capitalista ou comunista, se eu sou a favor ou contra o Fidel Castro, se eu sou petista ou tucano. Depois ela quer saber, numa versão bem resumida, por que eu sou isso ou aquilo. Depois acabou, cale-se, vamos falar de futebol: você é corintiano ou palmeirense?

Se hoje em dia é assim, imagine em Cuba no início dos anos 1960. Algumas situações históricas nos obrigam efetivamente a tomar partido. Em Cuba, quem era a favor da revolução ficou e aderiu, quem era contra se mandou (ou tentou se mandar). Ontem, eu e a Vivi assistimos a um filme do mesmo diretor de Morango e chocolate, o Tomás Gutiérrez Alea, chamado Memórias do subdesenvolvimento. É interessante, exatamente, porque fala de um intelectual cubano chamado Sergio que, em pleno ano de 1961 (a Revolução cubana havia começado em 1959), que resolve permanecer em Cuba sem tomar partido, levando a mesma vida que levava antes.

Sergio vê os pais, a mulher e o melhor amigo abandonarem a ilha com destino aos Estados Unidos, e diz: lá eu já conheço, aqui eu não sei como as coisas vão terminar. É interessnate, também, como o intelectual sente um incômodo profundo com o subdesenvolvimento de Cuba. Ele sempre foi uma pessoa que tentou viver à européia e, por pensar que a típica cubanita Elena lhe joga o tempo todo na cara a condição de subdesenvolvido, ele a abandona durante uma visita à casa que foi de Hemingway.

O intelectual, em um de seus discursos antiterceiromundismo, até se vale de uma metáfora geodeterminista à triste condição dos trópicos, dizendo que "aqui as coisas amadurecem e apodrecem muito rapidamente". E continua com sua vida de tempos pré-revolução, vivendo de aluguel, morando num apartamento enorme, cheio de discos, obras-de-arte e livros, e passeando pelas calles de Havana como se fora um estrangeiro.

O filme me fez pensar o óbvio: não tem como não tomar partido, não escolher um lado. Se você não escolher, o sistema força a sua escolha. É como quando nós éramos crianças e, durante as aulas de Educação Física, o professor dividia os times. "Mas eu quero ficar no outro". Sinto muito. Não pode. Alguém pode dizer que eu estou sendo ingênuo porque, na verdade, nós não escolhemos nada. Tudo bem, essa é uma outra discussão, que nós podemos deixar pra uma outra hora. Mas eu fiquei pensando, ao ver aquele intelectual no ninho de resistência ao imperialismo norte-americano a "ignorar" sua condição histórica, como é complicado (pra não dizer impossível) se livrar da ditadura ideológica a que vivemos atrelados.

Isso também me fez lembrar o livro Século das luzes, do cubano Alejo Carpentier, que acusa de uma maneira belíssima que a Revolução Francesa ainda não aconteceu na América Latina. Sinceramente, eu duvido muito que algum dia ela venha a acontecer.

O Feriado do Vagabundo Profissional

Ele acorda às dez da manhã pra dar aquela mijada matinal. E volta pra cama. Ele volta a dormir até meio-dia e começa a ler Moby Dick, até pegar no sono. Acorda de novo lá pelas duas e meia, levanta e toma café. Ele olha lá fora e vê que o dia está nublado, senão ele poderia sair pra fazer alguma coisa. Se estivesse sol, ele diria que era melhor ficar em casa pra se proteger dos raios UVA e UVB, que são perigosíssimos. Ele olha pro computador e pensa em escrever um conto. Mas antes de mais nada, resolve jogar umas partidas de Paciência, a fim de esperar que a inspiração lhe sopre aos ouvidos. Ele não consegue ganhar com aquelas cartas virando de três em três, então muda pra opção de virarem de uma em uma. Aí fica fácil demais e ele ganha a cada três ou quatro partidas. Que cansativo. E o conto? Chequemos os e-mails primeiro. Você não tem nenhuma nova mensagem. Agora o conto? Certo. Ele pensa no começo e nada. Melhor pensar primeiro no fim. Também nada. De repente surge uma idéia para o título: O inexistente. É um título interessante. Mas a inspiração não vem, deve ter viajado pra Paúba. Tudo bem, na volta a gente conversa. De volta à baleia mais famosa da literatura mundial. Ele lê um pouco e logo fica com fome. Não tem porra nenhuma pra comer. Então ele pede um rango no Dega's e come até estourar. Já são quase sete. Que tal uma soneca? Ele cochila, acorda e lê mais. E pega no sono de novo. E acorda às três da matina com uma idéia genial pra história do inexistente (isso são horas de voltar de Paúba?). Ele levanta, escreve até o amanhecer e volta a dormir. Acorda às duas da tarde com a insistência dos raios UVA e UVB em entrar pelas frestas da janela.

terça-feira, outubro 10, 2006

Os Grandes

Quando eu termino de escrever algum texto que eu considero bom, a primeira sensação que me domina é a de alívio, como se eu constatasse que a criança havia nascido com saúde. Depois vem a auto-promoção: eu tenho futuro; esse aqui ficou legal; se eu for capaz de escrever outros tantos textos desse nível, acredito que... E depois vem um medo, um medo de não conseguir escrever mais nada que preste.

Um dia, o Toninho (aquele que ama poesia e transpira pelo nariz, não sei se vocês lembram) me mostrou uma idéia do poeta W.H. Auden, que diz o seguinte:

"Aos olhos dos outros, um homem é poeta se escreveu um bom poema. A seus próprios, só é poeta no momento em que faz a última revisão de um novo poema. Um momento antes, era apenas um poeta em potencial, um momento depois, é um homem que parou de escrever poesia, talvez para sempre."

Isso explica o meu medo, pensei, apesar de não ser poeta, e de não passar de um escrevinhadeiro. Isso que o Auden disse também serve para os prosadores. Acho que serve para qualquer manifestação artística. Quando o Herman Hesse diz que ninguém aprende a ser poeta, também penso que isso serve para as outras artes. Você aprende a técnica, mas existe um elemento subjetivo na composição artística que não se encontra no mercado. E olha que eu já procurei em tudo quanto é biboca, e até no câmbio-negro (desculpem-me os patrulheiros ideológicos).

É esse elemento inexplicável e imensurável que torna possível a existência de um Cartola, por exemplo. Porque a manifestação artística é fruto de uma necessidade estranha que, muitas vezes, aflora em momentos adversos. Em geral, os grandes escritores foram grandes infelizes.
O Cervantes, por exemplo:

Cervantes era um sujeito de família muito pobre que se casou com uma mulher que o odiava e lhe enfeitava a testa constantemente. O casamento durou um ano. Antes disso, Cervantes lutou numa batalha na qual foi gravemente ferido e perdeu os movimentos da mão esquerda. Em outra expedição, no norte da África, foi feito prisioneiro e ficou cinco anos retido em Argel. Ele morreu em 1616, aos 69 anos, em Madri, um ano depois da publicação da segunda parte de Dom Quixote. Morreu pobre e completamente esquecido.

Dom Quixote é filho dessa merda de vida. Portanto, tenho uma feliz-triste notícia a fazer: nunca serei um dos grandes. Isso graças a vocês, amigos, família e Vivi.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Sagrada Missão

Graças ao irmão da Vivi, meu computador renasceu das cinzas. Fiz várias cagadas, como ter gastado 60 paus num anti-vírus que eu comprei por impulso (jamais comprem um tal de WinPro, nem com um revólver apontado na cabeça); e mais 60 paus pra um sujeito "limpar" meu computador (quando alguém disser que não precisa formatar, não acredite).

Depois disso (ah, também gastei 370 real com um monitor novo, porque o meu simplesmente apagou, mas o bicho é lindão), resolvi aporrinhar a vida do meu cunhado que manja de computador, e levei meu gabinete pra casa dele. Além de ter resolvido tudo, o Demétrio ainda conseguiu recuperar meus arquivos, que já haviam sido fodidos pelo vírus, através de um programa que ele achou na Internet. Agora eu preciso esperar ele sair do regime e pagar um belo jantar em qualquer restaurante que ele quiser (é o mínimo, né?).

E agora estou aqui, de volta, mais velho e mais chato. E muito feliz por ter ganhado uma tonelada de livros novos. Só com o vale que o Aldo me deu pra gastar no sebo do Evandro, eu adquiri uns oito ou nove livros novos. Fiz a festa. Também ganhei ótimos livros, destaque pra pérola que a Carol me deu: A vida literária no Brasil 1900, do Brito Broca e pro livro do Aldir Blanc, que o Ti Vedovello me deu. Maravilhas. Vai ser difícil manter a produtividade aqui com tanta coisa boa que eu tenho pra ler.

Como nem tudo são flores, meu grandessíssimo amigo Guilherme resolveu me "presentear" com uma obra um tanto peculiar, assinada pelo FHC e intitulada: Cartas a um jovem político. O pior não é esse título nefasto, que faz referência a um ótimo escritor que não merecia isso de jeito nenhum; nem o sorriso cínico que o Fernando Henrique sustenta na capa. O que me deixou pasmo mesmo foi o subtítulo: Para construir um país melhor. É ou não é o cúmulo da cara-de-pau?

Enfim, antes que alguém queira matar o Guilherme por ter presenteado alguém com essa piada de mau gosto, eu explico a verdadeira intenção dele (que continua sendo meu grandessíssimo amigo, mesmo depois dessa): o Gui trabalha, pra quem não sabe, na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. E faz parte desse mundo obscuro do academicismo, no qual ele está enfiado até o pescoço, receber alguns "presentes". Eis que ele ganhou o tal "livro" (que eu aposto meu reino que não teve sequer uma linha escrita em próprio punho pelo príncipe da Sorbonne), por dever de ofício. E eis que ele resolveu deixá-lo em lugar seguro, pra que ninguém tenha a idéia de abri-lo.

Sim, meus caros. Eu tenho uma missão sagrada: não deixar que ninguém abra esse exemplar que eu tenho em mãos por no mínimo dez anos. Depois eu passo o legado a outro nobre guerreiro que terá que prosseguir com essa missão. Fica aqui anunciado: quando eu fizer 40 anos, um de vocês receberá de presente essa comédia dantesca. Preparem-se. E rezem pra não serem escolhidos, porque, pior que a enorme responsabilidade de coibir a poluição intelectual, é ter debaixo do próprio teto uma foto do Fernando Henrique. Tá foda, viu? Tá foda mesmo.

EM TEMPO: O Thiago Iacocca publicou meu conto O mundo ao alcance das mãos no site Sem Ponto Final. Quem estiver interessado, dê uma olhada por lá. Aproveitem e leiam tudo. Vale a pena.