sexta-feira, setembro 29, 2006

Ressaca Eterna

A vida, às vezes, é um porre. Às vezes, é como se você estivesse preso numa eterna reunião entre sindicalistas, ou num eterno show de música eletrônica, ou num eterno sarau organizado por admiradores do Sarney. Às vezes as pessoas se sentem assim. Às vezes não. Às vezes elas olham pro teto e ficam contando as rachaduras, ou as marcas de infiltração. Olham pro relógio e ele não muda nem fudendo. Contam as linhas do parágrafo e elas não passam de cinco, por mais que elas tentem pensar.

Os pensamentos, às vezes, não levam a nada. É como se você tentasse dizer que quer sair dali, porque você odeia todos que estão em volta e tudo o que eles discutem e fazem, mas faltam forças. Faltam idéias. Às vezes as pessoas tentam respirar fundo e cochilar, mas algum barulho as incomoda. É o momento de sentar num banco de praça e só aguardar que alguma coisa aconteça. Qualquer coisa. Desde um acidente fantástico que nem Spielberg conseguiria imaginar até a lenta aproximação de uma pomba cinza, suja e de pescoço pelado.

Mas, às vezes, nada acontece. Nada mesmo. Nem mesmo as moléculas se movimentam. Quando o nada resolve acontecer, não adianta insistir. Não adianta pensar, porque os pensamentos indicarão todos para a mesma direção: não há nada que se possa fazer. É melhor você se conformar como o fato de que a vida é um porre, esteja você sóbrio ou não.

Depois o conformismo passa. E a vida volta a ter graça. E você manda os sindicalistas se foderem, fala que a música eletrônica é nojenta e que o Sarney deveria ser morto a pedradas em praça pública. É o momento de comprar uma garrafa de Jurubeba e acordar o mendigo da praça. "A vida é um pooooooorre".

quinta-feira, setembro 28, 2006

Sociedade Binária

O escritor João Antônio falou em um de seus ótimos livros que não entendia como certos colegas conseguiam escrever direto na máquina de escrever. Ele achava isso impossível. Para ele, era fundamental escrever primeiro a mão e, só depois, passar para a máquina. Devo dizer, escrevendo diretamente nessa máquina computadorizada, que o João Antônio tem razão. O texto fica muito melhor se escrito primeiro no papel e depois passado a limpo. Primeiro, porque essa passagem garante uma eficiente revisão. Segundo, e isso serve para os dias de hoje, porque as facilidades do mundo informatizado acabaram por deixar a nossa escrita meio preguiçosa. Todas essas ferramentas de manipulação e correção automática, muitas vezes, fazem com que o texto não seja suficientemente trabalhado em suas entranhas.

Antes que alguém diga que eu sou retrógrado, eu quero dizer que adoro as facilidades do mundo informatizado. Aqui estou, me usufruindo dele. Não quero destruir as máquinas. Se bem que ontem eu despedacei um teclado e foi muito divertido. O que eu quero dizer é que as máquinas devem ser utilizadas como ferramentas que nos facilitem a vida, mas tem muita gente por aí que quer que elas nos substituam o cérebro. Sinto muito, mas elas não pensam por conta própria, a não ser quando recebem um vírus maluco e começam a abrir planilhas de Excel feito doidas, ou a disparar pra todos os seus contatos um e-mail que você escreveu em 1998 e armazenou não sei por quê.

As máquinas são cópias do funcionamento da mente humana, e não o contrário. Podem ser muito úteis e muito inúteis, dependendo do uso que fazemos dela. E, na minha humilde opinião, devem ser usadas com critério. Confesso que me assusta ver a formação de uma geração que está substituindo o pincel e a canetinha pelo mouse. Me assusta ver a quantidade de alunos da faculdade de jornalismo que entregam trabalhos copiados da Internet. O pior é que os imbecis não são capazes nem de avaliar o que estão copiando. É só no Ctrl+C Ctrl+V. Eu sei que os estudantes sempre copiaram trabalhos, mas antes o cara ainda tinha que ler o que estava copiando. Ele tinha o trabalho braçal de transcrever e, acho eu, tinha uma preocupação maior em disfarçar.

Agora a sociedade parece ter assumido de vez que não quer mais pensar. Quer sim, que alguém, ou alguma coisa, faça isso por ela. É, acho que tudo está perdido, e esse programa executou uma operação ilegal e será fechado. Se alguém precisar de mim, estou no meu quarto lendo um conto do João Antônio.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Sósias

Essa padaria Real rende histórias. Hoje eu estava lá comendo o meu pão na chapa, enquanto o sósia do Marcos Valério comia pão com ovo frito e chá de camomila (aliás, vocês sabiam que existe chá de melancia? Eu gostaria de saber como é isso). Chegou um sujeito ao lado do nosso personagem e perguntou alguma coisa sobre as investigações, no que ele respondeu, dando uma risada que lembrava um pato afeminado, que queria a parte dele no rolo. "Só uns cem mil já tava bom". E quá-quá-quá-quá.

O tal fulano já deve estar careca de ser chamado de Marcos Valério (trocadilho tão horrível quanto irresistível). Então ele acabou entrando na brincadeira. Fazer o quê? Tanto entrou na brincadeira, que perguntou ao gozador da história em quem ele ia votar. O sujeito pensou e, depois de dizer que votaria "nos democratas", afirmou que o voto dele era secreto. Pois é, no nosso país bipartidarista, as pessoas estão com vergonha de dizer em quem vão votar. Mas esse assunto fica pra uma outra publicação. Eu queria falar dos sósias.

Quando eu estava no colegial, nosso falecido amigo Mané me achava parecido com o tenista Jaime Oncins. Ele não podia me ver que gritava: "Lá vai o Jaiminho!". Tanto que algumas pessoas do Equipe achavam que meu nome era Jaime. Também já me acharam parecido com o Roberto Baggio antes de virar budista e uma doida varrida me disse uma vez que eu lembrava o Caetano Veloso! (Eca!Eca!Eca!)Eu juro que, depois dos meus três anos de idade, eu nunca mais nadei de cueca na praia e também nunca saí por aí falando que "essa coisa linda que resgata a ânima do ser acaba por transcender a essência do indivíduo na sua mais pura relação com o não-ser, ou por que não dizer, com o âmago do pensante na sua mais plena desmatéria..."

Agora, eu juro que não consigo entender por que diabos tanta gente me acha parecido com o Chico Buarque de Holanda. Talvez porque nos dias ímpares do mês meus olhos ficam verdes. Afora isso, e o nosso talento em comum, não vejo outras semelhanças.

Muita gente tem essa fascinação por tentar reconhecer no outro a figura de um terceiro. Mas eu nunca vi alguém se olhar no espelho e dizer: "Nossa! Eu sou a cara do Costinha!" Por que será? Essa questão daria uma tese interessante para os psicólogos estudarem. Aí vai mais uma idéia inútil pra quem não tiver o que fazer ter no que pensar. Por que nós sempre achamos todo mundo parecido com alguém e nunca nos achamos parecidos com ninguém além de nós mesmos? Intrigante, não?

terça-feira, setembro 26, 2006

Besteiras e Mais Besteiras

Eu falo muita besteira mesmo. Porque tenho o espírito jornalístico de não saber de nada e me meter a falar de tudo. Até quando o Pedro me pediu pra revisar a dissertação de mestrado dele, sobre prisão preventiva, eu fiz os meus comentários. Mas eu fico feliz porque sei que ninguém leva muito a sério o que eu digo. É essa a graça da coisa. Ser levado a sério é o princípio do fim e eu lutarei a minha vida inteira para nunca, mas nunca mesmo, ser levado a sério.

Sempre que as pessoas me levam a sério, eu não sei o que fazer. Aconteceu algumas poucas vezes de algum chefe meu, muito imprevidente, perguntar a minha opinião sobre determinado assunto. Eu não sabia o que responder e saía falando, como aqui, antes mesmo de pensar. Eu falava, falava, falava e não falava nada. O resultado era o seguinte: o sujeito anuía e fazia as coisas como ele achava que tinha que fazer.

Ter idéias nunca foi o meu forte. Eu tenho idéias pra dizer bobagens, pra falar mal da vida dos outros, pra mandar outros tantos tomarem no cu e tal. Mas idéias práticas eu nunca tenho. Na verdade, algumas são práticas, porém impraticáveis, como sugerir que a Mariana Ximenes e o Tarcisinho sejam proibidos por lei a aparecer na televisão. Se eu consultasse o Pedro sobre a possibilidade de prendê-los preventivamente, ele responderia: a idéia é boa, mas não tem amparo legal. É mesmo. Aquele maldito direito de ir e vir e encher o saco dos outros. Se eu conseguisse convencer um juiz a prender os dois, não seria difícil que eles arranjassem um habeas-corpus, porque as leis estão todas equivocadas. Existe, inclusive, o tal habeas-corpus preventivo, que o Duda Mendonça utilizou pra poder comparecer à CPI numa boa. Não duvido, todos os imbecis e todos os canalhas desse país devem andar com um desses no bolso.

Por favor, não me levem nunca a sério. Levem-me apenas cigarro na cadeia quando eu não agüentar mais e acabar matando um.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Estômago de Aço

A lindura da filha do Ciro Gomes com a Patrícia I disse, em entervista à Trip, que "o brasileiro é muito acomodado" e que ela não vai entrar pra política porque pretende mudar o mundo através da moda (dessa nós escapamos). Deus meu, o que eu fiz pra merecer? Sim, queridinha. O brasileiro é acomodado, inclusive você, eu e todos aqueles que votam no seu papai e na sua mami. Como você pretende mudar o mundo através da moda? Aparecendo quase pelada na Trip, certamente, é um começo.

Depois dessa pérola, eu tive a infeliz idéia de passar a vista na Folha de S.(erra) Paulo. E lá encontrei outras coisas interessantes, como uma entrevista da dona da Daslu. Diz a coitadinha, que tá com câncer, que se sente como uma criança que é tirada abruptamente da Disney. O que eu posso fazer, além de desejar do fundo da minha amargura que o câncer te leve pra junto do Ubiratan o mais rápido possível?

Foda-se a nossa cultura judaico-cristã. Quero que essa turma se foda mesmo. Como eu não tava suficientemente saciado pelas doses cavalares de futilidades que me alimentam o fígado com agulhadas profundas, completei minha leitura dominical ao ler a coluna da Moniquinha. E lá eu encontrei o que me faltava pra começar a semana transbordante de azedume.

O que vocês preferem? Descobrir que aquela nutricionista do sanduíche-iche é candidata a deputada estadual em Pernambuco? (Duvido que ela tenha nascido em Canhotinho). A energúmena ainda fala que, por um erro que ela nem sabe qual é, uma vida inteira de cuidados com a imagem vai por água abaixo. Ô, imbecil: não fosse por esse maldito e infame erro, você não teria virado garota-propaganda e, muito menos, teria cacife pra ser candidata.

Ou vocês preferem que eu fale sobre o fotógrafo que paga R$50,00 por informações sobre o paradeiro da Xuxa, da Ivete Sangalo e do casal mais tosco da televisão brasileira (quiçá mundial) Luciano Huck e Angélica. Ou sobre o William Bonner imitando o Clodovil?

O brasileiro é sim, acomodado, queridinhas e queridinhos. E é óbvio que eu me incluo nesta conta. Mas o que mais impressiona é a força do nosso estômago, a capacidade que temos pra digerir aberrações diuturnamente. Deveríamos exportar ao mundo essa capacidade incrível.

domingo, setembro 24, 2006

Canhoto-Gauche-Sinistro

Ontem eu hibernei. Hoje é um belo domingo nublado. Ótimo, também, pra continuar com a hibernação. Mas o dever me chama e, por isso, estou aqui, sem saber o que dizer, mas sem abandonar o dever cívico que me cabe nessa história. Cá estou bravamente, depois de ter me levantado com o pé esquerdo.

Quando eu nasci um anjo torto, desses que vivem nas sombras, apareceu à beira do meu bercinho e disse: Vai Tomaz, ser um escrevinhadeiro gauche na vida. Eu parei de chorar, olhei fundo nos olhos daquele vulto sinistro, e disse: então diz pra minha mãe substituir o leite por uma Serra Malte bem gelada, por favor.

Ser escrevinhadeiro, tudo bem, vá lá, mas ser canhoto enche o saco. Canhoto, filho do cão, à esquerda de Deus, sinistro, torto, canhestro, que faz às canhas, ao contrário, inábil, desajeitado, desastrado. Em outras palavras, discípulo do anjo torto.

O canhoto faz tudo ao contrário mesmo. Eu, por exemplo, quando vou grifar uma frase, começo pelo fim. Pra escrever também faço ao contrário: eu primeiro escrevo e, só depois, penso na idéia.

A única vantagem que eu consegui com o canhotismo foi nos esportes. No futebol, a vaga para a lateral-esquerda era bem menos concorrida. No pingue-pongue eu também derrotava adversários desacostumados a rebater bolas na esquerda. E uma vez eu acertei um tapão na orelha de um moleque chato da escola que não esperava que o golpe viesse daquele lado.

Os destros não fazem nem idéia de que tudo é feito para eles. Nem eu fazia, até que um dia meu pai me levou a uma loja de brinquedos educativos e comprou, dentre outros objetos, tesoura e régua pra canhoto. Eu achei estranhíssimo, porque já estava acostumado com os convencionais e, não consegui dar bom uso àquilo tudo. Em outras palavras, eu já estava colonizado.

Mas tudo mesmo é feito pros destros. Até as portas, quando abrem pra dentro. Se você tentar abrir uma com a mão esquerda, vai ver que não dá certo, porque ela vai trombar em você. Quando abre pra fora, até dá, mas a tendência é que, abrindo com a mão esquerda, você trombe nela. Parece idiota, não? Mas faça o teste.

Eu não acho isso ruim, porque não dá pra ser diferente. Não quero condições especiais por ser "torto". Pode deixar que eu não vou sair por aí lutando por portas especiais aos canhotos.

Se eu fosse um desses chatos que fazem patrulhamento ideológico, iria lutar pelo fim do uso de expressões como aquela que eu usei no primeiro parágrafo: acordar com o pé esquerdo, pra dizer que as coisas não estão dando muito certo. Eu também lutaria pelo fim do: faça isso direito. Por quê? Fazer "esquerdo" é fazer errado?

O pior é que, com a crise mundial da esquerda, as coisas ficaram ainda mais difíceis pro nosso lado. Podem ver como a direita está se sentindo à vontade, soberana, dona da situação. Todos os conservadores do mundo estão rindo e dizendo: não existe outro caminho senão o da direita. O caminho da esquerda é sinistro, torto, canhestro, desajeitado? Sim, porque é o caminho da mudança. E mudar é sempre difícil. Mas não desistamos. Canhotos do mundo inteiro, uni-vos!

Hoje eu descobri que existe uma cidade em Pernambuco que se chama Canhotinho. Aos canhotinenses, mesmo os destros, fica aqui o meu abraço.