Fantástico, Coutinho.
Desde sexta passada eu planejava dizer que, finalmente, o filme do Coutinho estreou aqui em Brasília. Demorou, mas chegou, e Vivi e eu fomos conferir em uma sessão um tanto inusitada: 22h40, da própria sexta, em um Cinemark do shopping Pier 21. O shopping deve ter esse nome por ser proibido para maiores de 21. Ainda bem que nós temos essas carinhas de criança. Confesso que quase me senti um decano naquele lugar.
Em um ambiente daqueles, não se podia esperar um grande público para o "Jogo de cena". De fato, quando fomos comprar os ingressos, a mocinha da bilheteria não sabia do que nós estávamos falando e teve que fazer uma pesquisa avançada em seu computador. Assistimos ao filme, apenas nós dois e mais um casal de perdidos.
Que filme, hein? Que puta filme! É o melhor estilo coutiniano, que parte do princípio de que todo e qualquer ser humano tem histórias que valem a pena se contar, somado a uma idéia genial de embaralhar depoimentos reais com interpretações de depoimentos feitas por atrizes - três delas, velhas conhecidas nossas.
Coutinho faz uma brincadeira com esses depoimentos e, mesmo durante o depoimento de uma das atrizes famosas, o que evidenciaria o teor fictício do depoimento, dá-se a confusão entre ficção e realidade.
Os depoimentos são ótimos, e o jogo de cena que Coutinho faz é, de fato, o diferencial que faz desse filme um puta filme. É um puta filme, que dá vontade de assistir várias vezes. Dá vontade de entrar nessa brincadeira várias vezes. É o que pretendemos fazer, e é o que eu recomendo que todos façam.
Coutinho nos mostra que ainda existem muitas idéias boas para se fazer um filme. Idéias boas e simples. Em "O fim e o princípio", ele já havia inovado ao levar uma equipe de filmagem ao sertão nordestino sem um roteiro definido. "Vamos ver no que vai dar", ele pensou. E deu em outro baita filme. É claro, se chegasse um Zé Mané como eu e batesse à porta da Petrobras, ou do Minstério da Cultura, com um projeto desses, os caras iam rir da minha cara. Mas o fato é que um Zé Mané como eu nunca teria essa idéia e, se Eduardo Coutinho tem esse cacife, digamos que ele fez por merecer.
Faz pouco tempo que Vivi e eu assistimos ao filme "Peões", uma série de depoimentos de sindicalistas e companheiros do Lula da época em que ele era um torneiro mecânico muito do encrenqueiro. Assistimos, logo após "Entre atos", do João Moreira Salles, um acompanhamento quase que pirotécnico dos passos do candidato Lula à presidência da República, em 2002. É claro que "Entre atos" é muito interessante. O Lula é um personagem inegavelmente interessante. No entanto, quando vamos comparar o filme "Entre atos" com o filme "Peões", este é muito mais filme, sem a menor dúvida.
E qual fez mais sucesso? Logicamente, aquele que mostra o Lula contando histórias engraçadíssimas de seu passado; que mostra o Duda Mendonça batucando na mesa; que mostra o Zé Dirceu, ao presenciar a invasão de uma equipe de filmagem a uma sala onde haveria uma reunião sigilosa, perguntar: "Quem são esses caras?". Enfim, é compreensível. É histórico, também. "Entre atos" filma o momento em que o candidato derrotado telefona ao Lula para cumprimentá-lo. E nós vemos o Lula dizer: "Você foi um adversário leal" - será que ele falou isso também para o Alckmin?
Mas o filme do Coutinho vai atrás dos relatos das pessoas simples, aquelas que não terão seus nomes gravados nos livros, mas que são a verdadeira alma da nossa história. Essas pessoas, não fosse uma câmera intrometida de um documentarista genial, jamais chegariam a nós. E é com isso que ele quer nos presentear.
Pois é, na última pérola de Coutinho, Andréa Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra nos são mostradas como cartas de um baralho petencentes a um jogo que ele inventou. São cartas importantes? Sem dúvida, assim como são importantes todas as outras cartas. Nessa brincadeira inusitada, igualam-se a enorme notoriedade das atrizes, resultado de anos e anos aparecendo nas telas da Rede Globo e de inúmeros filmes, ao depoimento das atrizes do dia-a-dia. Muitas delas sonhavam em ser uma Marília Pêra, uma Fernanda Torres, ou uma Andréa Beltrão, mas acabaram vendo o contrário. Coutinho fez com que as atrizes consagradas se transformassem nas sonhadoras do dia-a-dia.
Fantástico.