sexta-feira, dezembro 14, 2007

Momentos de tensão

Brasília, DF, quinta-feira, 23h37:
O casal Viviane e Tomaz está tranqüilo dentro do espaçoso banheiro de um luxuosíssimo loft no Southwest, onde vivem. Tomaz olha para o espelho e pensa: "Hum, talvez seja o caso de eu pensar em fazer a barba". Viviane penteia suas belas mechas acobreadas. Sim, o espelho é enorme e os dois podem utilizá-lo ao mesmo tempo.
23h39:
Os dois sentem um leve tremor, mas pensam que não há de ser nada relevante. Viviane começa a cantarolar uma bossa nova muito natural, enquanto Tomaz tenta se lembrar onde colocou o romance de Fausto Wolff que acabara de ler.
23h39min47seg:
Algo acontece muito rapidamente. Viviane dá um berro e tenta dizer alguma coisa, mas só tem tempo de subir na privada. As cenas vêm à mente de Tomaz como em um filme de David Lynch. "Quem matou mesmo Laura Palmer?", Tomaz chega a se perguntar, antes de deparar, à porta do banheiro, com uma barata do tamanho de um poodle. "Agora tudo se encaixa", ele pensa. "Não estou em um filme do David Lynch, afinal".
23h39min47seg:
O tempo parece congelado. Viviane quer dizer: "Faça alguma coisa, mate esse bicho horrível". Tomaz tenta manter a calma e, enquanto passa a mão nos fios espetados de sua barba por fazer (por muito a fazer), estuda as possibilidades. Não há uma lança por perto, nem uma escopeta, nem um mísero chinelo. A barata parece não tê-los visto. Calmamente, a fim de coçar a pata traseira, ela dá uma leve levantada em sua carapaça reluzente, o que faz Viviane dizer, apavorada: "Ela vai levantar vôo!" Tomaz reflete: "Pensando bem, essa barata poderia estraçalhar um poodle com um leve movimento de antenas". O que fazer? Seria suicídio embarcar em uma luta daquelas completamente desarmado.
23h39min47seg:
Definitivamente, o tempo não passa. Tomaz continua estudando as possibilidades. Viviane continua de pé sobre a tampa da privada a pensar: "Eu me casei com um homem ou com um rato?" A barata começa a passear ao lado da cama. "Se ela entrar debaixo da cama nós estamos fodidos", os dois pensam. "Eu bem seria capaz de comer cinco quilos de merda", a barata pensa. Tomaz vê uma chance. A barata se afasta do par de tênis Mizuno Creation 6 verde-e-amarelo de Viviane, um modelo que custou a metade do preço por ter encalhado, já que havia sido confeccionado em homenagem à seleção brasileira que supostamente venceria a Copa do Mundo da Alemanha, mas acho que isso não vem ao caso agora. Talvez, isso não viesse ao caso em momento algum.
23h39min48seg:
A porra do relógio voltou a funcionar, com bastante vagar. Tomaz se aproxima do inseto, com mais vagar que o relógio. A barata ameaça entrar debaixo da cama, mas parece não encontrar nada interessante por ali. Muda de idéia e segue seu caminho à beira do armário. "Ai, se ela entrar no meu armário eu vou ter que jogar todas as minhas roupas fora", diz Viviane, com sua voz trêmula e rouca, porém sensual, enquanto acompanha cada momento da emocionante cena, do alto da latrina. Tomaz consegue pegar o pé esquerdo do Mizuno Creation 6 verde-amarelo de Viviane, um modelo que...vocês já sabem. A barata parece pressentir algo. Em um clássico movimento, ela dá uma volta de 47,3° à esquerda e se prepara para entrar no banheiro. a barata parece ter visto algo interessante: uma grande a apetitosa latrina. Mas há algo sobre a latrina que talvez dê algum trabalho para ser removido. A barata pensa sobre como agir, mas como sua memória dura apenas três segundos, ela não consegue completar suas idéias. Deve ser horrível viver assim.
23h39min57seg:
Após três tentativas de completar um raciocínio, a barata não consegue visualizar um quarto pensamento: talvez seja um erro ficar aqui parada, sem se preocupar com as peças que a vida nos prega quando menos esperamos. Sim, a barata cometeu um erro fatal. Antes de poder completar a frase: "Vamos logo encontrar algo para comer", a barata já recebera um forte golpe de Mizuno Creation 6. Um golpe certeiro, como não se via há muito tempo. A barata tenta se lembrar da vida que levou, mas se lembra apenas dos últimos três segundos. Sua visão está turva e ela vê o mundo de cabeça para baixo. Não vê mais. Logo um segundo golpe acaba com aquele sofrimento. É o fim para aquele triste inseto. Mas quem manda ser tão feio e nojento? Não, no mundo atual em que vivemos, sob a ditadura da estética, que não nos permite viver um segundo sem que paremos de nos preocupar com nossa aparência, não há lugar para um bicho feio e desagradável como aquele.
23h41:
Viviane se sente segura para abandonar seu posto. Passa ao largo do cadáver o mais rápido que pode e diz: "Tô, você limpa?". Sim, não foi a primeira vez que Tomaz se sentiu obrigado a realizar uma tarefa daquelas. Qualquer amador sabe que é necessário ir até o fim, fazer o serviço completo. Logo a cena do crime está limpa, pois Viviane surge com um frasco de Veja - Uso Direto, secagem rápida - Minha querida, o Veja Uso Direto chegou pra resolver os seus problemas, pois ele é de uso direto! Sim, o Veja Uso Direto dispensa a utilização de balde. Isso mesmo, chega de balde! Porque com o Veja Uso Direto, não é preciso diluir em água.
23h42:
A cena está limpa. Depois de dar esclarecimentos às autoridades, Tomaz resolve convocar uma coletiva, e diz: "Eu gostaria de agradecer à Mizuno, por fabricar esses tênis maravilhosos que me permitem correr sem medo de adquirir uma lesão séria nos meus preciosos tendões, e gostaria de aproveitar pra dizer que é mentira que a fábrica da Mizuno na China se sirva de mão-de-obra escrava. Não tenho mais nada a dizer. Agora minha mulher tem um recado para todas as donas de casa do Brasil".

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Por que escrevo tanta merda

É engraçado dizerem que eu sou contra a Igreja. Primeiro, porque eu ser contra a Igreja seria o mesmo que um pequinês, daqueles bem chatos e sem noção, resolvesse latir para um rinoceronte enfurecido.
Em segundo lugar, não sou contra a Igreja. Ela é que é contra qualquer idéia que difira de seus dogmas. Não sei se minhas idéias diferem das idéias da Igreja e... opa, acabei de demonstrar que sim, nós - eu e a Igreja - pensamos diferente. "Não sei se..." Pronto. Isso já é suficiente para a Igreja me classificar como uma ovelha desgarrada.
No mundo da Igreja, não há lugar para dúvidas. As dúvidas são armas das quais o demônio se serve a fim de desviar o Homem do caminho do bem. O caminho do bem é rígido, não permite desvios. E a dúvida provoca desvios, tanto concretos como semânticos.
Dúvidas são o que eu mais tenho. A respeito de tudo. De Deus? Não, eu não duvido de Deus. Duvido é de nós, homens e mulheres. Se nós, homens e mulheres, inventamos Deus para depois matá-lo, como sugeriu Nietzsche, minha dúvida ainda não decidiu, pois tem se soterrado cada vez mais com questões - como não poderia ser mais óbvio e redundante - terrenas.
A Igreja foi vítima da língua ferina de Nietzsche, esse pequinês bigodudo e doente que passou a vida a disparar dinamites em forma de aforismos para os quais, segundo ele mesmo, a humanidade não estava preparada (e talvez nunca esteja). Engraçado como, de maneiras tão diferentes, parece-me que tanto Nietzsche quanto a Igreja acabaram dizendo a mesma coisa: somos um bando de cretinos.
Ainda no século XIX, Nietzsche afirmou que o mundo era feito para os medíocres. Fico imaginando o que ele diria se tivesse vivido os tempos da comunicação de massa. Enfim, também disse o pensador alemão que seu antecessor Kant havia colocado um claro (e tardio) ponto final na Filosofia. Ali estava o ponto final, mas como nós humanos somos medíocres, Nietzsche resolveu sublinhá-lo, assim como às vezes é necessário fazer a muitas platéias daqueles filmes franceses sem final: "Ei, acabou! Podem ir para casa!"
Pobres de nós da platéia. Não percebemos quando o filme acaba e aplaudimos as orquestras nas horas erradas. Pois é, Nietzsche disse que os "filósofos" podiam todos ir para casa. Sabemos que eles não foram. Mas a história da humanidade é esta: uma eterna redundância. Caso contrário, estaríamos em maus lençóis (e não estamos?), pois o "ponto final" colocado por Kant já teria sido acentuado pelos sofistas. Estes já disseram tudo, podem conferir.
Outra coisa que aborreceria a Nietzsche sobremaneira: verificar a existência de tantos nietzschianos. Não há despropósito maior. Semelhante, talvez, à existência dos ateus, que nada fizeram além de transformar a ausência de Deus numa divindade.
Não sei por que comecei a falar essas merdas. Minhas dúvidas procriam com tanta rapidez que eu já não sei a razão das minhas poucas razões. Ah, eu queria dizer, antes de me perder por caminhos tão tortuosos, que tanto me desviaram do "caminho do bem", que não sou contra a Igreja. A Igreja, que eu me lembre, também nunca me tratou mal.
Isso se explicaria pelo fato de vivermos numa era que eu chamo de pós-tiroteio? Acredito que não. Mas, sejamos justos, quem fala em era pós-tiroteio é o Socrático, um bêbado que eu conheci no centro de São Paulo.
(Continua...?)