sexta-feira, outubro 19, 2007

Por Onde Andará Alencar?

Alencar costumava trabalhar como segurança do Itamaraty. Todos lhe queriam muito bem por lá. Principalmente, uma moça que ganhava a vida como guia daquele bonito palácio, considerado "a sala de visitas do Brasil". A moça, cuja identidade a família me pediu para não revelar, era uma boa guia, daquele estilo "deixa que eu chuto", como bem definiu o Aldo: ela explicava tudinho, com sua voz grave e rouca, sem dar margem a dúvidas. Quando você pensava em perguntar o que um quadro da Tomie Ohtake estaria fazendo ao lado de um Pedro Américo, lá ia ela dizer que "em todas as salas do Itamaraty, peças clássicas e peças contemporâneas convivem em harmonia".
A moça explicava tudo mesmo e, enquanto mostrava a um grupo de turistas uma das salas de almoço do palácio, interrompeu alguma explicação para dizer, de um jeito que não combinava nada com seu discurso muito bem ensaiado: "Alencar! Tu taqui, rapá?" Diante do espanto do grupo de turistas, ela apontou o Alencar, que havia aparecido por uma das portas, e disse: "O Alencar é segurança. Ele é uma das figuras mais especiais aqui do palácio". Ponto. Seguido de silêncio. Os turistas esperaram por alguns segundos a moça que explicava tudo explicar, também, por que o Alencar era especial. Mas a explicação não veio, o que deu margem a interpretações maldosas.
Antes que alguém pergunte, o Alencar não fazia parte de nenhum estereótipo que pudesse encantar uma mocinha indefesa. Ele não era forte, nem bonito. O Alencar, desculpa dizer assim, tinha até uma cara meio de nerd. Mas era uma figura muito especial e disso ninguém teve dúvidas naquela sala.
Um belo dia, o Alencar, funcionário exemplar, não apareceu. E ele era tão correto que sua ausência causou preocupação aos seus superiores. Ligaram na casa do Alencar e a mãe dele respondeu que seu filhinho havia saído para trabalhar na mesma hora de sempre, como fazia há mais de dez anos. Estranho. O mais estranho é que a velha não se mostrou muito preocupada. Na verdade, ela achava que o filho era certinho demais. Sim, ele era tão certinho que até sua mãe gostaria que ele fizesse algo insano.
Ninguém sabe se ele fez algo insano ou não. Apenas sumiu. Ninguém mais soube dele. A mocinha que trabalhava como guia bem que tentou prosseguir com as visitas, mas sem o: "Alencar! Tu taqui, rapá?", não havia a menor graça. Sem a presença do Alencar, até o jardim projetado por Roberto Burle Marx deixara de empolgar. O palácio inteiro ficou meio insosso, tanto que na recepção seguinte, a comitiva de Butão quase não quis conversa. E a mesa que o Presidente utiliza para assinar tratados internacionais? - a mesma mesa em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea? Sem o Alencar, transformou-se em uma mesa comum.
Dizem os mais religiosos que até a estátua do Barão de Rio Branco deixou cair uma lágrima. "Trata-se de uma infiltração", apressou-se em dizer um cético, mesmo sem muito ânimo para falar qualquer coisa. A mãe do Alencar insiste em dizer que ele está bem. Ela tem certeza. E não se preocupa. Diz a quem quiser ouvir: "Meu filho começou a viver a vida". Bom, pode ser, mas já dizia o Agenor, mais conhecido como Cazuza: só as mães são felizes.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Erramos (ou melhor, o Esfeluntis errou)

Ontem, como bem me lembraram, meu assitente Esfeluntis escreveu "serrado" em vez de cerrado. Fiquem tranqüilos que ele já foi demitido por justa causa. Isso não mais acontecerá porque eu vou contratar um editorialista do Estadão e uma revisora da Revista Veja para a minha equipe. Agora, cabe um desabafo: é só nisso que vocês reparam nesta joça de blógui? Vou te contar, sô.

quarta-feira, outubro 17, 2007

(Longo Suspiro)

Hoje foi mais um desses dias de sair pra fumar um cigarro e não voltar, à moda da vasta literatura de folhetim que, posteriormente, foi vastamente copiada nas telenovelas. Um calor de ensopar a camisa, de grudar na cadeira. Bem disse a secretária: vai chegando essa hora e vai crescendo uma vontade de sair correndo. E completou: "Sai pra lá, isso é vida de gente?" Não sei mais o que é vida de gente. Outro dia, algum personagem de televisão disse: "Nós desperdiçamos a vida ao passo que vivemos". Isso pode ser lá pros lados do hemisfério norte. Aqui, a coisa tá mais feia. Aqui, o povo desperdiça a vida na luta pela sobrevivência. "Isso lá é vida de gente?"
Bandido não é gente, as pessoas dizem por aí. Criança é pinguinho de gente. Sei lá, hoje estou me sentindo meio planta. Meio cactus. Uma planta do serrado, fritando ao sol. A mediocridade ao sol. Que saudade da mediocridade ao sol, quando fazíamos fotossíntese na quadrinha do Colégio Equipe. Um dia o Rubão chegou pro meu irmão, que estava matando aula com uns colegas, e disse: "Vocês são a mediocridade ao sol". Que saudade da mediocridade ao sol. E o pobre Rubão, que acreditava na sapiência dos homossapos que somos, acabou sofrendo um infarto fuminante ao esperar que o sinal ficasse verde, em Ribeirão Preto. Creio que todos os ex-alunos equipanos que passaram pela "Era Rubens", ao saber da notícia, não puderam evitar aquele sentimento tolo de terem (termos) sido um pouquinho responsáveis pela morte do nosso ex-diretor.
Era o papel do Rubão. Alguém tem que fazer o papel de chato, senão a estudantada vira tudo pelo avesso. Lembra quando eu falei da Vingança da Marinês? Era papel do Rubão, que tinha que buscar aluno que preferia comer pastel na feira a freqüentar as aulas de Artes pós-intervalo; era papel do Rubão avisar aos queridos alunos que estavam de recuperação em matemática que, devido a uma pequena suspeita de fraude, teríamos (eu era um dos queridos alunos) que refazer a prova.
Meu amigo Fábio, hoje um sério executivo que dá o sangue dentro de um banco (não de sangue, de dinheiro mesmo) que o diga, porque o Fábio gostava de tirar as autoridades do sério. Tirou o Rubão do sério na nossa viagem de estudos em Volta Redonda - quem mandou nos levar àquele fim de mundo enquanto as turmas anteriores iam a Itatiaia e Cananéia? Volta Redonda, o local do eterno fogaréu que derrete o aço e alumia o céu (súbita inspiração pseudo-poética).
Porra. Tem dia que a coisa não vai. Mas fica tranqüilo que, por bem ou por mal, uma hora a coisa vai. Não tem até marchinha de carnaval sobre o tema? Acabei me lembrando do Rubão. E acabei pensando como a vida é besta. E passa rápido. E o cactus do serrado quer mais é tomar um tereré bem gelado, com limão espremido. Ê, coisa boa. Um dia a coisa vai.
"Fogaréu dos diabos", diz o cabra, antes de afrouxar o nó da gravata e dar um longo suspiro.
PS: Por falar em gravata, alguém podia pedir ao Fábio para me ensinar a dar um nó nessa joça? Tô passando vergonha diariamente aqui em Brasília. Assim não dá, sô.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Olga

Nem só de rancores e mágoas vive o escrevinhadeiro. Ele também gosta de fazer samba e amor até mais tarde. Depois fica com muito sono de manhã e com mais sono ainda depois do almoço. Ainda mais com esse maldito horário de verão. Não gosto de horário de verão e pronto. Mas acabemos com queixas e lamúrias, porque eu já havia dito que nem só de rancores e mágoas vive o escrevinhadeiro, oras.
Coisas boas acontecem o tempo todo. Sim, flores brotam no deserto, políticos ficam afônicos e, às vezes, a Rita volta com nosso sorriso debaixo do braço. Às vezes, também, nasce uma esperança de que as coisas serão melhores em forma de pessoinha. Podem me chamar de piegas, mas eu não posso evitar. Quando não solto mágoas pelas ventas, fico muito sentimental. Meu sentimentalismo, no entanto - chega de enrolar, cazzo, você já está no segundo parágrafo - tem uma boa razão de ser. Nasceu a Olga, filha da minha grande amiga Camila. Bem-vinda, menina. Não desanime com o quadro que alguns escrevinhadeiros rabugentos pintam por aí. Eles não sabem de nada. Ninguém sabe.
Quem sabe o que vai ser? Eu só sei que vale a pena ser, que me desculpem meu poetivismo desajeitado. Seja, menina Olga. De uma coisa eu sei: você tem uma mãe que te permitirá isso. Bom, o pai eu não conheço, mas confio na Camila. Então está tudo certo. Cresça no seu ritmo e seja.