Por Onde Andará Alencar?
Alencar costumava trabalhar como segurança do Itamaraty. Todos lhe queriam muito bem por lá. Principalmente, uma moça que ganhava a vida como guia daquele bonito palácio, considerado "a sala de visitas do Brasil". A moça, cuja identidade a família me pediu para não revelar, era uma boa guia, daquele estilo "deixa que eu chuto", como bem definiu o Aldo: ela explicava tudinho, com sua voz grave e rouca, sem dar margem a dúvidas. Quando você pensava em perguntar o que um quadro da Tomie Ohtake estaria fazendo ao lado de um Pedro Américo, lá ia ela dizer que "em todas as salas do Itamaraty, peças clássicas e peças contemporâneas convivem em harmonia".
A moça explicava tudo mesmo e, enquanto mostrava a um grupo de turistas uma das salas de almoço do palácio, interrompeu alguma explicação para dizer, de um jeito que não combinava nada com seu discurso muito bem ensaiado: "Alencar! Tu taqui, rapá?" Diante do espanto do grupo de turistas, ela apontou o Alencar, que havia aparecido por uma das portas, e disse: "O Alencar é segurança. Ele é uma das figuras mais especiais aqui do palácio". Ponto. Seguido de silêncio. Os turistas esperaram por alguns segundos a moça que explicava tudo explicar, também, por que o Alencar era especial. Mas a explicação não veio, o que deu margem a interpretações maldosas.
Antes que alguém pergunte, o Alencar não fazia parte de nenhum estereótipo que pudesse encantar uma mocinha indefesa. Ele não era forte, nem bonito. O Alencar, desculpa dizer assim, tinha até uma cara meio de nerd. Mas era uma figura muito especial e disso ninguém teve dúvidas naquela sala.
Um belo dia, o Alencar, funcionário exemplar, não apareceu. E ele era tão correto que sua ausência causou preocupação aos seus superiores. Ligaram na casa do Alencar e a mãe dele respondeu que seu filhinho havia saído para trabalhar na mesma hora de sempre, como fazia há mais de dez anos. Estranho. O mais estranho é que a velha não se mostrou muito preocupada. Na verdade, ela achava que o filho era certinho demais. Sim, ele era tão certinho que até sua mãe gostaria que ele fizesse algo insano.
Ninguém sabe se ele fez algo insano ou não. Apenas sumiu. Ninguém mais soube dele. A mocinha que trabalhava como guia bem que tentou prosseguir com as visitas, mas sem o: "Alencar! Tu taqui, rapá?", não havia a menor graça. Sem a presença do Alencar, até o jardim projetado por Roberto Burle Marx deixara de empolgar. O palácio inteiro ficou meio insosso, tanto que na recepção seguinte, a comitiva de Butão quase não quis conversa. E a mesa que o Presidente utiliza para assinar tratados internacionais? - a mesma mesa em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea? Sem o Alencar, transformou-se em uma mesa comum.
Dizem os mais religiosos que até a estátua do Barão de Rio Branco deixou cair uma lágrima. "Trata-se de uma infiltração", apressou-se em dizer um cético, mesmo sem muito ânimo para falar qualquer coisa. A mãe do Alencar insiste em dizer que ele está bem. Ela tem certeza. E não se preocupa. Diz a quem quiser ouvir: "Meu filho começou a viver a vida". Bom, pode ser, mas já dizia o Agenor, mais conhecido como Cazuza: só as mães são felizes.