quinta-feira, novembro 01, 2007

Polêmica Invisível

Não é a primeira vez que eu prometo a mim mesmo não falar de certos assuntos. Também não é a primeira vez que eu descumpro essa promessa. Foi assim com o caso Renan Calheiros e foi assim com a história da fidelidade partidária. Assim estava sendo a respeito da polêmica desproporcional que gerou o filme "Tropa de elite". Eu não ia mesmo falar nada. Mas algumas coisas estavam me incomodando, quando eu li um artigo publicado na agência Carta Maior há alguns dias e algo me ficou martelando na cabeça. Marco Aurélio Weissheimer escreveu o artigo "Guerra é guerra, dizia o torturador", que eu achei de uma infantilidade assustadora e fiquei pensando: será possível? Não estou lendo isto! Será que esse cara baseou toda a análise dele no slogan do cartaz do filme ou eu estou sonhando? Preciso dizer alguma coisa.
Lembrei-me, então, do texto que meu pai escreveu: "Nem intelectual, nem de esquerda" e pensei cá com meus botões que já era hora de dizer duas palavrinhas, não sobre o filme, mas sobre as discussões que nasceram a partir de análises, a meu ver, um tanto distorcidas que eu tive a infelicidade de ler ou ouvir. (que fique claro que eu sou totalmente a favor da liberdade de imprensa. Acho que até o pessoal de Veja tem que ter espaço)
O artigo que saiu na Carta Maior falava mal do filme, é óbvio. Eu digo que é óbvio porque todos sabem que a Carta Maior é um espaço muito interessante, habitado por intelectuais de esquerda que têm, de fato, algo a dizer, como Emir Sader e Flávio Aguiar. Mas o pessoal da Carta Maior (ou ao menos o Weissheimer), parece-me, caiu na armadilha do embate entre esquerda e direita que o filme "Tropa de elite" acabou provocando.
O que ocorreu, na minha opinião? As pessoas mais reacionárias da nossa elite podre, a turma da Veja, a turma do Cansei, a turma do "Quero de volta o meu Rolex" e outras desgraças que existem aos montes nos bolsões de riqueza que existem no nosso miserável país, adoraram o filme "Tropa de elite". Por que essas pessoas adoraram? Porque elas adoram o mandamento: "bandido bom é bandido morto"; porque elas têm verdadeiros orgasmos quando vêem bandidos das favelas sendo torturados e executados.
Portanto, essa turma aplaudia fervorosamente cada assassinato cometido pelo Bope e pelo capitão Nascimento, interpretado pelo ótimo ator Wagner Moura que, infelizmente, está se transformando no novo queridinho da Rede Globo. É claro que Wagner Moura tem direito de ganhar dinheiro, mas eu acho que a Globo é um Midas às avessas, que fode tudo aquilo em que toca (Na verdade, Midas também acabava "fodendo" tudo aquilo em que tocava, mas deixemos tanto a discussão mitológica quanto a mercadológica para uma outra ocasião).
O que aconteceu, a partir dessas interpretações fascistas? Veja que a revista Veja colocou o filme nas alturas, homenageando a fita com uma capa intitulada "Pegou geral" e explicando por que o filme incomodou tanto: porque trata bandido como bandido. Ora, o problema não está no filme e, sim, na mente tosca dessa elite reacionária. Mas, como a direita adorou e aplaudiu, a esquerda se sentiu na obrigação de odiar. Saiu por aí pixando o filme, dizendo que tinha cunho fascista e outras bobagens.
Na minha humilde opinião, os intelectuais de esquerda caíram numa "armadilha" da direita reacionária, porque é um absurdo concluir, ao assistir a esse filme, que "o diretor defende o extermínio de bandidos". Tenha dó, minha gente! Acorda, "intelectualidade"! E o que é mais engraçado é que a esquerda-burra, que caiu nessa interpretação tosca da revista Veja, é a mesma esquerda-burra que aplaudiu o mesmo diretor quando ele rodou o excelente documentário "Ônibus 174", sobre o assalto àquele ônibus no Rio de Janeiro, cometido por um sobrevivente do massacre da Candelária, e que acabou se transformando num espetáculo de mídia nunca antes visto. O final, todos se lembram: uma refém foi morta diante de todos, por culpa da ação desastrada de um atirador de elite, e o assaltante foi "misteriosamente" assassinado no camburão que deveria levá-lo à delegacia.
"Tropa de elite" e "Ônibus 174" são duas faces de uma mesma moeda. Os dois filmes, de maneiras diferentes, dizem a mesma coisa: vivemos em uma sociedade podre, onde pobres são tratados como potenciais bandidos. Vivemos num lugar que não dá chance de vida digna a milhões de pessoas. E pertencemos a uma elite que não quer se responsabilizar de nada; quer, apenas, desfrutar do bônus de ser rica numa terra de "cegos" e, ao mesmo tempo, viver à margem da marginalidade, como se pobreza e assassinatos fossem coisas de cinema. "Eu não tenho nada com isso, porque pago os meus impostos", diz um indignado Luciano Huck, nas entrelinhas de um artigo choroso pela perda de um Rolex.
Infelizmente, o filme "Tropa de elite" causou um embate entre esquerda e direita, completamente inútil, como tantos outros que se insultam até hoje pra saber quem foi pior: Hitler ou Stalin. Esse embate me remeteu ao texto escrito pelo meu pai, quando ele questiona o significado de uma pessoa se dizer de esquerda ou de direita. Não devemos avaliar o discurso, mas as ações (ou falta delas) das pessoas que se dizem de esquerda ou de direita (raramente alguém se diz de direita, mas existem outros "nomes" para isso: liberal, defensor da propriedade privada, defensor do estado mínimo, da livre concorrência etc).
Mais uma vez, postamo-nos diante de toneladas de textos que procuraram "rotular" o filme "Tropa de elite ": é uma obra fascista; faz apologia ao extermínio; não, o filme é realista; não, o filme responsabiliza a todos nós pela falência do Estado etc. Aliás, foi nessa linha que o jornalista Gilberto Dimenstein se posicionou, dizendo que "Tropa de elite" deveria ser obrigatório nas escolas, porque aponta para o fato de que todos nós somos os culpados pela realidade brasileira, e não só o governo, como as pessoas costumam dizer.
Não penso que o filme, de fato, defenda nada disso. Não recebi procuração do diretor e nem de ninguém pra falar isso, e também não tenho acompanhado as milhares de entrevistas que o José Padilha tem dado por aí. Só acho que é mais um registro - bem feito, por sinal - da nossa sociedade podre. O filme responsabiliza a todos nós? E, por acaso, precisa um filme fazer isso? É óbvio que somos todos responsáveis por essa merda de realidade em que vivemos. É óbvio que todos exploramos a miséria. É óbvio que somos todos esquerdistas de araque ou fascistas (disfarçados ou assumidos). Tudo isso é óbvio. Só não queremos enxergar. E para não enxergar, direcionamos todas as nossas discussões para o velho embate entre esquerda e direita que, no fundo, não quer dizer nada e não muda nada.
Tomem este comentário como um desabafo, ou uma mea culpa desajeitada e tosca.

quarta-feira, outubro 31, 2007

Centésimo octogésimo

Veja você a coincidência das coisas. Hoje publico o 180º texto neste espaço. Afora algumas contribuições que muito enriqueceram meu blógui e muito instruíram o Esfeluntis (que pediu chorando pra voltar e foi readmitido, desde que não escreva mais nada serrado), o resto é tudo fruto da minha mente perturbada mesmo. Haja perturbação!
Falo da coincidência das coisas porque, ontem mesmo, soubemos nós com muita alegria que a Vivi foi aprovada para a segunda fase do 180º concurso de ingresso na magistratura de São Paulo. Podem me chamar de coruja, mas eu venho acompanhando a preparação da Vivi para concurso há dois anos e nunca vi tamanha dedicação. Minha parceira é porreta mesmo, como diria o velho malandro da Bahia, aquele que vai ao enterro do amigo de terno branco e tarja preta no braço (v. "Dona Flor e seus dois maridos", direção de Bruno Barreto, baseado na obra de Jorge Amado) .
Pra quem não é do ramo jurídico, como eu, a pessoa passar para a segunda fase de um concurso para juiz é uma coisa meio obscura: você sabe que é muito difícil passar e que a pessoa merece os parabéns, mas não entende direito a dimensão da coisa. Eu comecei a entender melhor depois desse tempo acompanhando a Vivi. Mesmo o povo da área jurídica, muitas vezes, também não sabe dimensionar muito bem isso. É comum ouvirmos de advogados, como já ouvimos de alguns amigos, que "depois que você passar em um bom concurso, está feito na vida". Essa frase vem com uma pontada de mágoa, como se fosse uma grande injustiça uma pessoa "só" estudar e, de repente, virar uma autoridade, "enquanto eu ralo há anos na advocacia pra ganhar pouco e ter que lidar com juízes que não sabem o que estão fazendo".
Pra essas pessoas, eu gosto de uma resposta que a Vivi costuma dar: "Se a vida de um concurseiro é tão fácil assim, por que você não tenta? Por que você não "vira" juiz ou promotor se a coisa é tão moleza?" As respostas, quando vêm, são cínicas: "Porque eu gosto muito de advogar. Porque essa vida de funcionário público não é pra mim. Porque eu gosto do dinamismo da minha profissão. Porque a concorrência é muita" e outras baboseiras desta ordem. Mas deixemos isso pra lá, antes que os fantasmas da meia-noite comecem a me acusar de corporativista.
Enfim, mesmo para os concurseiros da área jurídica, que sabem bem o que é enfrentar um concurso da magistratura, esse 180º concurso foi uma chacina e tanto. Em relação ao 179º, a nota de corte caiu bastante e muitos quase-juízes que não haviam sido aprovados por pouco no concurso anterior levaram fumo.
Realmente, quando eu fui buscar a Vivi na prova, ainda atordoada, ela me disse categoricamente: "Foi a prova mais difícil que eu já fiz na vida". E passou pra segunda fase. Vai se juntar aos perto de 600 candidatos que farão a prova escrita no dia 11 de novembro. Tamo na fé. A Vivi entra com o estudo e eu entro com a reza.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Origami

Já falei por aqui que não tenho lá muita habilidade manual. Sou um tanto desastrado. Tá certo, estou entre amigos, portanto, de que adianta disfarçar? Todos sabem que eu sou muuuuuuuuuuuito desastrado. Mede-se o quão desastrada é uma pessoa pelo número de vezes em que ela já deixou a tampa da pasta de dente cair no ralo da pia. Se você nunca passou por isso e acha até estranho que alguém já tenha conseguido tal proeza, aproveite: você ainda tem chance de trabalhar como equilibrista no Circo Imperial da China.

Se você, vez ou outra, deixou isso acontecer - havia exagerado um pouco na birita e tal - ainda pode se considerar uma pessoa atenta aos leves movimentos que a vida nos obriga a realizar. Mais do que isso, a coisa já começa a ficar preocupante. Agora, se você já deixou várias vezes que a tampa da pasta de dente escapasse das suas mãos e driblasse seus movimentos indelicados na tentativa de evitar o inevitável, para, novamente, encaixar-se no ralo da pia: parabéns, você é um desastrado.

Desastrados sempre derrubam copos na mesa - eu fazia muito isso nos meus tempos de bebum e continuo fazendo nos atuais tempos de abstêmio - e já deixei os seguintes objetos mergulharem nas profundas águas da privada: escova de dentes, pente e gilete (é claro que depois do resgate eu joguei tais objetos no lixo! Fico até ofendido com esses tipos de insinuações).

Quando eu era moleque, tentei aprender a construir pipa (não passei da primeira tentativa) e também tentei seguir aqueles malditos livrinhos de origami. Eu olhava para aquelas lindas figuras, construídas com toda facilidade por aqueles que fossem capazes de seguir as flechinhas mais malucas, e as linhas contínuas e as linhas pontilhadas e...céus! isso é impossível! Isso é impo... e lá estava meu irmão mais novo Mário com um maravilhoso cisne de papel nas mãos.

Um vexame, eu pensava. Depois eu fui me acostumando. O Mário, também, não era parâmetro. Também tenho dois irmãos que levam o maior jeito para o malabarismo e... deixa pra lá. O fato é que, hoje, eu já ficaria contente se aprendesse a dar nó em gravata. Foi, então, que o Aldo me mandou o endereço de um site que ensina a fazer nó de gravata. Lá fui eu visitar o tal sítio. E lá estavam os malditos desenhos com as malditas flechinhas: aprenda a dar o nó simples, o nó simples duplo, o nó "windsor", o nó francês, o cazzo.

É com muita alegria, enfim, que eu posso dizer: enfrentei o meu trauma dos livrinhos de origami e, antes que o Mário saísse por aí com um belo nó cruzado, defini humildemente as minhas limitações e, tchã-nã! Aprendi a dar o nó simples duplo. É um nó tosco que fica gordinho e, visto de longe, dá a té a impressão de que o sujeito sabe dar nó em gravata.

Pelo menos eu não estou mais passando vergonha na terra dos engravatados. Já me vejo até no direito de comentar nós mal feitos que eu vejo por aí. Tinha um sujeito lá na Câmara, outro dia, com um nó de gravata, meu amigo... se eu fosse ele, nem sairia de casa.