quarta-feira, janeiro 12, 2011

Desgaste

Luciana entrava no quarto pela quinta vez nos últimos vinte minutos.
- Já assinou o papel que eu tenho que levar pro poupa-tempo?
Jéferson sorriu e, em lugar de responder, deu mais uma puxada caprichada no seu baseado. Enfim, perguntou, com aquela voz presa:
- Que papel?
Luciana se segurou para não voar no pescoço do marido e esbravejou:
- Porra, Jéferson! Eu te pedi mil vezes pra assinar a porra do papel que eu deixei em cima da cama, caralho. Eu preciso dessa merda assinada já.
O casal já havia passado por tempos melhores. Jéferson já havia sido um promissor jogador de futebol, mas uma contusão séria, quando ele ainda tinha dezenove anos, acabou comprometendo sua carreira. Por causa de uma fratura no joelho, Jéferson ficou mais de um ano longe dos gramados e, quando voltou, nunca mais jogou bem. Foi ladeira a baixo, até que, aos 29 anos, depois de ter sido dispensado do Taquaritinga, Jéferson resolveu pendurar a chuteira.
Luciana o acompanhou por todos esses anos, com muita paciência, mas não tem companheirismo que suporte tudo e para sempre. Depois que Jéferson passou a fumar maconha sem parar, Luciana trocou as palavras de carinho e incentivo por insultos e mais insultos.
- Se eu voltar aqui e você não tiver assinado a merda do papel eu vou...
- Calma, querida. Está aqui, assinado. Pode levar pro poupa-tempo.
Na saída do poupa-tempo, tocou o celular da Luciana. Era Marcela, sua irmã.
- Oi, estou saindo aqui do poupa-tempo. Você acredita que o Jéferson não assinou o papel que eu pedi pra ele assinar? Aquele filho da puta. Pior, ele assinou, mas assinou no lugar errado. Mas eu liguei pra ele e falei um monte. Eu falei: seu imbecil, você assinou no lugar errado; por causa dessa merda, eu vou ter que voltar aqui amanhã. Sabe o que ele disse? Nada. Aí eu falei que se fosse pra fumar maconha ele tinha feito a coisa direitinho. Sabe o que o idiota falou? "Eu não enxerguei direito". Aquele maconheiro do caralho. Aí eu perguntei: onde você tem o olho, no cu? Calma o caralho, Marcela. Eu não aguento mais aquele inútil em casa. Foda-se se ele não vai aguentar o meu abandono. Não quero saber. Vou foder a minha vida por causa daquele traste?
Era a milésima vez que a Luciana ameaçava deixar o marido. Mas, se ele viciou em maconha, ela, por sua vez, viciou em xingá-lo.
Nem sempre é o amor que mantém as pessoas unidas. Aliás, raramente, dizem os mais céticos.