Crise dos 40
A crise dos trinta chegou, enfim, aos quarenta. Todos diziam que ela viria. Não sei se veio com atraso, pois os tempos mudam. A mulher balzaquiana, por exemplo, atualmente está mais para uma quarentona do que para uma mulher de trinta.
O fato é que a tal crise bateu a minha porta, enquanto eu fazia a barba. Eu estava com metade da barba feita, quando olhei meu rosto no espelho e, simplesmente, não entendi. Eu não entendi o que eu via, no que eu havia me transformado e o que raios eu fazia neste mundo. Lembrei-me do deus gozador do "Partido alto" e resolvi perguntar a essa divindade fanfarrona qual seria o significado daquela piada em forma de meia barba feita.
Quem respondeu foi a tal crise. Com um longo suspiro de alívio. "Pensei que você não tivesse inteligência suficiente para me chamar", ela respondeu. Não tive muito ânimo para tentar entender aquela situação um tanto absurda. Apenas, continuei a encarar aquela meia barba no espelho, e acabei pensando que se o Brad Pitt saísse às ruas daquele jeito, no dia seguinte haveria um exército de meias barbas pelas ruas do mundo todo. E se eu saísse daquele jeito? As pessoas: 1- ririam da minha cara; 2- me agrediriam; 3- nem notariam; 4- todas as alternativas anteriores; 5- outra alternativa que me rendesse momentos de humilhação. Eu escolheria a opção 4.
A crise, quando suspirou aliviada, estava de pura sacanagem comigo. Era óbvio que, mais cedo ou mais tarde, eu a chamaria para morar comigo. Afinal, eu nunca fui das pessoas mais empolgadas com o mundo. Acredito até ter nascido sob o signo de Saturno, assim como Walter Benjamin, que definia a si mesmo como um indivíduo melancólico.
Uma ex-namorada, ao me dar o fora, disse que me faltava joie de vivre. Ela não suportava mais aquele meu ar sombrio, sorumbático, taciturno. É fato, pessoas melancólicas, em geral, desagradam, porque não se empolgam com nada e, geralmente, são incapazes de tomar qualquer atitude na vida.
Foi assim que a louça da minha pia se multiplicou ao infinito, que o apartamento ganhou um ar meio podre, que o quarto ficou forrado de roupas jogadas para todos os lados. "Você não se importa de viver nesse chiqueiro?", minha mãe me perguntava ao entrar no meu quarto, quando eu era adolescente. Bom, naquela época eu não me importava, porque eu só queria saber de fumar maconha, jogar futebol e sonhar com as gostosas do colégio. E, depois de mais de vinte anos, ainda vivendo em um chiqueiro, se minha mãe entrasse por aquela porta e repetisse a pergunta, eu poderia dar a mesma resposta, por razões diferentes.
Sabe, mãe, eu diria: eu não me importo de viver nesse chiqueiro porque, na verdade, eu não vejo sentido na minha existência. Aliás, a senhora, talvez, fosse a pessoa certa para responder a essa minha dúvida existencial, afinal, você e meu pai é que resolveram me botar nessa. Sabe, olhando para essa barba meio feita, ou para essa meia barba feita, eu cheguei à conclusão de que eu estou no meio do Atlântico, como naquela piada manjada dos nadadores portugueses, mas eu sinto estar longe demais de Portugal para dar meia-volta e longe demais do Brasil para seguir em frente. O que fazer?
Enquanto a resposta não vinha, resolvi boiar. E deixei minha barba do jeito que estava. Minha crise me apelidou de "visconde partido ao meio". Eu gostei. E entrei naquela brincadeira. Quando dava a ela minha face barbada, eu xingava e cuspia no chão; quando dava a ela minha face glabra, ao contrário, cobria-a de mimos e gentilezas.
Viu? Quem disse que eu não tenho joie de vivre?, indagou minha face lisa? Usa expressões em francês? Além de ser um perdedor resolveu virar um viadinho?, esbravejou minha face barbada. Sentei-me no sofá, ao lado de um jornal aberto, e comecei a rir. Do riso passei ao choro. Depois olhei para o teto. Liguei a televisão. Assisti a duas novelas e a um programa religioso sem piscar. Fiz as palavras-cruzadas e o sudoku do jornal.
Depois de tantas atividades, cheguei, finalmente a uma conclusão. Estava na hora de lavar a louça.
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