A Patada
Dr. Y me chamou na chincha. Cá estou. Não tem jeito, todo início de ano eu sou acometido por uma preguiça desgraçada. Fazer o quê? Sou um escrevinhadeiro sem caráter. Já engatando a primeira, devo descrever a patada negra que levei em um restaurante espanhol sábado passado?
Pois é, dr. Y, pata negra é um presunto espanhol muitíssimo especial, e aqui está a Carol que não me deixa mentir, feito de um porco sortudo que só é alimentado com nozes e outras iguarias; só toma água mineral; só usa sapatinhos de veludo e jaquetas almofadadas do Hard Rock Cafe; etc. Como a sorte não dura pra sempre, depois o porco é transformado em pata negra, esse refinado petisco, mais ou menos como as trufas brancas italianas, que, digamos, custa caro. Ainda mais em um restaurante espanhol do plano piloto.
Fomos até lá, eu, Vivi, Carlão e um casal de amigos do Carlão, João e Marli, acompanhados do filhinho Júlio, de quatro anos, encontrar o Chico e a Karime para uma confraternização de ano novo. Chegamos mais cedo e, quando o Chico e a Karime chegaram, já estávamos mandando ver na comilança. Confesso que eu estava empolgado com o ambiente agradável, com as companhias mais agradáveis ainda e com a paella de frutos do mar em promoção.
No meio da euforia, e do alto da minha ignorância, fui atrás do tal presunto no cardápio - na parte de petiscos. Não encontrei nada, mas resolvi pedir o presunto mesmo assim. Até então, eu sabia que o presunto era especial, mas ninguém havia me falado sobre a alimentação do bicho e as outras bajulações. Dr. Y, não é que eu pedi a pata negra sem saber o quanto custava?
Veja você o sacrilégio: comi pata negra até não agüentar mais, a ponto de sobrar na cumbuca de barro, e até ofereci ao Julinho, que disse solenemente: "Não gostei!" É, ele prefere a batatinha do palhaço. Quando chegou a conta, o Chico me perguntou, com uma calma contida: o que é esse negócio de oitenta e seis reais? Era a pata negra, dr. Y.
Virei motivo de chacota, obviamente. E com todas as razões para tal. Como eu acho que não foi suficiente, porque a minha ignorância foi tamanha, estou publicando esta história aqui, para que eu seja motivo de chacota de mais gente. Eu fiquei tão traumatizado que passei uns três dias sem ir ao banheiro, só pra aproveitar a pata negra por mais tempo. Eu cheguei a pensar em não escovar os dentes também, mas a Vivi não ia gostar disso.
Agora, dr. Y, se você me dá licença, vou engatar a quinta, direto para a cama. Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios.