quinta-feira, novembro 15, 2007

De cabeça para baixo

Ontem eu fiquei cabreiro com uma coisa que a Fátima Bernardes falou no Jornal Nacional. Estava ela anunciando uma notícia sobre uma imagem de satélite com a Terra se pondo, vista da Lua. Mostraram, então, o nosso planeta, que de longe parece tão tranqüilo em seu manto azul, sumindo no horizonte lunar. Até aí beleza. Bonito mesmo. Mas, de repente, Fátima Bernardes vira e fala que, na imagem, a Austrália e a Ásia aparecem "de cabeça para baixo".
Fiquei intrigado. Como assim, "de cabeça para baixo"? Estou errado ou estamos no espaço, girando em torno de nós mesmos e de um dos infinitos sóis que existem no universo? Caso eu não esteja completamente equivocado, é ridículo falar em "cima" e "baixo" na condição em que nos encontramos (na superfície de uma bola giratória que navega no infinito). É claro que eu estou só provocando. É claro que a Fátima Bernardes, esposa do Homer Simpson mais sexy da televisão brasileira, estava se referindo àquela visão que aprendemos na escolinha, com a Europa no centro do mundo e as colônias do lado de baixo da história e da representação geográfica.
É, uma vez colônia, sempre colônia. Colônia sempre eu hei de ser. Acho que eu já falei aqui um dia sobre os tempos em que fui estudar inglês nos Estados Unidos. Passei seis meses e vinte dias em Columbia, South Carolina, estudando um pouco aqui e tomando umas cervejas acolá. A fim de economizar uns dólares, eu e todos os estudantes daquela cidade íamos filar bóia no HIS duas vezes por semana. Se eu não me engano, HIS significa algo como House for Iternational Students. Não, acho que não é isso. Mas fica sendo, certo?
O HIS era formado por um grupo de religiosos que queria pegar estudantes estrangeiros pelo estômago. Eles pediam pra você colar uma etiqueta na sua roupa com seu nome e país de origem. De vez em quando, aparecia um estadunidense do nada, olhava pra sua etiqueta e dizia: "Brazilian, huh?" Eu me sentia mais ou menos como um enfant sauvage catalogado para uma universidade gringa, e respondia com um tímido "yes". Enquanto o estadunidense balançava a cabeça positivamente, com um ar aprovador, como se me aceitasse, eu soltava um "excuse me" e ia atrás do meu prato de macarrão com almôndegas.
Às vezes, algum proselitista mais insistente sentava-se ao lado de um gringo e começava a perguntar se "lá" existem prédios (não estou exagerando, me perguntaram isso mesmo). Gostavam, também, de falar do quão republicanos eles eram. Eu não me chateava. Desde que eu pudesse filar aquela bóia, estava tudo certo. Eu aceitava o meu papel de terceiromundista colonizado e ia xingá-los à noite em alguma mesa de bar, sem o menor constrangimento.
Lembrei-me disso porque naquela casa havia um mapa com os Estados Unidos representados no centro. Muitos achavam estranho (confesso que também achei) e um disse: que ridículo. Por quê?, um cuiabano palmeirense perguntou. Ridículo é acreditar que alguém está geograficamente no centro do mundo, acrescentou, para dizer que tudo dependia do ponto de vista de quem fazia a representação dos continentes.
Realmente, ridículo é dizer, em pleno Jornal Nacional, que a Ásia e a Austrália estavam de cabeça para baixo na imagem do satélite. Mais ridículo ainda é ninguém achar isso estranho, e até comentar: é mesmo, não é curioso? Não, isso também não é ridículo. É triste. É o papel que nos cabe na história: o de figurantes que fazem de tudo para ter um dia de glória - talvez, quando um filme brasileiro ganhar o Oscar, ou quando nos deixarem fazer parte do Conselho de Segurança da ONU. Pra quê? Pra continuar dizendo amém para aqueles que estão de fato no centro do mundo.

terça-feira, novembro 13, 2007

Buscas

Sim, estou vivo. E, vejam vocês, alguém me achou. Essa tal de Internet é mesmo estranha. Às vezes, vamos fazer uma busca para encontrar o sítio da dona Joaninha e acabamos por encontrar a página da Sociedade das Joaninhas Machos (ler o livro infanto-juvenil "Tem um cabelo na minha terra", da Companhia das Letrinhas, cujo autor me foge). E aí vai. Essa história de busca ficou tão frenética que, dizem as más línguas (porque eu juro que nunca fiz isso), é comum as pessoas, no início do início de um possível relacionamento, jogarem o nome do (a) parceiro (a) no Google, ou no Cadê, em busca de algum subsídio que lhes dê segurança. Também, a fim de evitar surpresas futuras. Dá que o cara está na lista dos mais procurados pelo F.B.I., ou que a moça, na verdade, se chama Carlos Pereira e resolveu mudar de time no meio do campeonato? De repente, descobre-se algo útil, seja para o que for.
Mas, suspiram tristemente os românticos, a graça dos relacionamentos não está em ir descobrindo aos poucos quem de fato é a outra pessoa? Não é importante que nós mesmos consigamos abrir as janelas do (a) parceiro (a) - e, às vezes, libertar monstros que podem até nos agredir? Calma, também não é assim. É verdade que a Internet acabou por concretizar a profecia da sociedade do controle, mas esse sistema de busca convencional ainda não é capaz de abrir tantas janelas assim.
Acredito que o U.S. Army deva saber até a cor da minha cueca, e a Coca-Cola Company também deve ter um sistema capaz de adivinhar que tipo de refresco o inconsciente coletivo da humanidade estaria interessado em experimentar nos próximos anos. Mas essas buscas tradicionais, ferramentas disponíveis aos consumidores comuns, acredito, não mergulham tão fundo na vida das pessoas. A não ser que a própria figura tenha um quê de exibicionista e resolva abrir um fotoblog com a turma da orgia, ou algo assim.
Sim, eu já coloquei meu nome no Google (quem ainda não fez isso que atire o primeiro vírus). E a primeira coisa que apareceu foi uma lista de aprovados para a segunda fase da Fuvest, em 1996. Isso só me prejudicaria perante o outro se eu estivesse com a intenção de esconder a minha idade (ainda sou muito novo pra isso, não acham?). De resto, tal informação só contaria ao meu favor porque, em geral, no início do início de um relacionamento, as pessoas ainda estão meio cegas, e diriam: "Como ele é inteligente, passou para a segunda fase da Fuvest em 1996!" - e jamais saberiam que a nota de corte para Psicologia-USP de Ribeirão era bem baixa. Jamais saberiam que eu prestara psicologia em Ribeirão para fugir de matemática na segunda fase.
É, a verdade profunda costuma doer. Não à toa, vivemos em uma sociedade que prefere os superficialismos. Por isso, vivas aos googles e cadês, que tanto têm deixado os professores de cabelo em pé, já que os alunos, que se acham espertos, passaram a copiar trabalhos da Internet. Só ignoram, os pobres, que na busca sobre a dona Joaninha, vem a Sociedade das Joaninhas Machos e mais um monte de coisa que não tem nada a ver. Além disso, se eu escrever aqui que "Deleuze defendia que a solução para os problemas da sociedade seria todos se livrarem das vestimentas e buscarem refúgio numa comunidade hippie de São Tomé das Letras", algum desavisado vai colocar essa informação em seu trabalho de faculdade.
Buscas são ótimas. De repente, alguém que eu não vejo há séculos me encontra aqui - e constata que o escrevinhadeiro está vivo, apesar de ter enlouquecido de vez. Se eu quiser saber o que diz a Lei nº 8.666, jogo na busca e a lei aparece, inteirinha. Se eu quiser ler um artigo que o Voltaire de Souza escreveu em 16 de novembro de 2001, pode ser que eu também ache na busca. Se eu quiser encontrar o sítio da Sociedade dos Carecas Assumidos, também encontrarei com uma simples pesquisa na Internet.
Moral da história:buscas são ótimas, quando utilizadas com alguns cuidados, e quando o buscador não quiser com elas resolver os grandes problemas da humanidade (olho na fonte, estudantada!).
PS: Fiz uma busca no Google e o livro "Tem um cabelo na minha terra!" é de autoria de um cartunista-biólogo com ótimo senso de humor chamdo Gary Larson. Descobri, em outra busca, que Gary Larson nasceu em 1950, nos Estados Unidos, e passou a infância em Tacoma, Washington. Larson sempre adorou desenhar, mas sua verdadeira paixão era a biologia. Parece, também, que a comunidade científica atribuiu o nome de Larson a um piolho e a uma borboleta. Atualmente, ele vive em Seattle e, neste minuto (13h08 - horário de Brasília) acabou de abrir a geladeira para pegar um suco de beterraba.