De cabeça para baixo
Ontem eu fiquei cabreiro com uma coisa que a Fátima Bernardes falou no Jornal Nacional. Estava ela anunciando uma notícia sobre uma imagem de satélite com a Terra se pondo, vista da Lua. Mostraram, então, o nosso planeta, que de longe parece tão tranqüilo em seu manto azul, sumindo no horizonte lunar. Até aí beleza. Bonito mesmo. Mas, de repente, Fátima Bernardes vira e fala que, na imagem, a Austrália e a Ásia aparecem "de cabeça para baixo".
Fiquei intrigado. Como assim, "de cabeça para baixo"? Estou errado ou estamos no espaço, girando em torno de nós mesmos e de um dos infinitos sóis que existem no universo? Caso eu não esteja completamente equivocado, é ridículo falar em "cima" e "baixo" na condição em que nos encontramos (na superfície de uma bola giratória que navega no infinito). É claro que eu estou só provocando. É claro que a Fátima Bernardes, esposa do Homer Simpson mais sexy da televisão brasileira, estava se referindo àquela visão que aprendemos na escolinha, com a Europa no centro do mundo e as colônias do lado de baixo da história e da representação geográfica.
É, uma vez colônia, sempre colônia. Colônia sempre eu hei de ser. Acho que eu já falei aqui um dia sobre os tempos em que fui estudar inglês nos Estados Unidos. Passei seis meses e vinte dias em Columbia, South Carolina, estudando um pouco aqui e tomando umas cervejas acolá. A fim de economizar uns dólares, eu e todos os estudantes daquela cidade íamos filar bóia no HIS duas vezes por semana. Se eu não me engano, HIS significa algo como House for Iternational Students. Não, acho que não é isso. Mas fica sendo, certo?
O HIS era formado por um grupo de religiosos que queria pegar estudantes estrangeiros pelo estômago. Eles pediam pra você colar uma etiqueta na sua roupa com seu nome e país de origem. De vez em quando, aparecia um estadunidense do nada, olhava pra sua etiqueta e dizia: "Brazilian, huh?" Eu me sentia mais ou menos como um enfant sauvage catalogado para uma universidade gringa, e respondia com um tímido "yes". Enquanto o estadunidense balançava a cabeça positivamente, com um ar aprovador, como se me aceitasse, eu soltava um "excuse me" e ia atrás do meu prato de macarrão com almôndegas.
Às vezes, algum proselitista mais insistente sentava-se ao lado de um gringo e começava a perguntar se "lá" existem prédios (não estou exagerando, me perguntaram isso mesmo). Gostavam, também, de falar do quão republicanos eles eram. Eu não me chateava. Desde que eu pudesse filar aquela bóia, estava tudo certo. Eu aceitava o meu papel de terceiromundista colonizado e ia xingá-los à noite em alguma mesa de bar, sem o menor constrangimento.
Lembrei-me disso porque naquela casa havia um mapa com os Estados Unidos representados no centro. Muitos achavam estranho (confesso que também achei) e um disse: que ridículo. Por quê?, um cuiabano palmeirense perguntou. Ridículo é acreditar que alguém está geograficamente no centro do mundo, acrescentou, para dizer que tudo dependia do ponto de vista de quem fazia a representação dos continentes.
Realmente, ridículo é dizer, em pleno Jornal Nacional, que a Ásia e a Austrália estavam de cabeça para baixo na imagem do satélite. Mais ridículo ainda é ninguém achar isso estranho, e até comentar: é mesmo, não é curioso? Não, isso também não é ridículo. É triste. É o papel que nos cabe na história: o de figurantes que fazem de tudo para ter um dia de glória - talvez, quando um filme brasileiro ganhar o Oscar, ou quando nos deixarem fazer parte do Conselho de Segurança da ONU. Pra quê? Pra continuar dizendo amém para aqueles que estão de fato no centro do mundo.
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