Outro dia, Vivi me contou sobre um tal de Rúdson (ou seria Hudson?), funcionário do Colégio Arquidiocesano, onde ela fez ginásio e colegial. No Arqui, como os estudantes carinhosamente chamam o colégio (na verdade, é muito difícil falar Ar-qui-di-o-ce-sa-no), como todo bom colégio marista, era obrigatório o uso de uniforme. Mas, como a Igreja Católica vem se modernizando, o uniforme consistia em qualquer calça, desde que fosse azul-marinho (tolerava-se calça jeans) e a camiseta do colégio, que tinha uma golinha de padre, própria pra que ficasse visível mesmo debaixo de alguma blusa de frio. O Rúdson era encarregado de garantir que todos os alunos cumprissem essa regra fundamental para o funcionamento daquele templo do saber. Caso alguém ousasse comparecer sem o devido uniforme, Rúdson era implacável. Ele caçava os infratores com seus olhos de lince, os reunia em sua sala e, finalmente, os despachava de volta para casa, devidamente advertidos.
Eis que Vivi, um belo dia de frio (como hoje), chega ao Arqui propriamente agasalhada e, impropriamente, sem a tal camiseta com gola de padre. Rúdson, o mala, já estava diante da entrada do colégio, colhendo os menores infratores e, quando avistou Vivi, perguntou: Uniforme, doutora? (sim, o mala chamava a todos de doutor e doutora, dependendo do gênero da pessoa em questão). Vivi tentou não perder o rebolado e ainda deu aquela conferida falsa, como se não soubesse que estava, DE PROPÓSITO, sem a camiseta do Arqui e sua charmosa golinha de padre. Ao ouvir um: "Ih, esqueci...", como resposta, Rúdson amealhou nossa querida infratora e juntou-a ao grupo de delinqüentes, desrespeitadores de regras, que, provavelmente, devem estar hoje por aí, saqueando supermercados, roubando bancos e trocando tiros com a polícia.
Diante daquela fila indiana de pobres coitados, tratados como prisioneiros que seriam obrigados a remar nas galeras para todo o sempre (só não estavam acorrentados, é bom esclarecer), Vivi se aproveitou de um descuido de Rúdson - coisa que raríssimas vezes acontecia - e fugiu da fila. Sabendo que ninguém, jamais, em toda a história do Arquidiocesano, havia escapado com vida do implacável Rúdson, Vivi, esbaforida, pediu socorro ao seu amigo Rodrigo, que também tinha a ficha bem suja, mas, naquele dia, estava devidamente uniformizado. No melhor estilo: "Por favor, não me peça explicações", Vivi pediu para que Rodrigo lhe cedesse sua camiseta. Rodrigo, que é um gentleman, o fez. E lá foram os dois para a sala de aula.
Não demorou muito para que Rúdson, com seu ar sádico e seu quase-sorriso sarcástico, aparecesse à porta da sala de Vivi, sedento por vingança. Nada escapava aos olhos desse GRANDESSÍSSIMO MALA. Por isso, Rúdson abordou a "doutora fujona" que, cheia de confiança, e na maior cara-de-pau (quem diria, dona Viviane?), disse: "Eu não fugi. Eu apenas me lembrei que estava com a camiseta dentro da minha mochila e fui ao banheiro me trocar". Pode-se dizer que, por dois segundos, Rúdson chegou a ficar desconcertado e, quase, quase mesmo, deixou escapar sua enorme frustração por não poder torturar nossa doce heroína por duas horas antes de mandá-la para casa (sem deixar marcas, porque o cara era profissional).
O problema é que, quando o mala é mala, e só um mala de verdade é contratado pra fazer esse tipo de coisa nas escolas, nada passa despercebido por sua mente diabólica, carregada de frustrações que tal figura faz questão de descontar nas alegres crianças e adolescentes que ele não conseguiu ser... desculpem, eu acho que me descontrolei. Enfim, Rúdson, que não deixa nada escapar, direcionou sua fúria ao pobre Rodrigo, que estava sentado ao lado de Vivi (que amadorismo, hein?). Rúdson, rapidamente, percebeu que Rodrigo não estava com a charmosa golinha de padre à mostra. Rodrigo, de acordo com a minuciosa descrição de Vivi, era a indignação estampada. De tão indignado, ficou mudo, atônito, imóvel e, a única reação que conseguiu esboçar foi um olhar de esguelha, olhar este que transmitia toda a sua condição de ser mais injustiçado da face da Terra, em direção a Vivi. Vivi também ficou sem reação e, apenas, tentou esboçar um ar de "Rodrigo, me perdoa!".
Não houve tempo para nada além de esboços de reação. Rúdson, o mala, já estava afiando sua foice ao lado de sua gôndola, que levaria Rodrigo para o Vale da Morte. Mas, como eu já disse, mala é mala, e poucos conseguiram atingir o grau de malice (ou seria malismo?) que Rúdson, o rei, atingia com o pé nas costas, todas as manhãs. Quando tudo parecia resolvido, Rúdson notou que Vivi estava vestindo um calça preta, portanto, fora dos padrões exigidos pelos grandes educadores para que se atinja o conhecimento puro. Sem esboçar a menor piedade, Rúdson levou os dois cúmplices para a "sala de massagens" e, em seguida, foram ambos despachados, devidamente advertidos, para casa.
Esta triste história é verdadeira, da primeira à última linha. Hoje, Rodrigo completa 26 anos. Parabéns, Rodrigo. Onde quer que você esteja, pode ter certeza que você mora no coração de todos os alunos do Arqui. Onde quer que você esteja, saiba que, um dia, Rúdson pagará por tudo que fez. Onde quer que você esteja, estaremos também, eu e Vivi, hoje à noite, para devorar uma pizza e falar mal de Rúdson, o mala.