sexta-feira, junho 01, 2007

Sem Ressentimentos

Eu pretendia, lá para agosto, prestar um concurso público para jornalista da Câmara dos Deputados. Concursos para jornalistas raramente surgem porque, quase sempre, essa maldita profissão entra na cota dos cargos de confiança. Nada mais justo. Se você tem um cargo importante na administração pública e pretende contratar um jornalista, é bom que ele seja de sua inteira confiança. Senão já viu.
Quando os poucos concursos para jornalistas aparecem, geralmente, são oferecidas pouquíssimas vagas. Uma ou duas. Às vezes, inclusive, não existe nenhuma vaga disponível e eles abrem um concurso para o chamado cadastro de reserva. Cadastro de reserva é o banco de reservas da administração pública. Você fica lá, com cara de bosta, esperando que alguém resolva te colocar em campo. No caso do jornalismo, em que e rotatividade é muito lenta, estar no cadastro de reserva seria o mesmo que ser goleiro reserva do Gilmar dos Santos Neves (desculpa, Vivi, depois eu te explico quem é esse cara).
Eis que, no início do ano, surge esse edital fantástico e maravilhoso: concurso público para trabalhar na Câmara dos Deputados, com vagas pra todos os gostos, inclusive para técnico em energia nuclear, motorista de vespa, dançarina profissional de rumba e jornalista. O mais incrível é que eram oferecidas oito vagas para jornalistas só de imprensa escrita. Havia mais cinco pra rádio e quatro pra TV, sei lá, coisa assim.
Oito vagas para ganhar um salário de 9 mil reais? Algum desavisado poderia dizer: impossível. Imagina a concorrência dessa porra. Pois é, a coisa tá braba e as pessoas costumam se estapear por salários muito mais modestos. Agora, 9 mil reais? Eu nem saberia o que fazer com essa fortuna. Não é gozação. Eu acho muito dinheiro mesmo. E quem não acha vá à puta que o pariu antes que eu me esqueça. Pois é, meu caro desavisado: oito vagas para jornalista é uma coisa incrível. É raríssimo. Pode perguntar aos concurseiros profissionais, aqueles que escarafuncham semanalmente a Folha Dirigida e o Jornal dos Concursos. Eles dirão que eu não estou mentindo.
Decidi, então, prestar esse concurso, apesar da inscrição ser uma bica (R$ 123,00) e de eu não ter a menorzíssima vontade de morar em Brasília. Mas com a Vivi eu moro até na Lapônia, ainda mais ganhando um salário desses. Vambora, pensei. Fiz a inscrição, peguei o programa de matérias e comecei a estudar. Nesses estudos, eu li coisas muito boas. Destaque para a "História da imprensa no Brasil", do Nelson Werneck Sodré. Com ele eu descobri que o Período Regencial foi muito quente par a imprensa brasileira, uma época em que surgiram pasquins e periódicos escritos por gente bastante contestadora como Líbero Badaró e Frei Caneca (que não são apenas nomes de ruas.
Destaque, também para o livro "Sobre ética e imprensa", do Eugênio Bucci, que eu tinha fazia tempo, mas, vergonhosamente, não havia aberto. Inclusive, o Bucci lançou esse livro numa livraria muito simpática que existia na Vila Madalena, lá na rua Fradique Coutinho. Eu também tive que aprender semiótica, porque na faculdade eu achava aquilo um saco e, em vez de assistir às memoráveis aulas da motoqueira Sônia Régis, eu ia para o Doca's. Acho que eu nunca havia me empenhado tanto na vida. Até o regimento interno da Câmara dos Deputados eu li e, pela primeira vez, eu comprei um livro de direito: "Lei da Imprensa comentada". Não vou nem dizer quanto custou, mas foi outra bica, vocês podem ter certeza.
Até que esse período de estudos foi divertido. Eu ficava lá, na biblioteca da PUC, lendo e caçando uns livros que poderiam ser úteis. Eu até achei um livro chamado "A miséria do jornalismo brasileiro", do Juremir Machado da Silva, que não me ajudaria em nada no concurso, mas me rendeu uma leitura muito prazerosa. O Juremir faz uma análise muito ácida e bem humorada do jornalismo que é praticado no Brasil atualmente, através de pequenos ensaios com cara de crônica que me renderam boas risadas. Destaque para as coisas que ele fala do Jô Soares e do Chico Buarque enquanto escritor. Outro dia eu volto a esse assunto, que merece um comentário à parte.
Como dizem que, hoje em dia, até sonhar está difícil, aconteceu um fato um tanto desagradável. A Fundação Carlos Chagas, organizadora do concurso, informou no site que o concurso da Câmara dos Deputados estava suspenso para reformulações no edital. Depois de pouco mais de um mês, foram publicadas as tais reformulações e, dentre elas, adivinhem?, estava um corte no número de vagas para jornalistas da imprensa escrita: de oito para UMA MÍSERA VAGA.
Primeiro eu pensei: me fodi. Depois eu pensei: vão se foder. Talvez eu tenha primeiro pensado: vão se foder, depois que eu me fodi e, finalmente, vão se foder de novo. Fui claro? Foda, não? Pelo menos havia a possibilidade para alguns prejudicados, como nós jornalistas, de pegar os R$ 123 de volta. Conversei com a Vivi sobre essa possibilidade e ela disse, depois de refletir um pouco: "É, acho que o melhor é pedir a restituição desse dinheiro à Fundação Carlos Chagas, sem ressentimentos". Isso mesmo. Sem ressentimentos e sem ódio no coração, com todo respeito à FCC, que não tem nada a ver com o número de vagas oferecidas nos concursos, pedi meus 123 reais de volta.
Ontem, no meu horário de almoço, eu fui a uma agência do Itaú, armado com a cartinha da FCC, meu RG e meu CPF. Confesso que eu estava um pouco preocupado, porque esse negócio de devolução de dinheiro, para mim, sempre foi meio obscuro. Mas não. A mulher do caixa que me atendeu disse: "Nossa, que coincidência. Eu acabei de devolver o valor de uma inscrição para concurso a uma moça" É? Ótimo. Rapidamente, eu estava com os meus R$ 122,50 - cinqüenta centavos foram para uma dessas tantas taxas administrativas.
Obrigado por devolver o meu dinheiro, FCC. Sem ressentimentos.