terça-feira, maio 29, 2007

Crise de Identidade

Depois que eu decidi voltar a fazer exercícios físicos - e o único jeito de tornar isso possível foi passando a acordar às seis da manhã - eu fiz duas redescobertas fantásticas: a primeira é que o dia tem mesmo 24 horas. Não é uma lenda urbana - ou melhor, rural. A segunda é que dormir à noite é muito interessante. Parece que a pessoa descansa. Quem faz tempo que não experimenta ir deitar umas dez, tente. Eu recomendo. Mas com moderação.

Essa recomendação, porém, está gerando um conflito muito sério com a minha própria natureza de escrevinhadeiro insone. Sim, porque, é fato que, antes de me tornar um escrevinhadeiro, eu já tive dias melhores. A começar pelo fato de que, dos meus sete anos de idade até os meus dezoito, eu estudei de manhã, o que me obrigava a acordar cedo de segunda a sexta-feira. Nas férias que eu passava na fazenda do meu tio, nas redondezas de Dourados, era necessário acordar lá pelas cinco da matina se eu quisesse tomar leite tirado diretamente da vaca. Das cinco e meia em diante, sobravam só as vacas um tanto derrubadas e o leite não era igual ao das vacas vigorosas. Pode perguntar pra qualquer sommelier de leite (lactólogo?) e ele dirá que eu não estou mentindo.
Quem diria?, pergunta Esfeluntis, o escrevinhadeiro insone já foi um madrugador? Calma, minha gente. Que fique bem claro que, aos fins de semana, eu não saía da cama antes do meio-dia nem fudendo (só pra mijar, ou vomitar, essas coisas...); que fique bem claro que, esses negócios de tomar leite da Estrela, da Pitanga, ou da Baleia, às cinco da manhã, fazia parte da curtição de um paulistano típico que passava o ano escutando o canto do canário Volkswagen e o relincho do Corcel, como diz Renato Teixeira.
Nunca fui madrugador, mas pode-se dizer que eu já cavalguei muitas vezes pelas pradarias sul-matogrossenses, montado no Petiço, ao lado dos meus companheiros Mané e Chumbão; já pesquei muito dourado, pintado, surubim, mandi e jiripoca nas águas cristalinas (agora nem tanto) do Rio Brilhante, a bordo do bote do meu tio Osmar Gileno (que bebia cachaça num vidrinho de catchup etti); já nadei (e quase me afoguei) muitas vezes no Rio São Domingos, comi fruta no pé, cacei muita galinha que depois a minha tia Air (pronuncia-se "Aír", hein?, por favor) preparava ao molho pardo no fogão a lenha; matei muita sucuri no braço; seduzi muitas camponesas estonteantes que depois foram fazer propaganda de leite de aveia Davene...
Não há dúvidas: meu lado urbano sufocou esse pequeno fazendeiro que existia em mim. Não sobrou nada desse pobre coitado, além de uma foto dele, montado no Petiço, ao lado do tio, que está pregada no mural da minha sala. Tenho saudade dele, mas, fazer o quê? Tá mortinho e enterrado. O problema é que está querendo vir à tona esse lado que quer aproveitar o dia e dormir à noite, talvez levemente influenciado pelo ruralismo que já me habitara. Isso pode compremeter seriamente o escrevinhadeiro que existe dentro de mim.
Alguém tem um bom psicanalista pra me indicar?


1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ótimo texto! Só não gostei da menção às camponesas estonteantes. Rsrs.Coisas de um bolinador...
Te amo, meu escrivinhadeiro.Bons sonhos!

1:12 AM  

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