Alcances do Fanatismo
Estava um calor de rachar, como em todos os dias do ano. O ar estava úmido, como em todos os dias do ano. O que diferenciava o dia 13 de setembro de 1975, em Boa Vista, Roraima, de todos os outros dias do ano, era um evento que mudaria a história da vida de 9.980 pessoas. Elas foram testemunhas oculares de um acontecimento que jamais se repetirá: a inauguração do estádio 13 de Setembro, mais conhecido como Canarinho, que abrigou uma rodada dupla. No jogo inaugural, Baré 2 X 0 Roraima, o jogador Reis entrou para os anais da história como o primeiro a estufar as redes (oficialmente) do estádio Canarinho. A atração principal, que todos esperavam ansiosamente, era o clássico que colocaria à prova a enorme rivalidade existente entre roraimenses e acreanos: São Raimundo-RR e Rio Branco mediriam forças diante das 9.980 supracitadas pessoas.
O jogo foi muito disputado. Logo nos primeiros minutos, o lateral-direito do São Raimundo, chamemos o rapaz de Zeca, impulsionado pelos gritos da torcida, arrancou pela direita (naturalmente), venceu os 110 metros de comprimento do estádio, parou na linha-de-fundo, olhou bem e chutou em direção à área adversária. A bola flutuou, venceu os 75 metros de largura do estádio e saiu, sem oferecer perigo à meta do goleiro... chamemos o rapaz de Mendonção. Mesmo assim, a torcida ovacionou entusiasticamente a disposição do jogador Zeca.
Era o dia de Mendonção. O arqueiro do Rio Branco, para a frustração de todos os presentes, menos os vinte e seis heróis que venceram a distância entre Rio Branco e Boa Vista para apoiar seu time, diante daquele tremendo desafio. E a desagradável viagem, dentro de um ônibus apertado e, depois, dentro de um barco mais apertado ainda, valeu a pena. Não só Mendonção realizou uma partida quase impecável (não fossem três tiros de meta que ele mandou direto pra fora e mais uns cinco chutes que ele bateu roupa), como o trio de ataque riobranquense, comandado pelo maestro Mourinha, resolvera estragar a festa dos anfitriões. Graças a esse ataque infernal, o jogo terminou 2 a 0 para os visitantes (como deveria anunciar o placar, mas o encarregado se recusou a realizar tal feito), provocando o retorno ao lar de 9.954 (9.980 menos os torcedores do Rio Branco) cabisbaixos cidadãos.
Essa singela e preconceituosa historieta é fruto da imaginação de um paulistano que tinha dificuldade de lembrar o nome da capital de Roraima e não sabia bem onde era o Acre, inspirado por um site genial que o Lino achou durante uma de suas pesquisas. O site se chama Templos do Futebol e tem fotos e informações de tudo que é estádio do Brasil. Só da cidade de São Paulo, além dos tradicionais Pacaembu; Morumbi; Parque Antarctica; Alfredo Schuring, ou Parque São Jorge, carinhosamente conhecido como Fazendinha; Rua Javari (Juventus); e Comendador de Souza (Nacional), os caras listam a existência do glorioso Ícaro de Castro Melo, no Ibirapuera e onde o Corinthians já bateu o Fluminense em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro, do qual eu havia me esquecido completamente.
A lista cita outros, como o estádio da USP e um tal Estádio do Trabalhador, no Tatuapé. Mas o bacana é que eles também citam estádios que não existem mais, como o Velódromo Paulistano (que tinha espaço pra futebol e foi demolido em 1916); e o estádio do Clube Athletico Paulistano, nos Jardins, que tinha espaço para 15 mil pessoas e foi demolido em 1950. Por aí vai, meu povo.
Os malucos também fundaram a SOCOPE - Sociedade dos Colecionadores de Postais de Estádios. Eu fico impressionado com o alcance que tem o fanatismo por esse esporte bretão, ou italiano, ou chinês, ou maia (eles usavam a cabeça dos inimigos para depois curtir uma pelada), ou zanzibarica, ou sei lá onde uns e outros dizem que nasceu o futebol
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