terça-feira, outubro 10, 2006

Os Grandes

Quando eu termino de escrever algum texto que eu considero bom, a primeira sensação que me domina é a de alívio, como se eu constatasse que a criança havia nascido com saúde. Depois vem a auto-promoção: eu tenho futuro; esse aqui ficou legal; se eu for capaz de escrever outros tantos textos desse nível, acredito que... E depois vem um medo, um medo de não conseguir escrever mais nada que preste.

Um dia, o Toninho (aquele que ama poesia e transpira pelo nariz, não sei se vocês lembram) me mostrou uma idéia do poeta W.H. Auden, que diz o seguinte:

"Aos olhos dos outros, um homem é poeta se escreveu um bom poema. A seus próprios, só é poeta no momento em que faz a última revisão de um novo poema. Um momento antes, era apenas um poeta em potencial, um momento depois, é um homem que parou de escrever poesia, talvez para sempre."

Isso explica o meu medo, pensei, apesar de não ser poeta, e de não passar de um escrevinhadeiro. Isso que o Auden disse também serve para os prosadores. Acho que serve para qualquer manifestação artística. Quando o Herman Hesse diz que ninguém aprende a ser poeta, também penso que isso serve para as outras artes. Você aprende a técnica, mas existe um elemento subjetivo na composição artística que não se encontra no mercado. E olha que eu já procurei em tudo quanto é biboca, e até no câmbio-negro (desculpem-me os patrulheiros ideológicos).

É esse elemento inexplicável e imensurável que torna possível a existência de um Cartola, por exemplo. Porque a manifestação artística é fruto de uma necessidade estranha que, muitas vezes, aflora em momentos adversos. Em geral, os grandes escritores foram grandes infelizes.
O Cervantes, por exemplo:

Cervantes era um sujeito de família muito pobre que se casou com uma mulher que o odiava e lhe enfeitava a testa constantemente. O casamento durou um ano. Antes disso, Cervantes lutou numa batalha na qual foi gravemente ferido e perdeu os movimentos da mão esquerda. Em outra expedição, no norte da África, foi feito prisioneiro e ficou cinco anos retido em Argel. Ele morreu em 1616, aos 69 anos, em Madri, um ano depois da publicação da segunda parte de Dom Quixote. Morreu pobre e completamente esquecido.

Dom Quixote é filho dessa merda de vida. Portanto, tenho uma feliz-triste notícia a fazer: nunca serei um dos grandes. Isso graças a vocês, amigos, família e Vivi.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Hoje,em um dos Seminários que eu freqüento no Sedes, estávamos comentando como Freud era um homem atormentado. E ele também foi grande.
Será que amigos, família, Vivi não ajudam que "pipas" possam voar livremente e a seu modo,independentemente da altura que alcancem?
E, afinal, o que é ser grande, não é mesmo? Ser imortal? (lembrei do livro que você tanto gosta, do Kundera, A Imortalidade).
De qualquer forma acho gostoso saber que a gente ocupa um espaço na sua criatividade.
Beijos,
M.

11:22 PM  
Blogger Tomaz Gouvea said...

Quando eu comentei sobre o Marçal Aquino, eu quis dizer que ele é um bom escritor. Ele escreve de um jeito simples, mas que dá o que pensar. Não é genial, mas genial era o Freud, o Marx, o Dostoiévski, e Deus me livre ser como eles. E é claro que vocês ocupam um espaço enorme na minha criatividade.

Beijos.

12:36 PM  
Anonymous Anônimo said...

Discordo! Mas a gente discute com uma breja (pra mim) e um suco de maçã (pra você e pra Vivi). Sem prejuízo, gostei pra caralho dos trechos que você citou. Quanto ao Cervantes, ele era o Dom Quixote...talvez se não fosse um cagado completo, o Dom Quixote seria quase parnasiano!

1:16 PM  
Blogger Tomaz Gouvea said...

Combinado. Discutiremos a questão com mais profundidade em volta de uma mesa de boteco, ou em qualquer lugar.

Abraço.

3:27 PM  

Postar um comentário

<< Home