quarta-feira, setembro 06, 2006

Odisséia

Eu acordei com uma vontade estranha de escrever sobre a Odisséia. Aí está:

Ulisses ficou vinte anos longe de casa. Foram dez anos pra combater o exército de Páris, que havia raptado Helena, em Tróia, e mais dez anos pra conseguir voltar a Ítaca, porque alguns deuses, especialmente Poseidão, o deus dos mares, ficaram putos com ele e não queriam deixá-lo voltar à sua amada Penélope. Os deuses do Olimpo eram meio afrescalhados e se sentiam ofendidos com qualquer merdinha. Poseidão ficou chateado com Ulisses só porque o guerreiro, em uma de suas aventuras, matou o gigante ciclope que, por um acaso, era filho do deus dos mares.

O pobre Ulisses ficou preso durante uns oito anos, coitado, na ilha de Calipso, uma semi-deusa gostosa pra caralho que se apaixonou perdidamente por ele e não o deixava escapar nem por um decreto. E o que fez o nosso herói, durante esses anos todos, enquanto a Calipso se insinuava, dançava pra ele e lhe oferecia manjares? Chorou. Chorou sem parar.

Então, a Odisséia (seria a aventura de Odisseu que, para quem não sabe, é o nome grego de Ulisses) começa com a deusa Palas Atena intercedendo por Ulisses no Olimpo. Ela diz a Zeus que acha que o guerreiro já sofrera o suficiente, e que ele merecia voltar a Ítaca. Zeus concorda e envia Hermes, o deus mensageiro (aquele que tem uma asinha nos calcanhares), à ilha de Calipso. Muito contrariada, a semi-deusa liberta o herói de suas garras.

Mas a questão não era lá muito simples. Claro, se a questão fosse simples não haveria a Odisséia. Ulisses estava perto de Ítaca, só que, àquela altura, todos por lá pensavam que ele estava morto, e já havia uma horda de pretendentes morando em sua casa, dilapidando seus víveres e maltratando a criada e o cachorro. Os pretendentes, de olho nas riquezas e, principalmente, na bela Penélope, não arredariam pé dali enquanto a moça não escolhesse um novo marido, e ela ia levando os sujeitos no bico com aquela história que todos conhecem, de tecer a mortalha durante o dia e desfazer tudo à noite, para que a bendita não ficasse pronta nunca.

O fato é que, se Ulisses voltasse pra casa assobiando, chegasse lá e gritasse: "Cheguei!", os ambiciosos pretendentes lhe cortariam a cabeça. Então a deusa Palas Atena vira protetora do guerreiro e lhe dá preciosos conselhos. Ulisses chega a Ítaca vestido de mendigo e ninguém o reconhece. Ninguém não: o cachorro, acho que seu nome era Argos, todo estrupiado e maltratado pelos pretendentes, encontra forças pra abanar o rabinho. Devia ser um pequinês, pra viver tanto tempo assim.

Chega uma hora em que a criada vai lavar o Ulisses vestido de mendigo e o reconhece, porque o guerreiro tinha uma cicatriz na altura do joelho, obra de uma presa de javali durante uma caçada nos tempos de menino. (A gente jogava bola quando moleque, os gregos antigos caçavam javalis.) A velha fica toda contente, mas Ulisses ameaça estrangulá-la caso ela lhe acuse o disfarce. Penélope, até então, nada percebe, e isso deixa o maridão meio enfezado.

Bom, para quem estiver interessado em encarar os 24 cantos que compõem a obra atribuída a um poeta cego chamado Homero (é uma atribuição simbólica, já que o poema épico era passado de geração em geração por tradição oral), sugiro que comece pela edição em prosa traduzida diretamente do grego pelo professor Jaime Bruna. Essa versão foi editada pela Cultrix, e não sei se está disponível no mercado atualmente. Eu acho meio difícil ir direto para a versão em versos, mas, cada um é cada um. Quem for mais preguiçoso pode comprar a Ilíada e a Odisséia na versão infantil feita pela Ruth Rocha, que é muito bem feita, editada pela Companhia das Letrinhas.

A quem tomar gosto pela coisa, como eu, sugiro ler o livro "O mundo de Homero", do historiador francês Pierre Vidal-Naquet (Companhia das Letras).

De qualquer forma, vale a pena ter acesso a uma das obras literárias conhecidas mais antigas da civilização ocidental, que deve ter cerca de três mil anos. Só uma curiosidade sobre aquela famosíssima passagem em que Ulisses está no barco e, para resistir ao encanto das sereias, amarra-se ao mastro da embarcação. As sereias não eram metade mulher e metade peixe. Elas tinham corpo de ave e cabeça de mulher. Claro, o que encantava era a voz, e não o corpo. Mas, num determinado momento da história da literatura, alguém achou que ficaria mais sexy substituir essa imagem por um rabo de peixe com o tronco de mulher.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

TÔ! Meu amigo TÔ!
Ler o seu blog diariamente é como mergulhar num mundo "Odisséico", por alguns instantes.
Valeu pela dica.
abraço, butantã

12:57 PM  
Blogger Tomaz Gouvea said...

Obrigado, meu amigo. Fico muito feliz que este espaço tenha alguma serventia para alguém além de mim.

Abraço.

5:49 PM  

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