quarta-feira, janeiro 19, 2011

Recesso

Vou imitar os nossos juízes e os nossos parlamentares. Está decretado o meu recesso. Só não aumento meu salário em mais de 60% porque me falta poder para tanto. Ô, governador, mas pelo menos 6% o senhor poderia nos dar, hein? Hein, psit? Tem jeito? Acho que não, né? A palavra de ordem agora é contingenciamento. Eita palavra bonita da gota.
Bão, mas o fato é fato: entrarei em recesso porque não tenho tido muito tempo de elaborar novos textos, nem textículos que sejam. Entonces, entrarei em recesso por tempo indeterminado e voltarei assim que os deputados e juízes do nosso país tomarem vergonha na cara. Por que você não suicida este blógui logo de uma vez, pergunta-me a plateia em uníssono.
De vez em quando, quem sabe, se me der uma luz, eu entro aqui e escrevo umas abrobinhas.

sexta-feira, janeiro 14, 2011

O Futuro de um Império

Há cerca de uma década, Michael Hardt e Antonio Negri lançaram o livro "Império", que discute o ciclo de vida das grandes potências da nossa História. Para os autores, a derrocada de um império é algo natural, que faz parte de um ciclo inevitável. Interpretei, ao ler esse livro quando eu estava na faculdade, que um dos principais fatores que levam o império à decadência é a arrogância. Explico: o império age com a certeza de que durará para sempre e poderá crescer infinitamente, até o momento em que essa superpotência, incapaz de sustentar seu próprio peso, começa a ruir.
Michael Hardt e Antonio Negri, ao falarem sobre os Estados Unidos, atual líder mundial, explicam que a nação norte-americana demonstra a nova maneira de agir de um império, que não tem mais a intenção de crescer geograficamente, como os ex-conquistadores Roma e Egito, ou os ex-colonizadores Espanha e Portugal. A Inglaterra, apesar de ter investido também em várias colônias, já inaugurava a tendência moderna de estender suas garras sobre o mundo através do domínio econômico, sem precisar expandir suas fronteiras.
E assim fizeram os Estados Unidos, que, ao fim da Segunda Guerra Mundial, consolidaram uma tendência que já havia iniciado no início do Século XX e se transformaram na maior potência do planeta. Não há uma nação no mundo, mesmo as grandes aliadas dos EUA, que não considera os norte-americanos arrogantes, mesmo que tal rótulo seja utilizado, muitas vezes, nos bastidores.
Ora, a arrogância é característica natural dos impérios, característica esta que, em algum momento, contribuirá para que eles caiam do cavalo. Não eram arrogantes os imperadores romanos, que se consideravam verdadeiros deuses? Ou os papas e os monarcas? Por que não seriam arrogantes os norte-americanos? E o resto do mundo, diante dos impérios, sempre nutriu por eles um sentimento que vai do respeito ao ódio e, sempre, seja o império que for a dominar o planeta, será enxergado pelos outros países com desconfiança.
Anunciava-se, então, a inevitável derrocada do império estadunidense? Sim, assim como Eric Hobsbawm e milhares de outros cientistas humanos já anunciam o ocaso da superpotência yankee há pelo menos uma década. E, a cada dia mais, surgem outros milhares de estudos e artigos a anunciar a China como o próximo principal império do planeta, com alguma chance para a Índia e, correndo por fora, Rússia e, até o Brasil. São os BRICs a avançar e a conquistar o terreno que era dos Estados Unidos no passado. Sim, a disputa de território, atualmente, é econômica, política, cultural.
É fato que o presidente dos Estados Unidos, ainda considerado, sem a menor dúvida, a pessoa que ocupa o cargo mais importante do mundo, não é mais venerado por onde passa como acontecia há alguns anos. E isso não tem nada a ver com racismo. Tem a ver com a perda de terreno econômico para outras nações. Estou falando esse monte de abobrinha porque outro dia eu tive que encarar uma sala de espera e lá estava uma revista Veja, com um bloco especial sobre a crise do domínio norte-americano sobre o mundo.
A matéria citava vários especialistas, muitos deles "da casa", ou melhor, norte-americanos, a dizer que os dias dos Estados Unidos como maior potência do planeta estão contados. Já anunciaram até o ano em que a economia chinesa passará a ser a maior: 2027. Para o Brasil, reservam o posto de quarta maior economia do mundo.
Quando eu ouço essas previsões macroeconômicas, não consigo evitar a comparação com previsões meteorológicas. A economia, ao meu ver, funciona como o clima. Pode ser prevista com uma certa precisão em prazos curtos, mas mudanças repentinas podem mudar tudo. Enfim, mesmo que esses caras estejam certos (quanto à decadência dos EUA eu não tenho muitas dúvidas), eu não consigo me animar muito, porque não vejo o Brasil tomando qualquer iniciativa duradoura para a diminuição das injustiças sociais. Os líderes políticos brasileiros agem com dois intuitos: faturar politicamente de maneira rápida e evitar que a bomba estoure em suas mãos.
Governa-se, por aqui, sem nenhuma visão de longo prazo, sem nenhuma intenção de se construir uma base social sólida e, é claro, com muito, mas muito, muitíssimo desperdício de dinheiro, de recursos, de riqueza de todas as ordens. Se o Brasil será a quarta maior economia do mundo, não vejo razão para comemorar. Vislumbro, infelizmente, o aumento do desperdício, das desigualdades, da corrupção.
Como pensar diferente se o Congresso Nacional está mais preocupado em aumentar seu próprio salário do que para elaborar reformas fundamentais, como a política, a tributária, a administrativa? Como pensar diferente se o Poder Executivo está sempre tão interessado em lotear cargos e em atuar de acordo com seus próprios interesses? Como pensar diferente se a grande mídia continua nas mãos de três ou quatro, se o Judiciário continua com uma mentalidade do Século XIX, se os grandes bandidos deste país, os de colarinho branco, não só estão à solta como possuem prestígio e, mais que isso, ocupam cargos públicos? Como ter esperança de dias melhores se o descaso, entra ano e sai ano, continua o mesmo?
É só ver essa tragédia das chuvas, que se repete sempre, sem que nenhuma medida seja tomada. O desastre chega, mata centenas, o governo federal publica uma medida provisória liberando recursos extraordinários para as regiões mais afetadas e, logo, ouve-se falar em desvio de grana em lugar de ser ver uma verdadeira reconstrução. Logo, vemos novas desgraças, novas catástrofes, novos descasos, novos insultos, novas cusparadas nas nossas caras.
Gil e Caetano estão certos: o Haiti é aqui. Com a diferença de que temos potencial para sermos a quarta maior potência do planeta.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

Desgaste

Luciana entrava no quarto pela quinta vez nos últimos vinte minutos.
- Já assinou o papel que eu tenho que levar pro poupa-tempo?
Jéferson sorriu e, em lugar de responder, deu mais uma puxada caprichada no seu baseado. Enfim, perguntou, com aquela voz presa:
- Que papel?
Luciana se segurou para não voar no pescoço do marido e esbravejou:
- Porra, Jéferson! Eu te pedi mil vezes pra assinar a porra do papel que eu deixei em cima da cama, caralho. Eu preciso dessa merda assinada já.
O casal já havia passado por tempos melhores. Jéferson já havia sido um promissor jogador de futebol, mas uma contusão séria, quando ele ainda tinha dezenove anos, acabou comprometendo sua carreira. Por causa de uma fratura no joelho, Jéferson ficou mais de um ano longe dos gramados e, quando voltou, nunca mais jogou bem. Foi ladeira a baixo, até que, aos 29 anos, depois de ter sido dispensado do Taquaritinga, Jéferson resolveu pendurar a chuteira.
Luciana o acompanhou por todos esses anos, com muita paciência, mas não tem companheirismo que suporte tudo e para sempre. Depois que Jéferson passou a fumar maconha sem parar, Luciana trocou as palavras de carinho e incentivo por insultos e mais insultos.
- Se eu voltar aqui e você não tiver assinado a merda do papel eu vou...
- Calma, querida. Está aqui, assinado. Pode levar pro poupa-tempo.
Na saída do poupa-tempo, tocou o celular da Luciana. Era Marcela, sua irmã.
- Oi, estou saindo aqui do poupa-tempo. Você acredita que o Jéferson não assinou o papel que eu pedi pra ele assinar? Aquele filho da puta. Pior, ele assinou, mas assinou no lugar errado. Mas eu liguei pra ele e falei um monte. Eu falei: seu imbecil, você assinou no lugar errado; por causa dessa merda, eu vou ter que voltar aqui amanhã. Sabe o que ele disse? Nada. Aí eu falei que se fosse pra fumar maconha ele tinha feito a coisa direitinho. Sabe o que o idiota falou? "Eu não enxerguei direito". Aquele maconheiro do caralho. Aí eu perguntei: onde você tem o olho, no cu? Calma o caralho, Marcela. Eu não aguento mais aquele inútil em casa. Foda-se se ele não vai aguentar o meu abandono. Não quero saber. Vou foder a minha vida por causa daquele traste?
Era a milésima vez que a Luciana ameaçava deixar o marido. Mas, se ele viciou em maconha, ela, por sua vez, viciou em xingá-lo.
Nem sempre é o amor que mantém as pessoas unidas. Aliás, raramente, dizem os mais céticos.

Gênio Adormecido

Às vezes, boas sugestões surgem do campo onírico. Ontem eu sonhei que o José Serra havia virado ator de novela. Avaliando a questão, achei a ideia excelente. Ele tem todos os requisitos para fazer parte do núcleo de atores da melhor idade da Rede Globo. Veja só, eu sou um gênio adormecido. Sou um gênio enquanto durmo. Quando acordo, minha genialidade se dissipa. É, já ouvi histórias de pessoas que falam árabe enquanto dormem e quando acordam não sabem nem o que é al-mofada.
Fica aí a dica: Cojac no Projac. Só aconselho que o Serra não faça papel de vilão, senão é capaz que ele seja alvejado por bolinhas de papel quando sair às ruas e todos sabemos que isso é muuuuuuuuuuuuuuito perigoso.
Será que hoje à noite eu vou sonhar com a Xuxa no Ministério da Educação?

terça-feira, janeiro 11, 2011

Esclarecimento Definitivo

Ficção e realidade se confundem completamente. Sempre foi assim. Os sofistas, há cerca de três mil anos, enxergavam isso e achavam que fantasiar e alterar os fatos através da emoção e de elementos subjetivos eram caracterísitica intrínseca da natureza humana. Mais que isso, essa própria "confusão", para eles, eram a REALIDADE.
No mundo ocidental, racional, formal, objetivo de hoje, segue a luta para se separar razão e emoção, ficção e realidade, mas não tem jeito. As coisas andam juntas. Simplesmente, porque não há UMA realidade absoluta, uma vez que, sempre, alguém a enxergará, e dará a ela uma interpretação. É claro que isso não dá o direito ao ser humano de mentir descaradamente a fim de se safar de suas responsabilidades.
É, de fato, uma complicação esse tal negócio de viver em sociedade. Duas cabeças, duas sentenças. Sete bilhões de cabeças, sete bilhões de sentenças. Por isso, tivemos que criar e aprimorar regras de convivência coletiva. O ser humano, por si, é incapaz de ser imparcial em questões que envolvem interesses próprios, ou de chegados. O ser humano é incapaz de viver coletivamente sem que haja algum sistema hierárquico, alguma autoridade superior, alguma coisa que diga, acima dos interesses pessoais, que o certo é isso e não aquilo, que você terá que fazer o que nós mandamos e não o que você quer (os anarquistas que me desculpem).
Inventaram, então, o Estado, que evoluiu, até se chegar na forma clássica dos três poderes, elaborada por Montesquieu, e aceita pela mesma sociedade ocidental, tradicional, formal, objetiva, legal, como a melhor fórmula para a convivência de seres humanos em grupo.
Estou com Nietzsche, que dizia: nós não nascemos para viver em sociedade. Por outro lado, se a lei número um da natureza é a perpetuação da espécie, parece-me claro que nós, humanos, estaríamos fodidos se não tivéssemos nos unido. Não teríamos como sobreviver nessa selva sem o trabalho coletivo. E o trabalho coletivo foi tão bem feito que acabou destruindo a selva, mas esse é outro assunto.
Ou seja, não nascemos para viver em sociedade, do ponto de vista subjetivo, porque é fato que cada um de nós se acha a pessoa mais importante do mundo e cada um de nós acha que os nossos próprios problemas são mais importantes, mais urgentes e mais complicados que os problemas dos outros. Mas foi questão de sobrevivência, foi para o bem da espécie humana (e para a desgraça de todas as outras espécies do planeta) que nós nos unimos. E hoje, mesmo do ponto de vista subjetivo, que sujeito, além dos eremitas, de um punhado de desiludidos radicais e dos torcedores do Botafogo, gostaria de ficar de fora do convívio social?
Então, estou e não estou com Nietzsche. E não sei se estou, porque sou um ignorante. Tudo ao mesmo tempo, na maior confusão. Esta é a minha justificativa, a minha clara explicação, o porquê deste escrevinhadeiro que vos fala gostar tanto de misturar ficção com realidade, crônicas do cotidiano com delírios, poesia com frase de banheiro. Afinal, não me pretendo a nada. Já diz o humilde cabeçalho da minha humilde página.
Não entenderam? Apedeutas!

sexta-feira, janeiro 07, 2011

Isso é que é fria

Não resisti a colocar neste espaço uma crítica do filme "Entrando Numa Fria Maior Ainda com a Família". Eu sei, também não assisti aos outros "Entrando Numa Fria" e, obviamente, não tenho a menor intenção de assistir a esse filme, nem que seja sem querer. Mas a crítica, escrita por André Barcinski, da Folha de S. Paulo (Ilustrada de 07/01/2011), está, com certeza, muito mais divertida que o filme. Parabéns, André. Você me fez lembrar aquelas sinopses hilárias que saem, às vezes, sobre os filmes que vão passar na televisão, e que mostram que, sim, algumas pessoas na Folha de S. Paulo tem senso de humor (pena que elas estão longe do conselho editorial e da diretoria executiva).
Mas que é realmente deprimente ver um ator como o DeNiro, que tem algumas atuações históricas - para citar apenas duas, lembremos de "Taxi Driver" e "O poderoso chefão 2" - participar de uma baixaria dessas, isto é. Da Barbra Streisand eu não podia esperar nada diferente, DeNiro, mas de você! Por que você não curte os seus milhões de dólares sossegadamente em algum rincão paradisíaco em vez de esmerdear seu currículo com insultos cinematográficos como esse?
Bom, segue a crítica do André Barcinski:
Elenco de estrelas constrange espectador
Terceiro filme da série "Entrando Numa Fria" revela perda de escrúpulos do cinema comercial hollywoodiano
ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA
"Entrando numa Fria Maior Ainda com a Família" é um caso raro de comédia que tem o poder de fazer o espectador sair do cinema deprimido.
Deprimido por ver astros como Robert De Niro, Ben Stiller, Dustin Hoffman, Barbra Streisand e Harvey Keitel se sujeitando a diálogos infantis e piadas de banheiro de rodoviária.
Deprimido por perceber que o cinema comercial hollywoodiano chegou ao fundo do poço e não tem mais escrúpulos de oferecer um produto claramente inacabado e feito às pressas.
Este filme é caso de Procon. Um engodo que só tem um objetivo: tentar espremer de espectadores desavisados os últimos centavos.
E não devem ser poucas as vítimas por aqui. O primeiro filme da série, "Entrando Numa Fria" (2000), foi um sucesso e surpreendeu com humor ácido e um divertido confronto entre o personagem de Ben Stiller e o sogro (Robert De Niro).
Já este é uma tragédia. Um filme sem graça em que atores no piloto automático esperam pela hora de pegar seus cheques e dar o fora.
Não existe, a rigor, uma história. Personagens são jogados no filme sem preocupação com o enredo.
Com muito esforço, foi possível identificar alguns fiapos de trama: o casal Greg e Pamela Focker (Ben Stiller e Teri Polo) quer dar uma festa de aniversário para seus dois filhos pequenos, mas a celebração é ameaçada pela incompetência de um jardineiro (Harvey Keitel).
Paralelamente, Greg é assediado por uma executiva gostosa e assanhada (Jessica Alba, de "Sin City"), para ser o porta-voz de um remédio para disfunção erétil, com consequências previsivelmente hilariantes.
As piadas envolvem flatulência, exames de próstata, preservativos que tocam música, crianças vomitando e adultos saindo no tapa em meio a uma festinha infantil.
Será que Robert De Niro precisa mesmo fazer uma cena em que toma uma injeção no pênis para curar uma ereção induzida? E pior: sendo surpreendido pelo neto de três anos?
O elenco de apoio é ótimo e desperdiçado: Harvey Keitel faz duas cenas; Laura Dern ("Coração Selvagem") interpreta uma professora "new age" e tem algumas das falas mais constrangedoras do filme. E Alba só está lá para aparecer de calcinha e sutiã.
O filme é triste. Mais triste é saber que ele liderou a bilheteria de Natal nos Estados Unidos e já rendeu quase US$ 110 milhões (cerca de R$ 184 mi), o que deve ser um sinal claro de que o fim do mundo está próximo.
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Tenho, apenas, uma ressalva à crítica de André Barcinski. Caro André, garanto a você que o cinema comercial hollywoodiano nunca teve escrúpulos. Portanto, eu não diria que é um caso de perda de escrúpulos, mas, perda de vergonha mesmo. Os caras perceberam que basta colocar atores famosos e gostosas seminuas que a coisa emplaca, então, para que disfarçar?

Crise dos 40

A crise dos trinta chegou, enfim, aos quarenta. Todos diziam que ela viria. Não sei se veio com atraso, pois os tempos mudam. A mulher balzaquiana, por exemplo, atualmente está mais para uma quarentona do que para uma mulher de trinta.
O fato é que a tal crise bateu a minha porta, enquanto eu fazia a barba. Eu estava com metade da barba feita, quando olhei meu rosto no espelho e, simplesmente, não entendi. Eu não entendi o que eu via, no que eu havia me transformado e o que raios eu fazia neste mundo. Lembrei-me do deus gozador do "Partido alto" e resolvi perguntar a essa divindade fanfarrona qual seria o significado daquela piada em forma de meia barba feita.
Quem respondeu foi a tal crise. Com um longo suspiro de alívio. "Pensei que você não tivesse inteligência suficiente para me chamar", ela respondeu. Não tive muito ânimo para tentar entender aquela situação um tanto absurda. Apenas, continuei a encarar aquela meia barba no espelho, e acabei pensando que se o Brad Pitt saísse às ruas daquele jeito, no dia seguinte haveria um exército de meias barbas pelas ruas do mundo todo. E se eu saísse daquele jeito? As pessoas: 1- ririam da minha cara; 2- me agrediriam; 3- nem notariam; 4- todas as alternativas anteriores; 5- outra alternativa que me rendesse momentos de humilhação. Eu escolheria a opção 4.
A crise, quando suspirou aliviada, estava de pura sacanagem comigo. Era óbvio que, mais cedo ou mais tarde, eu a chamaria para morar comigo. Afinal, eu nunca fui das pessoas mais empolgadas com o mundo. Acredito até ter nascido sob o signo de Saturno, assim como Walter Benjamin, que definia a si mesmo como um indivíduo melancólico.
Uma ex-namorada, ao me dar o fora, disse que me faltava joie de vivre. Ela não suportava mais aquele meu ar sombrio, sorumbático, taciturno. É fato, pessoas melancólicas, em geral, desagradam, porque não se empolgam com nada e, geralmente, são incapazes de tomar qualquer atitude na vida.
Foi assim que a louça da minha pia se multiplicou ao infinito, que o apartamento ganhou um ar meio podre, que o quarto ficou forrado de roupas jogadas para todos os lados. "Você não se importa de viver nesse chiqueiro?", minha mãe me perguntava ao entrar no meu quarto, quando eu era adolescente. Bom, naquela época eu não me importava, porque eu só queria saber de fumar maconha, jogar futebol e sonhar com as gostosas do colégio. E, depois de mais de vinte anos, ainda vivendo em um chiqueiro, se minha mãe entrasse por aquela porta e repetisse a pergunta, eu poderia dar a mesma resposta, por razões diferentes.
Sabe, mãe, eu diria: eu não me importo de viver nesse chiqueiro porque, na verdade, eu não vejo sentido na minha existência. Aliás, a senhora, talvez, fosse a pessoa certa para responder a essa minha dúvida existencial, afinal, você e meu pai é que resolveram me botar nessa. Sabe, olhando para essa barba meio feita, ou para essa meia barba feita, eu cheguei à conclusão de que eu estou no meio do Atlântico, como naquela piada manjada dos nadadores portugueses, mas eu sinto estar longe demais de Portugal para dar meia-volta e longe demais do Brasil para seguir em frente. O que fazer?
Enquanto a resposta não vinha, resolvi boiar. E deixei minha barba do jeito que estava. Minha crise me apelidou de "visconde partido ao meio". Eu gostei. E entrei naquela brincadeira. Quando dava a ela minha face barbada, eu xingava e cuspia no chão; quando dava a ela minha face glabra, ao contrário, cobria-a de mimos e gentilezas.
Viu? Quem disse que eu não tenho joie de vivre?, indagou minha face lisa? Usa expressões em francês? Além de ser um perdedor resolveu virar um viadinho?, esbravejou minha face barbada. Sentei-me no sofá, ao lado de um jornal aberto, e comecei a rir. Do riso passei ao choro. Depois olhei para o teto. Liguei a televisão. Assisti a duas novelas e a um programa religioso sem piscar. Fiz as palavras-cruzadas e o sudoku do jornal.
Depois de tantas atividades, cheguei, finalmente a uma conclusão. Estava na hora de lavar a louça.