Nós, os Primatas
Sábado eu fui com a Vivi assistir ao "Tropa de Elite 2". Confesso que eu não estava muito empolgado, mas a galera começa a assistir e a comentar e a dizer que o filme "pegou fundo" e o cacete. Então, resolvemos assistir logo. E já que era pra foder, que fôssemos a um Cinemark do shopping mais teenager de Brasília: o Pier 21. Só faltou o balde monstruoso de pipoca mergulhado na manteiga, mas tínhamos acabado de almoçar, então nos contentamos com um cone de creme de barbear do Mac Donald's.
O filme tem méritos, que identificamos entre os muitos goles de chope que demos depois. Mas, sinceramente, não vejo por que falar do filme em si. Porque o filme em si é meio esquisito, com essa versão burocrática do capitão-coronel Nascimento e com a caricatura dos milicianos representada pelo tal do Rocha. Para não falar no deputado de esquerda e em outras figurinhas carimbadas que o filme fez questão de carimbar com tinta carregada.
O filme é uma caricatura daquilo tudo que a gente já sabe. Mas, para alguns tem um efeito catártico, quando o super-herói surra um político filho da puta, e, para outros, serve de lembrete. É verdade, eu tinha me esquecido que vivemos num país corrupto, dominado por filhos da puta de todas as ordens que só querem saber de faturar alto, seja explorando butijão de gás nas favelas, seja fazendo lobby em Brasília. E, sim, o lobby em Brasília muito tem a ver com a exploração do butijão de gás nas favelas.
Obrigado, Padilha, você nos lembrou disso tudo. Agora dá licença que eu vou votar no Tiririca e, daqui a quatro anos, você me lembra de novo em Tropa de Elite 3, com o vovô Nascimento e sua furiosa bengala calibre 12. Não vale a pena falar do filme porque o filme mais parece uma novela, com a mulher que troca o herói por seu inimigo, um filho adolescente na jogada, confuso, como todo adolescente (odiar ou não o meu pai truculento?; comer uma maconheira gostosa ou defender os direitos humanos?, ou talvez, por que não, os dois?); mas, no fundo, marido 1 e marido 2 são bacanas, gostam da mulher, gostam do garoto, gostam do Rio de Janeiro e não gostam de bandidos.
É, não vale muito a pena falar do filme, porque o filme não convence enquanto filme. Então, por que cazzo estou eu falando da porra do filme?, perguntaria meu amigo Thiago Iacocca. Porque é aqui que eu quero chegar. Não vale a pena falar do filme, mas vale a pena falar das reações. Por que uma peça que conta o óbvio causa tanto espanto e indignação? Por que as pessoas consideram que o Padilha é tão corajoso? E por quê, se o filme é tão revolucionário, ganhou apoio da Prefeitura do Rio e do Governo do Estado do Rio de Janeiro, além do apio de zilhões de empresas multinacionais?
Amigos, nem aqui e nem na China, um filme revolucionário pra valer atrai tanta grana. Isso é uma contradição. Portanto, conclusão óbvia, o filme não é revolucionário. Então, por quê? Why? Pois é, capitão-coronel Nascimento e companhia, que causaram furor na sociedade brasileira, são um perfeito termômetro de como a nossa sociedade anda cada vez mais e mais alienada do processo político, social e econômico pelo qual passa o nosso Brasilzão véio de guerra. Alienada sim, seja por estar doutrinada por uma mídia pelega, perversa, vazia, retrógrada, tendenciosa e cafona, seja por opção mesmo.
Porra, o playboy acabou de votar no Tiririca, e ainda tem filho da puta-sacana que chama isso de protesto. Em seguida, ele vai ao cinema do Shopping Higienópolis e vibra com as porradas dos "caveiras" na bandidagem. A patricinha acabou de votar na titia Weslian (porque o barbudo do PT é comunista e a favor do aborto). Em seguida, ela vai lá no Cinemark do Pier 21, senta com o namoradinho três fileiras atrás de mim e fica: "Tira a mão daí, presta atenção que o filme é sério" (na verdade eu não escutei nada disso, que fique claro).
Eu estou tentando dizer o seguinte: não era pra um filme desses causar o impacto que causou. Não era mesmo. Tem seus méritos e tudo, ok, eu aceito, mas eu ouvi da boca de gente que eu julgava ser séria que esse filme "põe o dedo na ferida". Pode crer. O filme põe os pingos nos ii. Para com isso, porra. Para com isso.
Na minha opinião, o filme se perdeu, playboy. Mas quem está perdida mesmo é a nossa sociedade, ainda contaminada até a raiz dos cabelos pela mentalidade coronelista, colonialista, elitista agrária de monocultura, escravocrata e outras mazelas que definiam a sociedade brasileira de poucos séculos atrás. Nossos juízes ainda proferem sentenças absurdamente machistas, chauvinistas, preconceituosas, pelegas, defensoras de quem está com a grana; nossas Igrejas continuam com a tentativa de voltar para a Idade Média (Torquemada lives); nossos empresários ainda querem arrancar o couro de seus operários, como faziam durante a Revolução Industrial; nossa cabeça, apesar da evolução da sociedade brasileira, continua altamente influenciada pelo ATRASO.
Ô, processinho difícil. Uma vez o Dráuzio Varela falou que o problema da obesidade era muito sério porque o ser humano tem a mesma cabeça do primata, que dizia a ele mesmo: você tem que garantir sua alimentação agora, tem comer o máximo que puder, porque amanhã você não sabe se vai ter o que comer. Acontece que, hoje, não precisamos mais correr atrás da presa. Basta ir ao supermercado. Então nossa cabeça diz: você tem que comer o máximo possível porque amanhã... Aí já viu.
E o que essa merda tem a ver? Fodam-se os que exigem roteiros lineares e coerentes. Vão assistir a esse bando de filme ruim que tem por aí. Mas, essa merda tem a ver porque, assim como a cabeça "atrasada" dos primatas convive com a nossa "vida moderna", a mesma cabeça coronelista, escravocrata e monocultureira do nosso passado não tão recente ainda convive com os shopping cênteres, com as eleições democráticas e com as super-produções cinematográficas made in Brazil.
Eu escrevi esse monte de merda, afinal, só porque eu não queria falar desse filme, mas me incomodou demais essa reação exagerada das pessoas, que pareciam estar diante das profecias do oráculo. Eu tenho certeza de que o Padilha não teve essa pretensão, mas, parece mesmo que esta terra tem cada vez mais cegos, e o rapaz não é bobo e tem todo o direito de correr atrás do seu ganha-pão. Só tome cuidado, Padilha, com e mentalidade dos primatas, incompatível com o nosso modus vivendi atual (eu acho).
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