segunda-feira, outubro 04, 2010

Cacareco X Tiririca

Pois é, lá estavam os analistas políticos, dominando os canais de televisão durante a apuração dos votos em todo o País. Logo surgiu a pergunta de um telespectador, no canal Globonews, que associava Tiririca ao Cacareco. Confesso que não me lembro da pergunta.

O fato é que passaram a chamar Tiririca de “o novo Cacareco”, termo este, utilizado em outra emissora. E nenhum desses “brilhantes” jornalistas que cobrem a área de política na grande imprensa foi capaz de perceber que Tiririca e Cacareco são fenômenos eleitorais absolutamente distintos. Igualá-los, chega a ser uma ofensa àqueles que votaram em Cacareco.

Até admito a frágil teoria de que o voto em Tiririca foi um “voto de protesto”. Que protesto é esse que vai pagar a um oportunista em forma de palhaço o salário de mais de R$ 16.000,00 mensais, além de uma verba de gabinete de cerca de R$ 50.000,00 mensais? Que protesto é esse que permitiu que uma manobra, assinada por Waldemar da Costa Neto, dono do partido de Tiririca, desse tão certo a ponto de eleger mais uns quatro deputados só com a votação dele? Sim, um protesto que legitimou a eleição de um fantoche de Waldemar da Costa Neto, um fantoche analfabeto que zombou de todos nós e agora vai ficar quatro anos vivendo às nossas custas.

Admitamos, pois, que isso foi um protesto. Certo, está admitido. Agora pensemos no protesto, esse sim, que fez com que um filhote de rinoceronte do zoológico do Rio de Janeiro tenha sido “eleito” deputado com a maior votação daquele estado. Estávamos, então, em plena ditadura militar. Os milicos, para pousarem de democráticos, deixavam que ocorressem eleições diretas para as cadeiras do Legislativo, das quais participavam os candidatos que apoiavam os fardados (concorrendo pela Arena) e a oposição consentida do MDB. Cansados desse arremedo de democracia, os eleitores cariocas resolveram protestar, e criaram um candidato paralelo: o filhote de rinoceronte Cacareco, cujo nascimento havia sido largamente anunciado pela imprensa carioca.

Foi, portanto, no caso do pequeno rinoceronte, um protesto politizado, um movimento organizado de pessoas que resolveram negar aquela farsa eleitoreira comandada pelos militares. E tudo isso foi feito sem a ajuda de Internet e sob uma imprensa controlada pelo Governo. E foi feito, ainda, em tempos de votação com cédula de papel, em que as pessoas tinham que escrever no papel o nome de Cacareco.

Voltando ao fenômeno Tiririca: se foi um voto de protesto, foi um protesto totalmente despolitizado, de pessoas desinteressadas pelo processo eleitoral, analfabetos políticos, nos dizeres de Bertolt Brecht, que estufam o peito, orgulhosos, ao dizerem que odeiam política. São, também de acordo com Brecht, com quem concordo plenamente, imbecis, que não percebem que as decisões políticas influenciam no preço do pão, do leite e de tudo o que nós somos obrigados a pagar para sobreviver; não percebem que as decisões políticas influenciam na qualidade das escolas dos nossos filhos, do transporte que pegamos e da eficiência (ou falta desta) do sistema de segurança pública; não percebem que as más decisões políticas aumentam a miséria, a violência, a prostituição.
Ah, se Bertolt Brecht visse isso. Certamente, chamaria os mais de 1.350.000 pessoas que votaram em Tiririca de analfabetos políticos. Já os antigos eleitores de Cacareco, esses são exemplos de verdadeiros alfabetizados politicamente, que nada tem a ver com essas pessoas que dizem: “Só tem palhaço lá mesmo, vou votar nesse Tiririca”. Atitudes como essa só pioram a situação que, reconheço, não está nada boa. Mas, infelizmente, o slogan de Tiririca está equivocado, porque “pior que tá fica, sim senhor”.