Desabafo Eleitoral
Tenho críticas e ressalvas sérias a todos os candidatos e candidatas que aí estão. Na verdade, são meio que as mesmas de sempre. Muitas promessas vazias, total falta de clareza, visível priorização à pura e simples disputa pelo poder em detrimento de qualquer projeto de médio e longo prazo para a nossa nação etc.
O que muito me preocupa no momento, entretanto, é o contínuo processo de despolitização do povo brasileiro. Quando as ditas elites estavam no poder, tal processo era de se esperar. Afinal, ninguém quer criar raposa e depois colocar para cuidar do galinheiro. Porém, o que se vê, desde que as ditas “forças progressistas” assumiram o poder (e aqui incluo tanto FHC quanto Lula), é o reforço desse mesmo processo de sempre.
Chego a duas conclusões, tão óbvias quanto tristes. A primeira é: as mesmas velhas elites continuam no poder, ou, senão, continuam a influenciar decisivamente nas ações governamentais e no direcionamento básico das políticas públicas. Isto é, mesmo que o mais fervoroso dos petistas consiga me convencer de que, com a eleição do presidente Lula, finalmente, houve uma quebra nas estruturas de poder, tal quebra não fora suficiente para sequer frear o movimento de emburrecimento da população brasileira como um todo. Tentarei falar sobre o conceito de emburrecimento mais para frente.
A segunda conclusão, ainda mais óbvia que a primeira, é que podemos constatar com uma clareza difícil de refutar, depois desses pouco mais de vinte anos de neodemocracia, que o que está em jogo é única e simplesmente a disputa pelo poder e suas artimanhas para se perpetuar nele, ou retomá-lo, dependendo do ponto de vista.
Este texto está repisando o óbvio, eu sei, mas não pude evitar o impulso de colocar em palavras a minha mais profunda desesperança com o futuro. Teria eu virado, com menos de quarenta anos, um anulador de votos, daqueles que esbravejam, ao dizer: “É tudo a mesma merda”? Eu sei, não é tudo a mesma merda. E isso é o que mais me entristece.
Entristece-me ver uma figura política da mais alta importância, feito o Presidente Lula, contribuir tão fortemente para o processo de despolitização, processo este que ele, por diversas vezes, condenou fortemente. Para que serve, então, colocar um Lula lá?, me pergunto. Para também ele esquecer o próprio passado?
Sim, porque, muita gente já havia se perguntado: para que colocar na presidência da República um intelectual do gabarito de Fernando Henrique Cardoso? Para ele esquecer o que escrevera? A reação a esta constatação foi procurar por Lula, que, a seu modo, repetiu a trovinha cantada por FHC.
Ora, então é tudo a mesma coisa! Não, insisto. Não é. Mas, no final das contas, o resultado está sendo muito parecido. Fernando Henrique Cardoso, intelectual, professor respeitado no mundo inteiro, que construíra sua vida acadêmica embasado em ideais de esquerda, acabou por acomodar-se no poder, e nada fez para que o processo de emburrecimento (olha ele aí novamente) da nossa população fosse evitado. Isto, vindo de qualquer presidente, é um pecado. Vindo de um Presidente-Professor, é uma profunda lástima.
Depois veio Lula, sustentado por um discurso de negação àquele que negara seu próprio passado. Lula representava os movimentos sociais, a luta sindical, a estruturação da esquerda pé-no-chão, e não aquela que pede a cabeça dos imperialistas e ainda discute se Stalin mandou ou não mandou matar Trotski. Lula conseguiu o que nenhum intelectual de esquerda havia conseguido no Brasil: mobilizar as massas. Sim, mobilizar as massas. Era o sonho daqueles que correram feito suicidas para a luta armada contra uma ditadura fortemente patrocinada pelo Capital. E os corpos daqueles que tombaram contra o aparelho do Estado devem estar até hoje aguardando pela ajuda da União Soviética e da China.
Lula conseguiu. Lula conseguiu alcançar o poder. Estaria o povo, então, no poder? Claro que não. Minha ingenuidade não chega a este grau de absurdez. Mas, confesso, eu acreditava, pelo menos, que a eleição de Lula pudesse servir para frear um pouco a despolitização tão condenada por ele mesmo e, talvez, quem sabe, dar voz a alguns setores esquecidos da sociedade que tanto desenvolveram idéias e projetos para um desenvolvimento menos descompassado do nosso povo. Um deles, talvez o principal, devesse ser a Universidade, aquela que dera a FHC o instrumento para ser o FHC.
Não foi o que aconteceu. Infelizmente, o emburrecimento continua, a despolitização do processo eleitoral continua, e segue mais um capítulo de uma briga de foice entre dois partidos que conseguiram polarizar a disputa por um poder vazio, que não significa muito mais que acalmar uma sede insaciável por favorecimentos, comissões, cargos, licitações viciadas, loteamento de recursos e de posições estratégicas do Estado. Para não falar na disputa de egos pelo troféu “Caudilho do Século XXI”, a ser entregue pelos futuros historiadores.
Afinal, o que tenho por emburrecimento? Tenho por essa expressão, primeiramente, o óbvio: o sucateamento do sistema educacional. A maneira mais cruel e eficiente de cortar o mal pela raiz. Ensinamos nossas crianças a escrever o próprio nome, reduzimos o índice oficial de analfabetismo a praticamente zero e, ao mesmo tempo, cultivamos analfabetos funcionais for export, que, inofensivos, não saberão se voltar contra nós. É essa a idéia básica.
Além disso, emburrecer significa estimular o sentimento de repúdio contra o outro ao mesmo tempo em que se enaltece uma idolatria cega pelo “salvador da pátria” da vez. Então, tem-se, de acordo com petistas, que: o governo FHC foi neoliberal, privatizou tudo a torto e a direito, afundou o país ainda mais em dívidas, enfraqueceu nossa rica nação, subjugou o povo brasileiro diante das potências mundiais, reforçando, basicamente, nosso papel de planta ornamental de um vasto jardim pertencente aos Estados Unidos da América. Enquanto Lula seria o caudilho, o cavaleiro da esperança, o homem do povão que nos devolvera auto-estima e que conseguira, com sua simplicidade, humildade e procedimento (Viva a Gaviões da Fiel), livrar nosso país das amarras das grandes potências internacionais e, finalmente, colocar-nos em uma posição de respeito perante os outros povos.
Por outro lado, tem-se, de acordo com tucanos: o governo Lula não passa de uma mistura de pirotecnia, recauchutagem daquilo que já existia, suborno aos desvalidos, ao se vitaminar os programas de assistência social (que também já existiam), com o mais condenável dos aparelhamentos do Estado, estimulando-se a criação de cargos comissionados, todos loteados entre aliados obscuros e figuras nefastas que só pensam em adquirir seu próprio quinhão da cada vez mais absurda carga tributária. FHC, por outro lado, teria sido a sábia figura que conseguiu acabar de vez com a inflação, permitindo que o Brasil obtivesse hoje um crescimento sustentável (que seria ainda maior, não fosse a sanha de aliados ao governo Lula que só pensam em encher seus próprios bolsos e cuecas), o que demonstraria, também, uma profunda ingratidão por parte do atual governo. FHC teria posto o Brasil nos trilhos, teria semeado para que seus sucessores pudessem colher seus frutos, mas acabaria apunhalado pelas costas feito Júlio César (até tu, povo brasileiro?).
Sei que este texto nada tem de novidade, nem, por assim dizer, de construtivo. Esquerdistas de plantão, ao lerem essas palavras, acusar-me-iam de reacionário, enquanto os reacionários me tachariam de subversivo deprimido. Ambos diriam que sou anacrônico. E, qual seria a conclusão diante dessas tristes palavras? Seria este um manifesto em favor ao voto nulo? Meu coração até diria que sim, mas o que me resta de razão diz: temos que fazer algo para combater o processo de emburrecimento.
O discurso eleitoral está absurdamente vazio, pautado, única e exclusivamente, por acusações destrutivas de parte a parte. E, até hoje, não se elaborou sequer um esboço de um projeto para a nação brasileira que nos tirasse do vergonhoso posto de um dos campeões mundiais em desigualdade na distribuição de renda. Eu sei: caímos, aqui, na velha discussão, já alimentada exaustivamente por grandes acadêmicos como Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Júnior, de sermos fruto de uma colonização de exploração, realizada por povos ibéricos que tenderiam a enfraquecer as instituições.
Não tenho o menor gabarito para entrar nessa seara, portanto, guardarei, humildemente, minha colherzinha no bolso. Não falarei das resistências da elite coronelista que até hoje domina os meios de comunicação de massa; do estímulo às monoculturas; dos banqueiros com seus tais spreads e outras sacanagens que os enriquecem a cada dia mais; dos fundamentalistas de plantão; dos quatrocentões que moram em Higienópolis, no Leblon e em outros bairros nobres das grandes cidades; dos novos ricos que só querem se fazer de importantes e dar carteiradas por aí; das telenovelas que vendem um sonho preconceituoso de felicidade cor-de-rosa, asséptica, num mundo dominado por brancos bacanas que toleram uns poucos negros limpinhos.
Não me aprofundarei em nada disso porque não é o meu propósito aqui e, também, porque não tenho gabarito, como já disse. Meu intuito, de fato, foi o de desabafar e, acima de tudo, de tentar dar algum estímulo à politização do processo eleitoral. Devemos ser capazes de discutir projetos, ideais, caminhos para o futuro. Agora, se de fato há futuro, esta é outra discussão, que deixarei para outro desabafo.
O que muito me preocupa no momento, entretanto, é o contínuo processo de despolitização do povo brasileiro. Quando as ditas elites estavam no poder, tal processo era de se esperar. Afinal, ninguém quer criar raposa e depois colocar para cuidar do galinheiro. Porém, o que se vê, desde que as ditas “forças progressistas” assumiram o poder (e aqui incluo tanto FHC quanto Lula), é o reforço desse mesmo processo de sempre.
Chego a duas conclusões, tão óbvias quanto tristes. A primeira é: as mesmas velhas elites continuam no poder, ou, senão, continuam a influenciar decisivamente nas ações governamentais e no direcionamento básico das políticas públicas. Isto é, mesmo que o mais fervoroso dos petistas consiga me convencer de que, com a eleição do presidente Lula, finalmente, houve uma quebra nas estruturas de poder, tal quebra não fora suficiente para sequer frear o movimento de emburrecimento da população brasileira como um todo. Tentarei falar sobre o conceito de emburrecimento mais para frente.
A segunda conclusão, ainda mais óbvia que a primeira, é que podemos constatar com uma clareza difícil de refutar, depois desses pouco mais de vinte anos de neodemocracia, que o que está em jogo é única e simplesmente a disputa pelo poder e suas artimanhas para se perpetuar nele, ou retomá-lo, dependendo do ponto de vista.
Este texto está repisando o óbvio, eu sei, mas não pude evitar o impulso de colocar em palavras a minha mais profunda desesperança com o futuro. Teria eu virado, com menos de quarenta anos, um anulador de votos, daqueles que esbravejam, ao dizer: “É tudo a mesma merda”? Eu sei, não é tudo a mesma merda. E isso é o que mais me entristece.
Entristece-me ver uma figura política da mais alta importância, feito o Presidente Lula, contribuir tão fortemente para o processo de despolitização, processo este que ele, por diversas vezes, condenou fortemente. Para que serve, então, colocar um Lula lá?, me pergunto. Para também ele esquecer o próprio passado?
Sim, porque, muita gente já havia se perguntado: para que colocar na presidência da República um intelectual do gabarito de Fernando Henrique Cardoso? Para ele esquecer o que escrevera? A reação a esta constatação foi procurar por Lula, que, a seu modo, repetiu a trovinha cantada por FHC.
Ora, então é tudo a mesma coisa! Não, insisto. Não é. Mas, no final das contas, o resultado está sendo muito parecido. Fernando Henrique Cardoso, intelectual, professor respeitado no mundo inteiro, que construíra sua vida acadêmica embasado em ideais de esquerda, acabou por acomodar-se no poder, e nada fez para que o processo de emburrecimento (olha ele aí novamente) da nossa população fosse evitado. Isto, vindo de qualquer presidente, é um pecado. Vindo de um Presidente-Professor, é uma profunda lástima.
Depois veio Lula, sustentado por um discurso de negação àquele que negara seu próprio passado. Lula representava os movimentos sociais, a luta sindical, a estruturação da esquerda pé-no-chão, e não aquela que pede a cabeça dos imperialistas e ainda discute se Stalin mandou ou não mandou matar Trotski. Lula conseguiu o que nenhum intelectual de esquerda havia conseguido no Brasil: mobilizar as massas. Sim, mobilizar as massas. Era o sonho daqueles que correram feito suicidas para a luta armada contra uma ditadura fortemente patrocinada pelo Capital. E os corpos daqueles que tombaram contra o aparelho do Estado devem estar até hoje aguardando pela ajuda da União Soviética e da China.
Lula conseguiu. Lula conseguiu alcançar o poder. Estaria o povo, então, no poder? Claro que não. Minha ingenuidade não chega a este grau de absurdez. Mas, confesso, eu acreditava, pelo menos, que a eleição de Lula pudesse servir para frear um pouco a despolitização tão condenada por ele mesmo e, talvez, quem sabe, dar voz a alguns setores esquecidos da sociedade que tanto desenvolveram idéias e projetos para um desenvolvimento menos descompassado do nosso povo. Um deles, talvez o principal, devesse ser a Universidade, aquela que dera a FHC o instrumento para ser o FHC.
Não foi o que aconteceu. Infelizmente, o emburrecimento continua, a despolitização do processo eleitoral continua, e segue mais um capítulo de uma briga de foice entre dois partidos que conseguiram polarizar a disputa por um poder vazio, que não significa muito mais que acalmar uma sede insaciável por favorecimentos, comissões, cargos, licitações viciadas, loteamento de recursos e de posições estratégicas do Estado. Para não falar na disputa de egos pelo troféu “Caudilho do Século XXI”, a ser entregue pelos futuros historiadores.
Afinal, o que tenho por emburrecimento? Tenho por essa expressão, primeiramente, o óbvio: o sucateamento do sistema educacional. A maneira mais cruel e eficiente de cortar o mal pela raiz. Ensinamos nossas crianças a escrever o próprio nome, reduzimos o índice oficial de analfabetismo a praticamente zero e, ao mesmo tempo, cultivamos analfabetos funcionais for export, que, inofensivos, não saberão se voltar contra nós. É essa a idéia básica.
Além disso, emburrecer significa estimular o sentimento de repúdio contra o outro ao mesmo tempo em que se enaltece uma idolatria cega pelo “salvador da pátria” da vez. Então, tem-se, de acordo com petistas, que: o governo FHC foi neoliberal, privatizou tudo a torto e a direito, afundou o país ainda mais em dívidas, enfraqueceu nossa rica nação, subjugou o povo brasileiro diante das potências mundiais, reforçando, basicamente, nosso papel de planta ornamental de um vasto jardim pertencente aos Estados Unidos da América. Enquanto Lula seria o caudilho, o cavaleiro da esperança, o homem do povão que nos devolvera auto-estima e que conseguira, com sua simplicidade, humildade e procedimento (Viva a Gaviões da Fiel), livrar nosso país das amarras das grandes potências internacionais e, finalmente, colocar-nos em uma posição de respeito perante os outros povos.
Por outro lado, tem-se, de acordo com tucanos: o governo Lula não passa de uma mistura de pirotecnia, recauchutagem daquilo que já existia, suborno aos desvalidos, ao se vitaminar os programas de assistência social (que também já existiam), com o mais condenável dos aparelhamentos do Estado, estimulando-se a criação de cargos comissionados, todos loteados entre aliados obscuros e figuras nefastas que só pensam em adquirir seu próprio quinhão da cada vez mais absurda carga tributária. FHC, por outro lado, teria sido a sábia figura que conseguiu acabar de vez com a inflação, permitindo que o Brasil obtivesse hoje um crescimento sustentável (que seria ainda maior, não fosse a sanha de aliados ao governo Lula que só pensam em encher seus próprios bolsos e cuecas), o que demonstraria, também, uma profunda ingratidão por parte do atual governo. FHC teria posto o Brasil nos trilhos, teria semeado para que seus sucessores pudessem colher seus frutos, mas acabaria apunhalado pelas costas feito Júlio César (até tu, povo brasileiro?).
Sei que este texto nada tem de novidade, nem, por assim dizer, de construtivo. Esquerdistas de plantão, ao lerem essas palavras, acusar-me-iam de reacionário, enquanto os reacionários me tachariam de subversivo deprimido. Ambos diriam que sou anacrônico. E, qual seria a conclusão diante dessas tristes palavras? Seria este um manifesto em favor ao voto nulo? Meu coração até diria que sim, mas o que me resta de razão diz: temos que fazer algo para combater o processo de emburrecimento.
O discurso eleitoral está absurdamente vazio, pautado, única e exclusivamente, por acusações destrutivas de parte a parte. E, até hoje, não se elaborou sequer um esboço de um projeto para a nação brasileira que nos tirasse do vergonhoso posto de um dos campeões mundiais em desigualdade na distribuição de renda. Eu sei: caímos, aqui, na velha discussão, já alimentada exaustivamente por grandes acadêmicos como Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Júnior, de sermos fruto de uma colonização de exploração, realizada por povos ibéricos que tenderiam a enfraquecer as instituições.
Não tenho o menor gabarito para entrar nessa seara, portanto, guardarei, humildemente, minha colherzinha no bolso. Não falarei das resistências da elite coronelista que até hoje domina os meios de comunicação de massa; do estímulo às monoculturas; dos banqueiros com seus tais spreads e outras sacanagens que os enriquecem a cada dia mais; dos fundamentalistas de plantão; dos quatrocentões que moram em Higienópolis, no Leblon e em outros bairros nobres das grandes cidades; dos novos ricos que só querem se fazer de importantes e dar carteiradas por aí; das telenovelas que vendem um sonho preconceituoso de felicidade cor-de-rosa, asséptica, num mundo dominado por brancos bacanas que toleram uns poucos negros limpinhos.
Não me aprofundarei em nada disso porque não é o meu propósito aqui e, também, porque não tenho gabarito, como já disse. Meu intuito, de fato, foi o de desabafar e, acima de tudo, de tentar dar algum estímulo à politização do processo eleitoral. Devemos ser capazes de discutir projetos, ideais, caminhos para o futuro. Agora, se de fato há futuro, esta é outra discussão, que deixarei para outro desabafo.
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