Pode ser a gota d'água
Finalmente, parece que a subserviente sociedade brasileira, criada para ser capacho de coronéis, para ser cúmplice de bandidos do colarinho branco e para vestir o cabresto e levar chicotadas no lombo sem reclamar, está chegando a um ponto de esgotamento. Os moradores de bairros pobres, faz tempo, já temiam muito mais a polícia que os próprios bandidos. Para eles, policial é sinônimo de violência, agressão, arbitrariedade, repressão, que podem sempre levar à morte, pois, vestindo uma farda, amparado pela lei e com uma 38 na cintura, está um homem despreparado, assustado e tremendamente mal remunerado.
Esse homem fardado, transformado em peão numa guerra que só tem vilões, é jogado na linha de frente da batalha, em meio aos civis da classe baixa, estes sim, peões de obra, transformados em escudos pelos traficantes que dominam as favelas. Esses peões, quase todos pretos, se chocam o tempo todo e, certamente, leva a melhor aquele que está armado.
Enquanto isso, no andar de cima dessa guerra civil, encontram-se as altas autoridades, os políticos e os bandidos do colarinho branco, todos reunidos em volta de uma luxuosa mesa de mármore, a discutir as regras de um jogo de cartas marcadas.
O jogo parece estar fugindo ao controle dos reis, rainhas e bispos, pois seus peões andam matando, também, figuras da classe média, uma importante aliada do poder, por ser ela, amedrontada pela idéia de despencar de classe social, a engrossar politicamente as idéias mais retrógradas e atrasadas, que emperram de vez a máquina do Estado brasileiro. Também é a classe média que, por não ter para onde correr, sustenta boa parcela da sanha arrecadatória dos sucessivos governos. Afinal, os pobres não podem pagar muito, e os ricos têm como sonegar, como evadir divisas e, também, têm como conseguir gordos incentivos fiscais.
Pois bem, meus senhores, é a classe média que, de vítima preferencial dos assaltantes - já que é muito arriscado sair por aí roubando os ricos, que têm como blindar carros, pagar seguranças particulares (muitas vezes policiais) e morar em verdadeiras fortalezas - tem sofrido ataques também dos peões do poder. É cada vez mais comum ouvirmos nos noticiários que as confusões dessa nossa polícia despreparada têm feito vítimas fatais que fogem ao velho padrão: preto, pobre, fudido (esses podiam morrer às pencas que ninguém ligava). Nas ações dos PMs, também têm morrido comerciantes, pequenos empresários, profissionais liberais e seus filhos.
O que fazer? A alta cúpula manda chamar o secretário, que manda dar um aperto no delegado, que dá um esporro no comandante da operação, que coloca dois soldadinhos de chumbo na geladeira, aquela que eles costumam chamar de prisão administrativa. Sim, o fato vai ser apurado. Mas nenhuma mudança estrutural acontece, e a polícia continua agindo com a cegueira da justiça e com o dedo leve de um Billy the kid.
Enquanto os governos batem recordes e mais recordes de arrecadação, a polícia bate recordes de matança, e a violência, nas enormes, nas grandes, nas médias, nas pequenas e nas minúsculas cidades só aumenta. A classe média anda cada vez mais assustada, e não se contenta mais com uma ou outra notícia de peixe grande sendo capturado pela Polícia Federal. Eles não passam de bois de piranha. Afinal, as autoridades têm que justificar, às vezes, o fato de estarem arrecadando cada vez mais e mais e mais, sem que as coisas de fato melhorem nesse nosso velho oeste.
A alta cúpula que se cuide, pois parece que a paciência da subserviente população brasileira está se esgotando. O caso da morte do moto-boy no Rio de Janeiro, que gerou uma revolta desorientada de pessoas que saíram quebrando agências bancárias e queimando carros, é um indício disso. As pessoas estão a ponto de explodir e, até a classe média, fiel aliada da bandalheira nacional, anda insatisfeita.
O que acontecerá conosco? Não percam os próximos capítulos desse emocionante bangue-bangue à brasileira.
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