quarta-feira, novembro 21, 2007

Aula de manipulação

Às vezes eu me lembro que sou "jornalista" e me dá uma dor de cabeça danada. Depois, sinto leves náuseas, para em seguida resolver falar sobre o comportamento da grande imprensa.
Quero falar da queridíssima Folha de S. Paulo. A Folha, de vez em quando, gosta de mostrar que sabe manipular notícias como ninguém. Temos um bom exemplo, didático, eu diria, esta semana. Apresentemos os fatos em ordem cronológica:
Domingo, 18 de novembro - a Folha solta a seguinte manchete: "Cisco usou laranja para doar R$ 500 mil ao PT, afirma PF". Na página A-4, repete o slogan: "Cisco utilizou (em lugar de "usou") laranjas (desta vez no plural) para doar R$ 500 mil ao PT, diz (em lugar de "afirma") PF.
Segunda-feira, 19 de novembro - a Polícia Federal divulga a seguinte nota: "A Polícia Federal em São Paulo, em referência à matéria 'Cisco utilizou laranjas para doar R$ 500 mil ao PT, diz PF', publicada pelo jornal Folha de São Paulo edição de 18.11.2007, comunica à imprensa que não se pronunciou sobre o andamento das investigações referentes à Operação Persona, deflagrada no dia 16.10.2007. Referida investigação corre sob segredo de justiça e o vazamento das informações de caráter sigiloso configura infração criminal que será apurada, como em casos anteriores, através de inquérito policial a ser instaurado nos próximos dias nesta Superintendência" (Grifo meu)
Também na segunda, o jornalista Mário Magalhães, ombudsman da Folha, escreveu o texto "Conexão Cisco-PT", dizendo que os indícios encontrados em inquérito policial são de interesse público e devem ser divulgados. Depois de elogiar o trabalho jornalístico dos repórteres, o ombudsman escreve: "Ao contrário do que informou a manchete de domingo, a Polícia Federal não fez afirmação alguma. O que há é 'interpretação de policiais', como se leu na pág. A4 de ontem ("Cisco utilizou laranjas para doar R$ 500 mil ao PT, diz PF"; "dizer" a PF não disse).
Terça-feira, 20 de novembro - A Folha solta a seguinte matéria: "PF investigará vazamento de informações". Lendo essa matéria, fica-se sabendo que a "interpretação de policiais", que a Folha classificou em manchete ser a opinião oficial da instituição, e depois repetindo essa farsa várias vezes, trata-se de opinião de três delegados que aceitaram dar entrevista, desde que não fossem identificados. Para piorar, a Folha simplesmente jogou no meio da matéria a segunda parte da nota da Polícia Federal: "Referida investigação corre sob segredo de justiça..." Pois é, a Folha não teve a decência de publicar a nota completa da Polícia Federal. E por quê? Porque a primeira parte desmente diretamente o jornal.
Mandei um e-mail ao ombudsman, que voltou ao assunto hoje, mas nada mencionou sobre essa manipulação da Folha. Não estou exigindo que o Mário Magalhães, que é um jornalista de verdade, chegue considerar o meu (jornalista de mentira) e-mail. Apenas, fico eu pensando: estou completamente louco em achar que o que a Folha fez foi um absurdo?
Antes que alguém diga que isso é "papo de petista", eu quero dizer que a questão não é essa. O PT recebeu dinheiro da Cisco a fim de favorecê-la em uma licitação da Caixa Econômica Federal? Ora, eu não me surpreenderia nada com isso.
A questão é: 1 - a Folha joga uma informação em sua manchete como sendo feita oficialmente por uma instituição; 2 - Na matéria, transfere a narração da história para a boca dessa instituição várias vezes: "segundo a PF"; "a pergunta que a PF se faz é..." - na maior intimidade, diga-se de passagem, como se Folha e PF fossem dois velhos amigos a falar de futebol a uma mesa de bar; 3 - Posteriormente, a instituição nega que tenha feito a afirmação estampada na manchete do jornal; 4 - A Folha, na maior caruda, diz que conseguiu as informações através de entrevistas com três delegados, confessando, portanto, que foi no mínimo leviana ao atribuir à instituição Polícia Federal a opinião de três pessoas que não estavam autorizadas a revelar as informações que deram e, 4A - A Folha cita a nota da PF, de maneira completamente jogada, omitindo a parte que põe em cheque a lisura do jornal.
Sou um louco idiota ou estamos nós diante de uma fraude jornalística? Por favor, alguém me ajude, antes que eu acabe enfurnado em um hospício.
Em tempo: Acabou de chegar em minha caixa de entrada a seguinte mensagem, assinada pelo jornalista Mário Magalhães: "Caro Tomaz, obrigado pela mensagem. Encaminhei-a à Redação, com pedido de resposta à sua indagação sobre a não-publicação da nota da PF. Na crítica de hoje, terça-feira, comentei em nove notas a cobertura em curso (...)"
Essa resposta do jornal, se vier, virá sob a velha roupagem de que "foi decisão editorial do jornal, por considerar que a parte relevante da nota era a que falava sobre o fato de a investigação estar correndo sob segredo de justiça". Para finalizar com chave-de-ouro, o jornal ainda diria: "Agradecemos a participação do(a) senhor(a), por enriquecer sobremaneira os nossos ideais democráticos e a nossa busca incansável pelo aprimoramento, que fizeram da Folha de S. Paulo o jornal mais lido do Brasil". Ou seja, vão acabar transformando uma crítica minha em um elogio a eles.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

O importante é continuar se indignando.
Miriam

8:17 PM  

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