Confusões Iniciais
O sol começou a nascer na altura de Cosmópolis. Como a viagem estava apenas começando, eu encontrei nesse fato uma coincidência cósmica que me fez rir. Acho que eu precisava encontrar qualquer motivação possível para encarar aqueles mil quilômetros de estrada que eu tinha pela frente. A ansiedade da véspera da viagem me impediu de ter uma noite maravilhosa de sono, que deveria anteceder uma aventura dessas.
Eu pretendia acordar às três e meia da manhã para sair de São Paulo lá pelas quatro. Acabei acordando meia-noite e vinte, pronto para pegar estrada. Felizmente, uma voz sensata que mora dentro de mim, não sei bem onde, me disse para não cometer tamanha loucura, porque eu acabaria ficando podre de cansaço lá pelas seis da manhã, e não teria condições de conduzir o carro até Brasília. Forcei-me, então, a voltar à cama.
Às três e meia, o despertador tocou, interrompendo meu sono leve e agitado. Resolvi tomar um banho, comer um sanduíche e tomar um copo de leite. Carreguei as poucas coisas que ainda restavam enfiar no carro e fui com fé em direção à Marginal Tietê. Fui com tanta fé que acabei pegando a Marginal para o lado errado. Merda, pensei, comecei bem. Fiz o primeiro retorno e entrei na Rodovia dos Bandeirantes um pouco antes das cinco da manhã.
Estrada tranqüila. Tranqüilíssima, por sinal. Era o que eu pretendia ao sair tão cedo, além de querer chegar a Brasília com o dia ainda claro. Lá pelas sete e quinze da manhã, parei em um posto de Santa Rita do Passa Quatro a fim de comer um pão de queijo e tomar um café com leite. Também aproveitei para tirar uma água do joelho, me encarar seriamente no espelho e perguntar: você é um homem ou um rato? Qüi-qüi-qüi para você também, seu bundão.
A parada seguinte já foi em solo mineiro, para abastecer o carro e mandar ver mais um pão de queijo e mais um café com leite. No caso, foi um leite com café, mas tudo bem. Acho que eram umas dez e tanto da manhã. Eu ainda estava a mais de quinhentos quilômetros de Brasília. Mas era perto da metade do caminho, pelo menos em quilômetros, porque eu sabia que, passando de Uberlândia, acabaria aquela mordomia de pista larga, sem preocupação com ultrapassagens. Eu sabia disso porque, assim que saiu a nomeação da Vivi, passei em uma banca e comprei o Guia Quatro Rodas de estradas. Eu poderia me considerar um motorista preparado para a empreitada. Pelo menos na teoria.
A BR-50, que é a continuação da Anhangüera em solo mineiro, também estava passando por umas obras, e isso atrasou um pouco a viagem. Mas eu segui tranqüilo. Aqui, aproveito para dizer que cometi o erro de deixar para almoçar em Goiás. Nada contra a culinária goiana, que ninguém me interprete mal. O problema é que, nesse trecho de Goiás pelo qual a estrada passa, não tem nada. Não tem nada mesmo. É um lugar inabitado, onde a estrada passa por serras e é cercada de pastos e mato. Só. Para se ter uma idéia do que eu estou falando, depois de uns quinze ou vinte quilômetros que eu estava em Goiás, avistei uma placa que indicava a cidade de Catalão dali a dez quilômetros. Depois de muito tempo – eu já havia me esquecido da existência de Catalão, deparei com outra placa: limite de município Catalão-Campo Alegre. Se você olhar no mapa, uma cidade fica a cerca de oitenta quilômetros da outra. Entre elas, nada além de mato, gado e milhares de conjuntos habitacionais para cupins.
O tempo foi passando, a fome foi apertando e eu não encontrava um lugar para almoçar. Eis que eu vejo uma daquelas placas azuis com desenhinhos de uma bomba de gasolina e um prato acompanhado de talheres, anunciando um posto para dali a 100…quilômetros. Puta que o pariu, pensei. Onde é que esses caminhoneiros comem por aqui? Acho que eles calculam para almoçar uma boa comidinha mineira, antes ou depois de atravessar esse deserto. Quando eu já havia me conformado com aquela situação monástica, vi uma placa que indicava: Cristalina a 50 quilômetros. Alguma voz me falou: Cristalina é a salvação. Cristalina é o point, pode ir com fé. De fato, Cristalina era o point. Mas eu pensei: estou tão perto de Brasília, não são nem três da tarde, eu estou com calor, cansado, quero mais é chegar logo.
Resultado: parei num posto ajeitado de Cristalina, apenas, para comer uma coxinha e tomar uma Coca. A coxinha seguia os padrões Homer de qualidade. Estava como o diabo gosta, pingando óleo e deixando o guardanapo completamente transparente. Delícia. Depois dessa maravilhosa refeição, segui em frente, que eu estava a uns cento e cinqüenta quilômetros de Brasília. Pelas minhas contas, eu chegaria à nossa querida capital federal lá pelas quatro, quatro e meia da tarde. E cheguei mesmo.
Foi quando o problema de orientação (ou falta desta) começou. Estava eu na BR, ou na DF, sei lá, quando vi uma placa: Plano Piloto à direita. Fui seco e acabei chegando em Brasília pela Avenida das Nações, uma das poucas avenidas aqui que têm nome, que passa pelo meio do setor das embaixadas. Isso eu sei agora, que vi no mapa da cidade. Mas naquele instante eu não sabia nada. Pensei: é só seguir em frente que uma hora eu chego ao tal eixo monumental, certo? Errado.
Perdido e cansado – e é muito difícil pedir informações aqui em Brasília, porque não tem onde encostar o carro e existem pouquíssimas pessoas nas ruas – eu rodei um pouco, até que vi uma placa do outro lado que indicava: eixos. Fiz o retorno, todo feliz, pensando que em poucos instantes eu estaria rodando pelo eixo monumental. Mas não me perguntem por quê, senhoras e senhores, porque nem eu sei responder, resolvi seguir uma placa que indicava: eixo L. Lá fui eu pelo eixo L, que me levou à região central de Brasília, no meio de um certo trânsito. Afinal, a essa altura, já eram quase cinco da tarde.
Rendi-me às evidências e perguntei a um senhor do carro ao lado: como eu faço para ir ao Sudoeste? Ele fez uma cara um pouco desanimada e disse que o único jeito era voltar. “Você vai ter que voltar pelo eixo monumental”. Pois é, como eu fazia para pegar o eixo monumental? – a Vivi tinha me dito que, estando no eixo monumental, era só passar o Memorial JK, aquele da foice com o Juscelino acenando embaixo, e virar à esquerda depois do estacionamento, numa placa que indicava: Sudoeste. É, mas eu não sabia a qual lado do eixo monumental ela se referia.
Enfim, aquele senhor ficou com uma certa pena de mim e pediu para que eu o seguisse. Segui, até que ele parou e disse: eu fico aqui, você pega aquela ali à direita que vai dar no eixo monumental. Ufa, lá estava eu, no eixo monumental. Ao subir por ele, avistei o Santo Graal, ou melhor, a foice do Memorial JK. Maravilha, pensei. Está certo que eu errei mais um pouquinho e tive que circundar o Memorial JK duas vezes, mas consegui entrar no Sudoeste. É, só que existe mais de uma entrada para o Sudoeste. Nós moramos nas quadras mistas, mas eu acabei entrando nas quadras residenciais. Acho que foi mais ou menos isso. Até agora eu não sei direito. Só sei que me perdi dentro do Sudoeste e liguei para a Vivi: não sei onde estou, mas estou no Sudoeste. Depois de algumas conversas e de alguns pedidos de explicação, acabamos nos entendendo e a Vivi foi me encontrar de táxi.
Fim? O cacete. Eu e a Vivi nos perdemos mais ainda por dentro do setor residencial do Sudoeste. Olha, andar por dentro das quadras aqui é coisa para profissional. Os novatos têm que circular pelos tais eixinhos, que depois eu explico o que são (depois eu também falo sobre as malditas tesourinhas), ou pelas ruas principais dos bairros. Perdemo-nos, recebemos informações equivocadas (aqui também acontece isso) e estávamos meio ao deus dará, até que a Vivi viu o Instituto de Meteorologia e disse: “Já sei, porque de um lado do Instituto ficam as quadras residenciais e do outro as mistas; portanto, nós temos que contorná-lo para ir às quadras mistas, que estão do outro lado. Entendeu?” É claro que eu não entendi, mas fiz o que ela mandou. Acabamos caindo novamente no eixo monumental e pegamos a entrada certa: Sudoeste – quadras mistas. Depois dessa longa novela, conseguimos chegar em casa: QMSW – 5, lote 4, Bloco A, apartamento 122. É muito para a minha cabeça bagunçada de paulistano. Mas eu chego lá.
Para finalizar, quero dizer que o nosso apartamento é pequenininho, mas estamos bem instalados. Quem quiser se aventurar por aqui será bem-vindo. A localização também é ótima. Estamos na bunda do avião, perto de tudo, tanto do eixo monumental quanto da rodovia que leva para algumas cidades-satélites. E o melhor: estamos muito perto do Parque da Cidade, que parece um Parque Ibirapuera do cerrado. É enorme e muito gostoso. Eu fui correr lá hoje pela primeira vez e foi foda, porque o ar é muito seco e nós paulistanos não estamos acostumados. Por isso, corri na manha e cansei rápido. Depois eu tomei uma das águas de coco mais saborosas da minha vida – pode-se dizer que ela salvou a minha vida. Depois eu me dei mal, porque fui almoçar num tal de “Bom Paladar”, que fica no Setor das Indústrias Gráficas e, digamos que a comida não era das melhores. Mas a televisão estava ligada no Globo Esporte e eu fiquei sabendo que o Corinthians trucidou mais um adversário. É bom que as coisas melhorem, senão, no ano que vem, o Corinthians será obrigado a jogar aqui no Mané Garrincha, contra o Gama, pela segunda divisão, e eu não estou a fim de encarar essa.
(Este texto foi escrito na quinta-feira, 16 de agosto de 2007)
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home