sexta-feira, julho 20, 2007

Vítima Perfeita

Com 30 anos de idade, eu posso começar a desconfiar: acho que eu tenho cara de otário. Vários fatos me levaram a considerar essa hipótese e, um deles, está ligado ao curto período - somente dez anos - em que eu freqüentei a PUC como estudante. Ao longo dessa década, fui abordado diversas vezes por membros da Juventude Católica que tentaram me convencer a participar de um encontro muito animado. Diziam os sujeitos, que mudavam, mas o discurso era sempre o mesmo, que se tratava de um encontro sem compromisso, sem a finalidade de convencer ninguém a fazer nada que não quisesse (perceberam a sutileza da dupla negativa?); depois eles diziam que os encontros eram legais à beça, que eles praticavam esportes e se divertiam muito. Fiquei com vontade de perguntar se rolava um sangue de Cristo pra acompanhar ou se eu seria obrigado a encarar aquilo de cara limpa mesmo. Mas, como eu sou educado, ou bunda-mole, apenas agradeci e saí pela tangente.
Depois de um tempo, conheci um coitado que caiu nesse conto do vigário. Aqui, preservarei a identidade desse pobre rapaz que, vindo do interior para estudar na USP, foi abordado por uma dessas figuras que proferiu o exato discurso já mencionado. É, o pessoal da Juventude Católica pode ser chato, mas não é burro. É óbvio que eles vão atacar nessas situações, digamos assim, de desamparo das vítimas. E era justamente a situação do personagem em questão, que chegou sozinho, sem conhecer ninguém, em uma universidade cujo campus era maior que a cidade dele, sem exagero. Ouviu aquela ladainha toda e pensou: não tenho nada pra fazer, não conheço ninguém, por que não? De repente até eu fico íntimo de uma beatinha interessante e, vamos ver quem vai converter quem.
Reproduzo aqui o depoimento do meu infeliz amigo:
"O encontro foi num sábado ensolarado, lá no Parque do Ibirapuera. Quando eu cheguei, fui recebido com um sorriso caloroso pelo sujeito que havia me abordado na USP. Eu dei aquela olhada pra ver as possibilidades que poderiam haver com alguma católica e não fiquei muito animado, mas, pensei: pelo menos vou jogar uma bola. Que nada. A galera sentou em círculo, cada um sacou a sua Bíblia e o líder do bando começou: hoje nós vamos ler o salmo não sei das quantas. Tudo bem, pensei. É assim mesmo. Primeiro se reza e, depois, diverte-se. Nada feito. O encontro ficou naquilo. Leitura da Bíblia e só. Fui embora puto da vida, cheio de vontade de quebrar a cara daquele católico de merda".
O que ele esperava? Um encontro cheio de emoções? Ninfetas fogosas, loucas por sexo, que só freqüentavam aquele negócio como álibi para suas tardes de luxúria? Não, ele esperava um proselitismo básico combinado com um futebolzinho. Mas só teve proselitismo básico. Por que será que a Igreja Católica perde adeptos a cada dia que passa? É, foi-se o tempo que essa turma era boa de marketing.
Outro fato que me faz desconfiar que eu tenho cara de otário é a quantidade de vezes em que eu sou abordado por essa gente que fica na rua caçando vítimas que aceitem pedir um empréstimo. A palavra certa é "caçando" mesmo. Já vi abordagens assustadoramente agressivas, a ponto de uma mulher desferir uma bolsada, muito merecida por sinal, num carinha desse Taií, que é do Itaú. A turma do Itaú é a pior de todas. Tanto que eu comecei a ter medo de gari, porque eu vejo de longe aquela roupa laranja e penso: fodeu. Vá se foder.
O pior é que eles usam táticas sórdidas. Pode perceber que, em 99% dos casos, as taiisetes abordam homens e os taiisudos abordam as mulheres. E eles vêm que vêm, já perguntando pro coitado da vez: "Quer dinheiro?" Ora, eu aprendi desde criança que, se alguém te oferece dinheiro, foge que é roubada. Ou é pedófilo, ou estelionatário, ou banco querendo te armar alguma presepada.
Alguém poderia me dizer: mas isso é com todo mundo. Ser abordado por esses Taií, Cacique, Finasa, Lojas Americanas e sei lá mais o quê não pode ser caracterizado como indício para que eu me sinta um otário. Sim, isso seria um caso clássico de mania de perseguição! Pode ser, mas eu ainda acho que comigo a coisa é exagerada. Espero que seja, senão o mundo está perdido.
Agora, devo dizer, essas abordagens estão ferindo o direito adquirido dos hare krishnas de serem os chatos mais inconvenientes da nossa sociedade. Logo logo vai ter uma manifestação não tão pacífica deles debaixo do vão livre do MASP. Sabe-se lá do que essa gente é capaz quando resolve perder a calma.