Autêntico Chato
Já que eu sou o chato que responde a perguntas retóricas, deixa eu aproveitar a fama e ser ainda mais chato, um chato de galocha que, de acordo com um e-mail que o Aldo me mandou, é um chato reforçado (a galocha era usada para reforçar o calçado e, assim, protegê-lo da chuva); ou, um chato que chega de mansinho e pega a todos de surpresa (o chato que vestia a galocha conseguia chegar sem fazer barulho). Deixa eu ser chato, o chato que ninguém quer ouvir (além de família e um ou outro amigo), mas que continua falando, falando e falando. Pior, falando como um autêntico jornalista, aquele que não entende nada e se mete a falar de tudo.
Por isso acontecem absurdos como certa vez em que um infeliz escreveu "mandato de segurança". Entrou com um mandato de segurança? O que seria isso? Também li ontem, ou anteontem, no IG, uma matéria que afirmava, lá pelas tantas, que o Lula discursava "sobre aplausos". E outras barbaridades por aí afora. É óbvio que eu cometo barbaridades a rodo, não precisa procurar muito. Um chato tão chato quanto eu poderia caçar os zilhões de erros de todas as espécies que eu cometo a cada texto. Ora, se eu domino ou não o vernáculo, isso é questão de foro íntimo. Digo em minha defesa que, neste espaço, privilegio a linguagem coloquial, tá ligado?
É isso aí. Eu não tenho coluna na grande imprensa e não gasto os tubos pra fazer pose de membro do quarto poder. Eu só tenho um ajudante analfabeto e, Deus me livre, não sou formador de opinião - eu seria incapaz de dormir à noite. Depois de colocados os pingos nos ii, vamos a mais uma chatice extraída com todo carinho da minha caríssima Folha de S. Paulo. É uma chatice mesmo, porque eu sei como as coisas são corridas em uma redação. Mas, fazer o quê?, sou chato. Por isso, gostaria de falar sobre a legenda abaixo de uma foto do inofensivo Renanzinho, aquele que é vítima de uma conspiração fenomenal, que responde por um processo "kafkiano" - se todos que dizem isso tivessem realmente lido "O processo", tal livro seria um best seller de desbancar a Bíblia.
De volta à legenda em questão. Lá está Renanzinho, sozinho, sentado em uma cadeira de estofamento azul que é uma beleza. Diante dele, uma mesa. Que fique bem claro: diante dele, uma mesa com tampo de vidro. Sobre a mesa, o que eu vejo? Pilhas de papéis. Mas, o que acabou vendo o repórter que escreveu a legenda? O próprio Renanzinho. Diz a legenda: "Renan Calheiros sentado em sua mesa no plenário do Senado". Sentar em, meu caro jornalista, é sentar sobre. E não adianta acusar o pobre Renanzinho de falta de educação, pois a foto lá está para comprovar que ele estava sentado em sua (na verdade nossa, porque faz parte do patrimônio público) cadeira.
Talvez ele quisesse dizer: "Renan Calheiros sentado a sua mesa no plenário do Senado" Professor, não teria crase aí? - pergunta-me Esfeluntis. No que eu respondo com um ar de acadêmico que vai ao teatro assistir às peças do Gerald Thomas: "Tanto faz, meu filho. Em casos de preposição antecedendo pronome possessivo feminino, o uso da crase é facultativo".
Eu sei que é chatice minha, seu. Não precisa ficar bravo. Ninguém fala: "sentado à mesa do bar". Nós dizemos sentado na mesa do bar. Mas tá errado, porra! Retomando a seriedade que a situação exige, trata-se de um errinho bobo, um coloquialismo. Sou até a favor desse tipo de erro, porque, afinal, a língua é dinâmica. Agora, uma coisa eu não posso engolir. O erro seguinte, logo no lide (lead para os íntimos) da matéria: "Renan Calheiros acompanhou a reunião da Mesa Diretora trancado em seu gabinete de senador, sala aonde não costuma despachar desde que virou presidente do Senado..." "Sala aonde não costuma despachar"? Essa foi foda, meu caro Ranier Bragon (é o nome do repórter que assina a matéria). Pô, Ranier, eu só vou te dar um desconto porque, com esse nome, você deve ser estrangeiro. Neste caso, até uma criança sabe: usa-se "onde", ou "em que". Nunca o "aonde", que serve para indicar movimento, como na pergunta: "Aonde você foi, meu filho?"
Só uma curiosidade, pra finalizar. Essa matéria, intitulada "'Não arredarei o pé da presidência', afirma senador", encontra-se na página A-5 da Folha de hoje. Ao lado do texto, há uma errata do Carrefour, que diz o seguinte: "Prezados clientes, informamos que, devido a um erro de produção no catálogo do Carrefour, com validade de 3 a 9/7/07, o preço divulgado na Churrasqueira Supreme Grill Heyne está errado. O preço correto é R$ 99,90, e não conforme anunciado". Essa churrasqueira compôs muito bem com a matéria sobre o Renanzinho, não? É ou não é o país da piada pronta?
Quanto será que estava custando essa churrasqueira de nome maravilhoso, de acordo com o catálogo? Aposto em R$ 9,90. O que deve ter chovido de churrasqueiro querendo aproveitar a promoção...
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