quinta-feira, dezembro 07, 2006

Luta de Classes

Tá cada vez mais difícil voltar pra casa por aqui. Ontem na estação Sé foi um perereco, como diria a minha sogra. Ficou tudo tão entupido de gente que não cabia mais ninguém nas plataformas de embarque. Enquanto isso, os trens demoravam, ou não abriam as portas para entrar mais passageiros. Quando um trem vazio passou direto, buzinando (acho que eu nunca tinha ouvido buzina de metrô), eu pensei que a multidão ia se revoltar. Sim, ontem na Sé, lá pelas 18h45, meus amigos marxistas, por pouco não estourou a revolução. Se tivesse um líder carismático por ali, alguma coisa teria acontecido nesta cidade.

Depois de muito sufoco, dentro de um vagão apinhado de gente, alguém comentou que era uma sacanagem essas chuvas caírem justamente na hora dos trabalhadores irem pra casa. Pensei em dizer que não foi a natureza que inventou o horário comercial, mas eu não sou um líder carismático. E idéias assim são perigosas, porque é capaz que alguém sugira estender o horário de trabalho.

Eu não sou mesmo um líder carismático, mas a situação já estava suficientemente desagradável dentro daquela lata de sardinha quando uma mulherzinha do metrô falou pelo sistema de som: "utilize as áreas em frente às portas apenas para o desembarque; caso contrário, vá para os corredores". Quer dizer que a filha da puta pensava que as pessoas estavam ocupando as áreas em frente às portas só para deleite, para apreciar a não-vista que existe dentro daqueles malditos túneis? Não agüentei e respondi àquela voz: "Como se tivesse espaço físico...", mas meu protesto não provocou nada além de um risinho solidário de um cara que estava apoiado a uma das paredes do vagão.

Não sei se a revolução não vai pra frente pela falta de líderes carismáticos ou pela capacidade do ser humano de se acostumar com tudo. Talvez por nenhuma dessas razões, ou pelas duas e mais umas tantas, como o fato de a grande mídia, que "educa" a população e define os padrões de beleza e de certo ou errado, estar nas mãos de quem quer tudo menos mudanças estruturais.

Quando eu estava quase em casa, lembrei que não haveria nada para comer. Então eu fui até a antiga padaria Global, atual padaria Trigonela (que nome horrível para uma padaria, não?) pra comprar um lanche. Na hora de pagar, a chuva voltou com toda a força. Resolvi, então, comer uns salgados e tomar um guaraná, até que aquela água toda desse uma trégua. Sobre a minha cabeça, havia uma maldita televisão, adivinhem?, ligada na Globo. E lá estava eu, novamente, vítima de uma novela. Aquela se chamava "Pé na jaca", com aquelas atrizes de sempre e um ator que eu não sei o nome, mas que eu nunca vi vestindo uma camisa. Diante daquela situação periclitante, resolvi que era melhor tomar chuva do que ficar ali.

No momento em que eu ia pagar a minha conta no caixa, chegou um sujeito de uns cinqüenta anos atrás de mim e começou a dizer: "Que meninas idiotas que trabalham aqui. Qual é a idade delas, hein?" O caixa, visivelmente constrangido, respondeu: "Uns vinte e poucos, acho..." E o sujeito continuou: "Mas a idade mental é quinze. Você tenta conversar como adulto e não consegue. O jeito é tratar como..." Ele não completou a frase, talvez por falta de coragem, porque não seria difícil adivinhar o que viria.

O sujeito estava indignado porque, ao puxar conversa com uma das atendentes da padaria, falou: "Que chuva, hein? Onde você mora alaga?" Um tanto ofendida, ela respondeu: "Eu moro no Campo Limpo, lá não alaga não; onde alaga é aqui na Oscar Freire". Claro, porque deve ser só isso que as pessoas perguntam quando se dignam a falar alguma coisa com ela além de: "me dá quatro pãezinhos que não estejam muito queimados e nem muito pálidos".

O fato é que o freguês em questão ficou ainda mais ofendido que ela, e respondeu, segundo suas próprias palavras, assim: "Você é burra, a Oscar Freire fica perto da Paulista, a região mais alta da cidade; aqui não alaga nunca". Quando as pessoas perguntam onde eu moro e eu repondo "na Oscar Freire", sempre segue à minha resposta um comentário em tom zombeteiro que equivaleria a: "Que cara burguês", porque o nome Oscar Freire virou grife, como aquele punhado de lojas chiques que existem nos Jardins.

Como eu já disse aqui, não adianta querer ficar neutro, porque a batalha social está armada. Morador da Oscar Freire, eu seria um dos primeiros a serem fuzilados pelos revolucionários. O duro vai ser ficar no paredão ao lado daquele sujeito a dizer: "Aqui na Oscar Freire não alaga nunca, seus ignorantes, por mais que vocês derramem sangue".

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Fala Toão. Curti bastante essa crônica. Bem legal mesmo. Parabéns.

Abs

7:05 PM  
Anonymous Anônimo said...

fala Tozão!!!
cara, no temporal de ontem eu também tava numa padoca, e a maior parte da galera fica bebendo breja na calçada que tem umas mesinhas. Tipo padaria Bar. Rapaz na hora que o temporal apertou todos entraram na padoca e o local que não é nada grande ficou parecido com o trem que você pegou. Só que eu fiquei expremido entre os biscoitos de povilho e o balcão dos bolos. Ainda bem que não tinha nem um mala como esse que você descreveu enchendo o saco, bom pelo menos não no meu metro quadrado

Abração velho!

Júlio

7:09 PM  
Anonymous Anônimo said...

Sabe a Lapa de baixo? Pois é, você mora na Oscar Freire de baixo. E eu, está na escritura, moro em Santa Cecília. Quem sabe vamos ser os últimos da fila no fuzilamento. E, com sorte, podemos morrer antes do coração e gritando (ou sussurrando):"sempre fui de esquerda", "sou pela justiça social", etc e tal.
Beijos, Miriam

9:20 PM  

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