Nota Cinco e Meio - Parte III
Para não dizer que o Ivan não fazia nada além de elevar o próprio ego milhas acima de tantas mentes contaminadas por lixo cibernético, é preciso registrar que ele gostava de passar exercícios livres de reportagem. Nós tínhamos que sair por aí atrás das notícias e voltar na aula seguinte com uma reportagem escrita. Sem orientação, porque ele dizia que as orientações não serviam para nada além de viciar o aluno, que estava na idade de treinar o faro. De qualquer forma, nosso mentor defendia que jornalismo não se ensinava. "Ou você nasceu pra coisa, ou é melhor se esconder dentro de uma sala acarpetada com ar condicionado". O papel dele, ali, era ajudar a desenvolver talentos, caso houvesse algum naquela sala. O restante que se preparasse para virar assessor de imprensa do pai Celso de Ogum, redator publicitário, ou vendedor da Natura.
Portanto, os tais exercícios livres de reportagem serviam para que o aluno descobrisse se tinha ou não vocação pra coisa. O verdadeiro jornalista iria pegar um ônibus e se enfiar na periferia da cidade, atrás da história de uma dona de casa que sustenta onze pessoas com um salário mínimo e ainda recolhe cachorros e gatos da rua; o verdadeiro jornalista iria seguir o catador de papelão até o lixão municipal e, lá, entrevistaria até os urubus. Depois, ele enfiaria o dedo sujo de merda na cara das autoridades; o verdadeiro jornalista não sossegaria até encontrar um desafio grandioso; o verdadeiro jornalista perderia noites de sono para entregar ao professor uma reportagem diferente, que escapasse das amarras da mesmice.
Mas os alunos voltavam com matérias feitas nas coxas, dez minutos antes da aula. Chegavam ao Ivan calhamaços de entrevistas com o vendedor de cachorro-quente da Rua Monte Alegre, ou com o dono da banca em frente à PUC, ou com o taxista que trabalhava no ponto ao lado da banca. O mais longe que alguém ousava pisar, no máximo do espírito aventureiro, era a três quarteirões dali, para realizar a centésima milionésima quinta reportagem sobre os flanelinhas que operavam ao redor da universidade.
Estávamos diante de uma disputa feroz entre a frustração e a mediocridade, entre a melancolia e o comodismo. Eu era capaz de imaginar o Ivan, com o rosto contorcido pela dor, tomando umas cervejas no boteco em frente à redação da revista Super Engine e lendo aquele monte de reportagens que mais lembravam redações com o tema: “minhas férias” – redações cheias de erros grotescos de crase e concordância, escritas por analfabetos de luxo que nunca botaram o tênis Nike fora do circuito 3Vilas: Madalena-Mariana-Olímpia. “Imagina se esse bando de bostinhas tivesse que encarar os carniceiros do DOPS e do CCC”, o Ivan diria a si mesmo, respirando fundo. Definitivamente, ele não ficaria só na cerveja. Aquele lixo todo só desceria com algo mais forte.
No dia da devolução das reportagens, todos entravam preparados para o fuzilamento, mas no segundo mês de aula, o Ivan já não tinha forças. Ele simplesmente devolvia os exercícios sem dizer nada, e nós guardávamos rapidamente aquelas redações que retornavam da mesma maneira que tinham sido entregues: sem nenhuma anotação, sem nenhuma correção de vírgula, sem nada além do número 5,5 no canto superior esquerdo da folha. Logo o professor recuperava o fôlego e retomava os porres, o saudosismo inoperante, a vida quase desesperadora na redação da Super Engine.
O resultado daquele choque de gerações era zero. O Ivan nunca contribuiu e nós nunca contribuiríamos em nada para melhorar merda nenhuma.
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. QUALQUER SEMELHANÇA COM FATOS E NOMES SERÁ MERA COINCIDÊNCIA.
Portanto, os tais exercícios livres de reportagem serviam para que o aluno descobrisse se tinha ou não vocação pra coisa. O verdadeiro jornalista iria pegar um ônibus e se enfiar na periferia da cidade, atrás da história de uma dona de casa que sustenta onze pessoas com um salário mínimo e ainda recolhe cachorros e gatos da rua; o verdadeiro jornalista iria seguir o catador de papelão até o lixão municipal e, lá, entrevistaria até os urubus. Depois, ele enfiaria o dedo sujo de merda na cara das autoridades; o verdadeiro jornalista não sossegaria até encontrar um desafio grandioso; o verdadeiro jornalista perderia noites de sono para entregar ao professor uma reportagem diferente, que escapasse das amarras da mesmice.
Mas os alunos voltavam com matérias feitas nas coxas, dez minutos antes da aula. Chegavam ao Ivan calhamaços de entrevistas com o vendedor de cachorro-quente da Rua Monte Alegre, ou com o dono da banca em frente à PUC, ou com o taxista que trabalhava no ponto ao lado da banca. O mais longe que alguém ousava pisar, no máximo do espírito aventureiro, era a três quarteirões dali, para realizar a centésima milionésima quinta reportagem sobre os flanelinhas que operavam ao redor da universidade.
Estávamos diante de uma disputa feroz entre a frustração e a mediocridade, entre a melancolia e o comodismo. Eu era capaz de imaginar o Ivan, com o rosto contorcido pela dor, tomando umas cervejas no boteco em frente à redação da revista Super Engine e lendo aquele monte de reportagens que mais lembravam redações com o tema: “minhas férias” – redações cheias de erros grotescos de crase e concordância, escritas por analfabetos de luxo que nunca botaram o tênis Nike fora do circuito 3Vilas: Madalena-Mariana-Olímpia. “Imagina se esse bando de bostinhas tivesse que encarar os carniceiros do DOPS e do CCC”, o Ivan diria a si mesmo, respirando fundo. Definitivamente, ele não ficaria só na cerveja. Aquele lixo todo só desceria com algo mais forte.
No dia da devolução das reportagens, todos entravam preparados para o fuzilamento, mas no segundo mês de aula, o Ivan já não tinha forças. Ele simplesmente devolvia os exercícios sem dizer nada, e nós guardávamos rapidamente aquelas redações que retornavam da mesma maneira que tinham sido entregues: sem nenhuma anotação, sem nenhuma correção de vírgula, sem nada além do número 5,5 no canto superior esquerdo da folha. Logo o professor recuperava o fôlego e retomava os porres, o saudosismo inoperante, a vida quase desesperadora na redação da Super Engine.
O resultado daquele choque de gerações era zero. O Ivan nunca contribuiu e nós nunca contribuiríamos em nada para melhorar merda nenhuma.
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. QUALQUER SEMELHANÇA COM FATOS E NOMES SERÁ MERA COINCIDÊNCIA.
1 Comments:
1) Gostei do Texto; 2) Não consigo falar com a sua muié, então vou dizer aqui mesmo: convite: eu e a kakau vamos para a praia neste fds próximo, e gostaríamos de convidar vc e a vivi para irem conosco :)
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