domingo, novembro 05, 2006

Nota Cinco e Meio - Parte II

Aqueles adolescentes babacas, dos quais eu fazia parte, eram chamados de estúpidos, idiotas, vazios, cretinos, filhinhos de papai, preguiçosos, ignorantes, vendidos, insossos e outras coisas. Isso acontecia todas as aulas, invariavelmente. E os insultados saíam pelos corredores da PUC a dizer: nossa, o Ivan é foda mesmo; nossa, o cara é genial; nossa, aquilo é que é jornalista. Nunca se perguntavam: se esse sujeito é tão bom, por que virou esse alcoólatra de merda, editor de revista vagabunda, professor de uma matéria ridícula do primeiro ano de uma faculdade falida? Nunca se perguntavam, justamente, porque eram - eu inclusive - todos uns babacas, estúpidos, idiotas, vazios...

Uma vez eu arrisquei fazer uma crítica ao Ivan. Cheguei para a Débora e falei que o nosso querido professor estava prestes a culpar a nossa geração porque nós não havíamos passado pelos augúrios da ditadura militar. "Ele fala como se fosse preciso ter as unhas arrancadas para ser um bom jornalista". Eu já esperava por uma represália, já que a Débora, ainda por cima, trabalhava com o Ivan na Super Engine. Fui surpreendido quando ela me disse que não agüentava mais aquele boçal que, no fundo, não passava de um ególatra ultrapassado.

A Débora começou a trabalhar na Super Engine antes mesmo de entrar pra faculdade de jornalismo. De família dura de grana, ela sabia que, se quisesse realizar o sonho de ser repórter, teria que começar cedo. Caso contrário, seria inevitável encarar o emprego de caixa de banco. Com o salário que a Débora ganhava na revista, dava pra pagar metade da mensalidade da PUC. A outra metade foi lançada ao futuro com uma bolsa restituível. Que mulher. Não passou na ECA por duas vagas e ainda conseguia rir disso. "Já pensou? Eu não teria te conhecido".

Já pensei, muitas vezes. E não gostei. Sem a presença da Débora, teria sido muito difícil aturar aquela faculdade filha da puta; teria sido melhor acatar os conselhos do Ivan. É verdade que o Ivan enchia as nossas cabeças de abobrinha e que, na verdade, ele não passava de um verme. É verdade, porém, que a nossa turma era composta por idiotas completos que não queriam nada com nada. Ninguém por ali seria grande coisa na profissão - tirando a Débora e o Artur. Sim, o Ivan tinha razão em muitas coisas. O que me irritava é que o imbecil se dedicava exclusivamente a alimentar um ódio profundo ao jornalismo praticado hoje em dia e um desprezo absoluto por qualquer pessoa que não tivesse vivido a repressão dos anos 1960 e 70.

Em resumo, o Ivan não contribuía em nada para resgatar os tais valores que ele dizia perdidos. Como professor (assim como na vida), era um fracasso absoluto. Ele não fazia nada além de vomitar por uma hora e meia uma arrogância mofada e decadente. Em um ano de curso, o equivalente a umas sessenta horas - gastas basicamente com heróicas passagens de auto-promoção e críticas tão certeiras quanto vazias ao jornalismo da era da Internet - eu aprendi apenas uma coisa: o jornalista é uma das figuras mais abjetas que compõem a nossa democracia participativa.

Continua...