terça-feira, novembro 21, 2006

Encosto

Era comum que eu acordasse no meio da noite com a sensação de que morreria em breve. Meu lado fortemente hipocondríaco acusava uma pontada no peito, ou inventava uma dorzinha onde fosse. Eu não acordava assustado. Simplesmente acordava e saboreava esse incômodo. Não havia nada que pudesse ser feito e ponto.

Depois de tomar um copo d’água, eu voltava a me acomodar no sofá e tentava me conformar, porque, realmente, não havia nada que pudesse ser feito. Logo cedo a claridade invadia a sala e quase me despertava, até que a dor nas costas acabava por me expulsar o sono. Quanto mais cedo eu acordava, melhor eu me sentia, porque isso significava mais tempo só para mim naquele apartamento abafado.

Eu separava uns trocados e corria até a padaria para comprar pão e leite. O pão, àquela hora, estava sempre quentinho e com a casca crocante. De volta ao lar, não era raro acontecer de algum sujeito que eu nunca vira antes aparecer de cueca e se assustar com a figura de outro homem a passar um pão com manteiga na frigideira. Passado o impacto, normalmente eu recebia um meio bom dia e o silêncio se instalava, pesado. A maioria devia pensar: só pode ser parente dela, portanto, devo tratá-lo bem. De fato, a maioria tentava, de uma maneira ou de outra, me agradar, ou fingir que estava tudo bem.

Logo aparecia a Joana, de camisola, com cara de sono. Ela também tentava fingir naturalidade, mas sempre recusava qualquer coisa que eu oferecesse. “Você sabe que eu acordo sem fome”. O rapaz da vez se chamava Roberto. Ele gostou de mim. Conversamos, bebemos café e ele quase se sentiu à vontade para perguntar quem eu era. Se ele tivesse perguntado, eu teria respondido? Talvez. Mas ele não perguntou nada e saiu para o trabalho engravatado e com o cabelo cheio de gel, dizendo que tinha sido um prazer. “Dá um beijo na Jô e diz pra ela que eu ligo mais tarde”.

Naquela manhã, a Joana levantou tarde. Eu estava assistindo a uma partida de pólo aquático quando ela perguntou se o Roberto já saíra. Eu respondi que sim e que ele dissera que telefonaria mais tarde. “Ele também disse que você é maravilhosa”, menti. A Joana riu e abriu a geladeira e a porta de todos os armários, dizendo que estava faminta. “Você não acorda sem fome?” Ela respondeu que eu sabia muito bem que não, e que eu ficasse calado antes que ela perdesse a paciência comigo e me atirasse escada abaixo com sofá e tudo.

Quase perguntei se aquele Roberto era coisa séria, mas preferi ficar na minha. O jogo de pólo aquático estava realmente emocionante. A Joana, antes de sair de casa, como em todos os dias, me lançou um olhar de desprezo, e eu pensei, como em todos os dias, enquanto a morte me cutucava o pé: ela jamais me daria outra chance.