domingo, setembro 17, 2006

Quinto dos infernos

A polícia invadiu a Vila Jacu disposta a vingar a morte do cabo Almeida, ocorrida na noite anterior em um bar ali perto. Daquela vez, quem pagou foi o Paulão, sujeito trabalhador, admirado pela comunidade. Mas o coxinha não quis nem saber e foi logo dando a letra da lápide: “Um preto fodido a menos no mundo”.

Depois os gambés enfiaram mais uns oito no camburão sem conversa e debaixo de porrada e, nessa leva, dançou o irmão do Josias, que já andava revoltado. Mais revoltado ficou quando, naquela mesma tarde, apareceu por lá um oficial de justiça com escolta e tudo expulsando uma galera daquela “ocupação irregular”. Mais uma vez na rua, mais uma vez enxotados, uma senhora ainda perguntou: “pra onde nós vamos, moço?” O oficial falou que não era com ele e que ele só estava cumprindo ordens do juiz.

Foi então que o Josias resolveu aceitar o trampo do traficante e quando a mulher se opôs ao projeto dele teve que ouvir que “o seu papel de mulher é ficar quieta, fazer a minha comida e não encher o saco”. Sem nem olhar pra trás, ele fumou uma pedra, pegou o berro e se mandou dali, deixando a mulher falando pras paredes do barraco.

Logo que virou uma esquina, o Josias esbarrou com um evangélico chato que estava pregando em voz alta pra uns doentes fodidos que estavam esperando atendimento no posto de saúde. Aquilo o enfezou. Com o 38 na cara do sujeito, ele mandou que o carola calasse a porra da boca, deu-lhe uns safanões e, pra encerrar, disse: “Olha o que eu faço com esse seu deusinho de merda”, e meteu um balaço na Bíblia que o infeliz carregava antes de jogá-la num córrego. O rapaz ficou ali meio assustado e o Josias profetizou: “Se você voltar aqui, eu te despacho pra falar com Deus”. Depois olhou em volta perguntou: “Vocês viram alguma coisa?”

Josias recebeu a missão de cobrar uma dívida de um folgado que morava numa casa de alvenaria ali perto. E foi logo apavorando. Meteu o pé na porta do sujeito e pegou ele trepando com uma morena gostosona. O maluco ficou branco, vendo o Josias esbravejar e jogar tudo que encontrava pro alto. Depois de fuçar várias gavetas e abrir a geladeira, os armários e umas cartas, que ele viu que eram tudo contas a pagar, o Josias não teve saco pra ouvir a ladainha de que “eu vou pagar, eu juro. Vou receber por um trampo aí amanhã e…” Amanhã? Pra vocês não tem. E a morena acabou realizando o sonho de sair nas fotos das revistas.

É claro que a profissão do Josias não durou muito, porque quem tem a cabeça cheia de revolta não tem tempo pra pensar. Logo foi o próprio a vítima de um arrastão policial, mas morreu feliz, porque o jogo terminou 2 a 1 pra ele. A última coisa que o Josias disse antes de ser executado foi: “Inferno por inferno…”

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”

(Artigo 5º da Constituição Federal)