quarta-feira, setembro 13, 2006

Arte da escrevinhação - I

Regra número um: não se deve começar a escrever um livro pelo começo. Simples, porque as primeiras linhas são fundamentais. A elas, deve-se empregar o que se tem de melhor. Claro, não adianta o enredo ser excelente do meio para o final, porque ninguém virá a sabê-lo. Agora, caso o livro seja excelente do início até a metade e, daí em diante, transforma-se numa merda só, ainda assim, o escritor tem chance de sobreviver. E eu digo por quê:

O leitor começa a seguir um caminho através dos capítulos com crescente interesse. Depois que já empregou horas naquela aventura, percebe que a história desanda. Ele fica desapontado, sem dúvida. No entanto, ninguém quer jogar fora um esforço que já foi feito. Sim, por mais que o livro seja agradável, ler sempre será um esforço intelectual e, por que não dizer?, físico. É um meio de comunicação que demanda atitude do receptor, portanto, exige dedicação.

A fim de evitar a sensação de desperdício, o leitor acende uma chama da falsa esperança ao dizer: o escritor começou bem e depois se perdeu; quem sabe, mais para frente, ele não se encontra novamente e me presenteia com um belo final? Ah, o final... Falemos dele em outra ocasião.

Portanto, a chance do leitor cumprir sua tarefa até o final caso vença o começo é consideravelmente alta. Por isso, não se deve começar a escrever pelo começo. Quem escreve sabe que, mesmo que se tenha uma idéia magnífica para um livro, leva um certo tempo para aquele projeto ganhar corpo. Em outras palavras: o escritor não está preparado para dar a importância que as primeiras palavras merecem no momento em que a idéia ainda se encontra enclausurada em sua cabeça. Tudo que o escritor tem, no instante em que encostará a primeira imagem no papel, é um livro completamente em branco.

É bom que se diga, também, que o começo de uma história não são apenas as primeiras linhas. Não, ainda estamos no começo, ainda que a pessoa que vos escreve neste exato instante não redija mais nenhuma linha. Acredito que o começo deve ser definido em relação ao todo. Por exemplo, se você está na página 138 da Montanha Mágica, que tem mais de 900 páginas, sinto informá-lo leitor, mas você ainda está muito longe do cume.

Consideremos, então, como começo, os primeiros vinte por cento do todo. Se o livro tem 200 páginas, as primeiras quarenta são o início. A partir da página 41, o leitor pensará duas vezes antes de desistir do livro. Ele há de encarar aqueles gomos de costura e pensar: já venci dois, seria uma pena desistir assim.

Começar um livro é uma arte que poucos dominam. (continua... quando o escrevinhadeiro tiver saco)

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Meu irmão Toão. Muito bem dito, ler exige um grande esforço intelectual e para quem está bem destreinado, como eu, chega a ser um grande esforço físico também. Tenho que retomar meus treinos em leitura e este seu blog com certeza tem me incentivado muito.
Abraçõs meu irmão.

5:23 PM  
Blogger Tomaz Gouvea said...

Meu querido irmão, você é a segunda pessoa que me diz que este blog está sendo útil para alguma coisa. A primeira foi o Butantã. Isso pra mim é o suficiente pra continuar sempre.

Abraço.

5:32 PM  

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