Divórcio
O dia após uma festinha em casa é um pesadelo. Ter que arrumar tudo com aquela ressaca dos infernos, descobrir que vários daqueles filhos da puta bebem cerveja só até o meio da latinha e depois já pegam outra. Ainda por cima, eles utilizam as latinhas como cinzeiro. Pra que inventaram o cinzeiro tradicional se esses putos vão mergulhar suas bitucas em cerveja quente? Porque todo fumante tem um quê de filho da puta. E todo bêbado tem dois quês de filho da puta. Mas quem não bebe e nem fuma não tem nenhum quê que não seja de filho da puta.
No dia seguinte ao porre coletivo, o chão fica grudento, a cozinha em estado de calamidade pública e o banheiro ― o banheiro é a pior parte. Os caras já não devem ser bons de mira em condições normais e, quando bebem, mijam em qualquer lugar, menos na privada. Claro que também não podia faltar o toque artístico de algum sacana: quando fui dar uma geral no quarto, com medo de ainda encontrar algum copo, ou algum corpo debaixo da cama, deparei com uma camisinha grudada na cara do ursinho de pelúcia que a Priscila me deu uma vez de aniversário. Pode ter certeza que, sempre, algum puto vai arrastar alguma puta para o seu quarto.
Lá pelas quatro da tarde, eu interrompi a arrumação para comer um talharim com molho enlatado. Todas as vezes que eu resolvo usar o fogão, as janelas do apartamento embaçam, porque eu sempre esqueço tudo fechado, e também fica aquele cheiro de mofo, de ar que não circula.
Depois de mais umas duas horas esfregando o chão e varrendo pelos cantos, consegui deixar tudo mais ou menos limpo e no lugar. Para mim estava ótimo, e eu me dei de brinde um banho quase escaldante e bastante demorado.
― Cheguei, querida! ― gritou o Marcos lá da porta.
― Vai se foder, seu merda ― respondi com minha educação britânica.
Há alguns meses, o Marcos levou um sonoro pé na bunda da mulher com quem dividia um belo apartamento nos Jardins. Pediu-me, então, com os olhos cheios de lágrima e cerveja, que eu o alojasse temporariamente. Sem problemas, pensei. E entreguei na mesma hora uma cópia da chave ao eminente advogado.
De fato, eu não tinha do que reclamar. Eu vivia muito largado e estava muito na merda. Com o Marcos aqui, eu continuei na merda, mas eu abria a geladeira e havia iogurte batido e Schwepps Citrus, abria o armário da cozinha e havia batata Pringles, pistache e bolacha de chocolate. No banheiro, havia creme de barbear mentolado, flúor e pasta de dente importada. De vez em quando, o Marcos até trazia uma prostituta sobressalente.
Num domingo, estávamos na sala sem dizer nada, apenas curtindo a ressaca. A televisão estava ligada no jogo do Santos, mas não acontecia nada. De repente o Marcos me perguntou se eu ia continuar naquela vidinha de desempregado.
― É, cara. Você não conseguiu dar o golpe do baú na Priscila e agora está tentando dar o golpe em mim, no seu velho amigo? Porra, você não faz nada, não procura emprego e fica gastando o meu condicionador nesses fiapos que sobraram na sua cabeça. Na boa, velho. Desse jeito não dá para continuar. Eu já comecei a procurar uns apartamentos aí pra mim e acho que, enquanto não encontrar nada, vou ficar num flat.
Depois desse pedido de divórcio, o Marcos ficou meio desconcertado, porque eu não reagia. Eu não disse nada. Como eu não disse nada, ele começou a desfiar uma ladainha: que ele estava muito agradecido porque eu o havia acolhido e tal, e que ele dizia tudo aquilo para o meu bem, afinal, ele gostava de mim de verdade, sabia que eu tinha potencial e era triste ver um amigo naquela letargia do caralho. Para encerrar, pediu desculpas pela história do golpe do baú.
Na verdade, eu não sabia o que dizer. Eu sentia que o Marcos estava tenso, mas as palavras me faltavam. Procurei na minha mente algo para quebrar aquela tensão, algum discurso pronto que estivesse arquivado, e nada. Como não havia nada a dizer, sugeri que déssemos uma puta festa, mesmo sabendo que, no dia seguinte, eu teria que enfrentar um novo pesadelo.
No dia seguinte ao porre coletivo, o chão fica grudento, a cozinha em estado de calamidade pública e o banheiro ― o banheiro é a pior parte. Os caras já não devem ser bons de mira em condições normais e, quando bebem, mijam em qualquer lugar, menos na privada. Claro que também não podia faltar o toque artístico de algum sacana: quando fui dar uma geral no quarto, com medo de ainda encontrar algum copo, ou algum corpo debaixo da cama, deparei com uma camisinha grudada na cara do ursinho de pelúcia que a Priscila me deu uma vez de aniversário. Pode ter certeza que, sempre, algum puto vai arrastar alguma puta para o seu quarto.
Lá pelas quatro da tarde, eu interrompi a arrumação para comer um talharim com molho enlatado. Todas as vezes que eu resolvo usar o fogão, as janelas do apartamento embaçam, porque eu sempre esqueço tudo fechado, e também fica aquele cheiro de mofo, de ar que não circula.
Depois de mais umas duas horas esfregando o chão e varrendo pelos cantos, consegui deixar tudo mais ou menos limpo e no lugar. Para mim estava ótimo, e eu me dei de brinde um banho quase escaldante e bastante demorado.
― Cheguei, querida! ― gritou o Marcos lá da porta.
― Vai se foder, seu merda ― respondi com minha educação britânica.
Há alguns meses, o Marcos levou um sonoro pé na bunda da mulher com quem dividia um belo apartamento nos Jardins. Pediu-me, então, com os olhos cheios de lágrima e cerveja, que eu o alojasse temporariamente. Sem problemas, pensei. E entreguei na mesma hora uma cópia da chave ao eminente advogado.
De fato, eu não tinha do que reclamar. Eu vivia muito largado e estava muito na merda. Com o Marcos aqui, eu continuei na merda, mas eu abria a geladeira e havia iogurte batido e Schwepps Citrus, abria o armário da cozinha e havia batata Pringles, pistache e bolacha de chocolate. No banheiro, havia creme de barbear mentolado, flúor e pasta de dente importada. De vez em quando, o Marcos até trazia uma prostituta sobressalente.
Num domingo, estávamos na sala sem dizer nada, apenas curtindo a ressaca. A televisão estava ligada no jogo do Santos, mas não acontecia nada. De repente o Marcos me perguntou se eu ia continuar naquela vidinha de desempregado.
― É, cara. Você não conseguiu dar o golpe do baú na Priscila e agora está tentando dar o golpe em mim, no seu velho amigo? Porra, você não faz nada, não procura emprego e fica gastando o meu condicionador nesses fiapos que sobraram na sua cabeça. Na boa, velho. Desse jeito não dá para continuar. Eu já comecei a procurar uns apartamentos aí pra mim e acho que, enquanto não encontrar nada, vou ficar num flat.
Depois desse pedido de divórcio, o Marcos ficou meio desconcertado, porque eu não reagia. Eu não disse nada. Como eu não disse nada, ele começou a desfiar uma ladainha: que ele estava muito agradecido porque eu o havia acolhido e tal, e que ele dizia tudo aquilo para o meu bem, afinal, ele gostava de mim de verdade, sabia que eu tinha potencial e era triste ver um amigo naquela letargia do caralho. Para encerrar, pediu desculpas pela história do golpe do baú.
Na verdade, eu não sabia o que dizer. Eu sentia que o Marcos estava tenso, mas as palavras me faltavam. Procurei na minha mente algo para quebrar aquela tensão, algum discurso pronto que estivesse arquivado, e nada. Como não havia nada a dizer, sugeri que déssemos uma puta festa, mesmo sabendo que, no dia seguinte, eu teria que enfrentar um novo pesadelo.
2 Comments:
TÔ!
TÔ eu aqui outra vez!
Só uma questão refletida durante o "Divórcio"!
Um divórcio é apenas um todo que em alguns momentos vira parte, mas se recupera quando a parte lembra que também é todo?
Acho uma boa questão para ser refletida durante a limpeza do dia seguinte! hehehehe
bj, butantã
Butantã,
meu amigo,
você é um poeta-filósofo.
Concordo que essa é uma questão para se refletir durante qualquer limpeza.
Beijos.
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