segunda-feira, novembro 29, 2010

Manifesto Contra a Barbárie

Eu tinha um professor que falava que o desenvolvimento da sociedade acaba nos trazendo novos problemas e novos desafios. Por exemplo: um lugar pobre e sem indústrias possui problemas de desemprego, fome, miséria etc. Se chega a indústria lá, ela traz emprego e desenvolvimento, mas carrega junto consigo os sérios riscos de degradação ambiental, possibilidade de alastrar doenças respiratórias e outros problemas velhos conhecidos nossos.
Crescer, desenvolver-se, gerar emprego, reduzir as desigualdades, tudo isso acaba trazendo novos problemas ou escancarando outros que, antes, eram até "disfarçáveis". Pois é, nos últimos anos, houve uma considerável redução no índice de miseráveis no Brasil. Também, alguns programas do governo, como o Prouni, colocaram nas nossas universidades tão caras e elitistas algumas figuras que costumavam ser incomuns: negros, pobres, pessoas mais simples, que só eram encontradas nesses meios como serventes na cantina e limpadores de banheiros.
É claro que isso é ótimo. O fato é que essa mistura social imposta por medidas governamentais, e não pelo desenvolvimento "natural" da sociedade, fez cair a máscara de que no Brasil todos convivem bem, de que aqui não há racismo, não há preconceito de classes, todos convivem em harmonia.
A máscara do país do oba-oba vem caindo a cada dia, quanto mais as pessoas que antes viviam às margens de uma sociedade elitista, coronelista e, por que não dizer?, fascista (que outro nome dar a esses energúmenos que assinaram o tal manifesto "São Paulo Para os Paulistas"?) passam a dividir o mesmo espaço que nós, da classe média-alta para cima.
Estamos diante de inúmeras manifestações racistas, preconceituosas, covardes e hostis, que têm pipocado nas universidades que passaram a receber gente pobre, preta e "feia" (obviamente, no dizer dessa corja de fascistas). Estamos, enfim, diante do escancaramento de um problema gravíssimo que sempre existiu no nosso país escravocrata, um país, como bem analisou Caio Prado Júnior (que também dava as suas escorregadelas preconceituosas), em que o Estado chegou antes da própria sociedade. Sim, o Brasil foi um país formado de cima pra baixo e isso fez com que se criasse uma elite da pior espécie, uma "nobreza" que se acha acima do bem e do mal e qua ainda respira com força nas grandes cidades brasileiras, a espirrar a espuma do extintor do carro em travestis, a queimar pessoas que dormem inocentemente num ponto de ônibus, a espancar uma moça sozinha na madrugada carioca, a agredir homossexuais covardemente numa estação de metrô da Avenida Paulista e por aí vai.
Essa "nobreza" está, sim, muitíssimo incomodada com a "invasão" de gente preta e pobre a espaços que antes eram privativos de branquelos filhinhos de papai. Aqui, eu abro um parêntesis para dizer que, ao longo de toda a minha vida de estudante, mais de 20 anos, dá pra contar nos dedos de uma mão com quantos negros eu dividi uma sala de aula. Lembro-me do Matias, que era adotado, e do Itaquê, filho de professor universitário.
Quando eu falei em mistura imposta por medidas governamentais, não estou fazendo uma crítica ao governo. Ao contrário. Mas isso só reforça a velha tradição de que, no Brasil, a sociedade ainda se forma de cima para baixo. E, é fato, medidas impostas costumam ser mais frágeis. Se for depender de ações dos governos para que minorias tenham acesso às universidades (esta medida, claro que necessária, deve ser provisória, vista como algo emergencial), não só pode tudo ir por água abaixo com uma simples mudança de governo como essas minorias continuarão a ter que ouvir de branquinhos ordinários que elas só estão ali por caridade.
Enfim, estamos diante de um novo desafio, que, na verdade, é fruto de um velho problema. O desafio é enfrentar esse discurso racista, fascista, nazista, que resolveu sair da toca, e que vai agir, não só com palavras, mas com pedaços de pau, com chutes, violência e morte.
É claro que não vamos combater com pau e pedra, porque é exatamente isso que esses trogloditas querem. Temos que reagir com palavras, temos que exigir , principalmente, dos governos, da mídia e do Judiciário, que essas pessoas paguem por esses crimes. Enquanto não acabar a impunidade, continuaremos a dar murro em ponta de faca. Enquanto a mãe de um delinquente que espanca uma pessoa covardemente puder dizer com tranquilidade que "eles são só crianças", nada vai mudar. Não adianta ficar nas medidas emergenciais. E não adianta esperar que os governantes resolvam tudo.
Vamos monitorar essa gente escrota. Não podemos deixar que caia tudo no esquecimento. Façamos barulho, abaixo-assinados e, acma de tudo, denunciemos esse tipo de conduta. Não importa de onde venha. Se um filho meu espancasse uma pessoa, eu seria o primeiro a apresentá-lo às autoridades porque, mesmo sabendo que uma Febem da vida não passa de um cadeião para menores e não resolve nada (ao contrário, só piora as coisas), eu tenho a convicção de que o Brasil só será um lugar decente quando a lei valer pra todo mundo.